Crise financeira & Direito do Consumo

AutorMário Frota
CargoDirector do Centro de Estudos de Direito do Consumo
Páginas81-176
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RPDC , Março de 2015, n.º 81
RPDC
Revista Portuguesa
de Direito do Consumo
CRISE FINANCEIRA & DIREITO DO CONSUMO
Firme convicção é a nossa de que as Instâncias, e agora o
Supremo*, não tiveram minimamente em conta a protecção do
consumidor lesado, valor em que fundamentalmente assenta o direito
do consumo, de raiz comunitária, como é o caso.
Aliás, por m, permita-se a liberdade de expressão:
O direito do consumo ainda não sensibilizou, de vez, os operadores
judiciários.
Infelizmente, nem os recorrentes (tanto pior, o autor!) invocaram
este valor a benefício da sua protecção.
Neves Ribeiro - Vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça
(Voto de vencido – in acórdão de 03 de Abril de 2003)
Mário FROTA
Director do Centro de Estudos de Direito do
Consumo
Fundador e Primeiro Presidente da AIDC –
Associação Internacional de Direito do
Consumo
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Revista Portuguesa
de Direito do Consumo
SUMÁRIO
I. PRELIMINARES. 1. A consigna das Jornadas e as tendências
desenhadas no ordenamento europeu. 2. A desjudicialização
da conitualidade de consumo. 3. A delimitação do tema: crise
nanceira, crédito malparado e soluções perseguidas pelo
ordenamento pra acudir a situações de franca hipossuciência.
II. CRISE FINANCEIRA. 1. Causas. 2. Consequências.
3. Repercussões na esfera dos consumidores.
III. DIREITO DO CONSUMO FONTE DE TUTELA DO
CONSUMIDOR ANTE AS ANOMIAS DO MERCADO FINANCEIRO
1. O quadro factual. 1.1. o crédito selvagem: elementos
caracterizadores. 1.2. o crédito malparado, o superendividamento.
2. A inversão do paradigma: do crédito selvagem ao crédito
responsável. 2.1. No crédito ao consumidor. 2.2. No crédito
hipotecário. 3. Medidas extraordinárias de prevenção e gestão do
risco de incumprimento. 3.1. No crédito ao consumidor. 3.2. No
crédito hipotecário
I. PRELIMINARES
1. A consigna das Jornadas e as tendências desenhadas no ordenamento europeu
A criação judicial de direito no limiar do século XXI”, eis o que
propõe o colégio de juízes – na génese de tão relevante evento na
Região – para a eloquente manifestação que nos congrega hic et
nunc.
De signicar que neste particular, no segmento próprio do direito do
consumo e dos conitos que estalem no seu seio, haverá lugar a uma cada
vez menor criatividade.
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Pelas razões que se expenderão no passo subsequente. Como pela menor
apetência da judicatura, ao que parece, para uma tal realidade, como temos
vindo a advertir “urbi et orbi1.
1 Cfr. o editorial da RPDC – Revista Portuguesa de Direito do Consumo -, editada pelo Centro de Publicações
da apDC, Coimbra, n.° 79, Setembro de 2014, do teor seguinte:
“O Direito do Consumo, na realidade, ainda não abandonou, entre nós, os “cueiros”…
E, ao que se nos agura, o facto é só – e tão só – imputável à Universidade. Com honrosas excepções, é
facto, em que se inclui a Universidade Nova de Lisboa, com uma disciplina de opção no curso de direito ali
professado.
À Universidade, em geral, pelo conservadorismo de que dá mostras. Pela resistência a novas realidades.
E, como reexo, decisões menos ponderadas, em particular dos tribunais superiores por não aceitarem a
categoria dos contratos de consumo que postulam soluções distintas das dos contratos civis ou comerciais
em circulação no “mercado”…
Também neste particular há honrosas excepções.
Já o saudoso Neves Ribeiro, ao tempo vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em voto de vencido
em acórdão de 03 de Abril do recuado ano de 2003, execrava o alheamento de tais realidades por banda das
instâncias e também do Supremo, como na situação sub judicio.
Vale citar, com aplauso, o teor do sumário do acórdão de 04 de Dezembro de 2013 do Supremo Tribunal de
Justiça, relatado por Fernandes do Vale, que reconhece, aliás, a categoria e disso tira todas as consequências,
ao invés do que sucede com o Tribunal de Conitos, como adiante se apreciará.
Eis o seu teor:
I – Os contratos de fornecimento de água por empresas concessionárias não são
subsumíveis a quaisquer preceitos constantes do ETAF.
II – Tais contratos não são administrativos, porquanto não são objecto de uma regulação
baseada em normas de direito administrativo, sendo, antes, contratos de consumo, em parte
regulados por normas que protegem os direitos dos consumidores.
III – Tais contratos ordenam-se no âmbito do direito privado, sendo, pois, contratos de direito
privado; razão por que assiste aos tribunais judiciais e não aos tribunais administrativos a
competência para apreciar e decidir os litígios emergentes de tais contratos.”
Já o Tribunal de Conitos, chamado a dirimir litígio em que em causa se achava a jurisdição idónea para
o efeito e, no seu seio, o órgão de judicatura competente, por acórdão de 15 de Maio de 2014 da lavra de
Fernanda Maçãs, num equívoco patente se limita a exprimir-se como segue:
É competente para conhecer uma acção especial para cumprimento de obrigações
pecuniárias na qual a autora, concessionária da exploração e gestão de serviços públicos
municipais de distribuição de água, pede a condenação do [demandado] no pagamento de
quantias relativas ao fornecimento de água objecto do referido contrato, a jurisdição dos
tribunais administrativos e scais.”
Tais situações exprimem em concreto o desvario que entre nós se instalou com grave reexo no estatuto
do consumidor e, em geral, notórios prejuízos que se traduzem em perdas tanto de ordem patrimonial como
no plano da não patrimonialidade, a saber, a reclamada dignidade susceptível de gerar uma reparação de
ordem moral, como sem diculdade se perceberá.
Portugal carece de um esforço redobrado para situar as coisas nas coordenadas devidas e, assim, repensar

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