Direito de preferência

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas13-44

Page 13

Histria Breve e Noo

O instituto do direito de preferência, é no nosso elenco jurídico, relativamente recente.

Pelo menos, na dimensionalidade que, hodiernamente, se lhe conhece.

Com efeito, anteriormente ao Código Civil de Seabra, de 1867, as Ordenações do Reino eram avaras quanto à imposição de direitos opcionais.

Tão só se quedou para a posteridade um direito de preferência: o conferido aos senhorios directos em relação às alienações do domínio útil. 1

Porém, a míngua virou fartura: o atrás citado diploma substantivo, como, aliás, leis posteriores, prodigalizaram a figura, trazendo-a ao redondel.

Então, criaram-se direitos de preferência, por exemplo, na alienação de coisas indivisíveis, como na de domínios directo e útil 2 ou ainda relativamente a quinhões. 3

Mesmo antes da promulgação da Lei do Inquilinato n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, já se contavam 11 casos de preferência em matéria de arrendamento.4

Em 25 de Novembro de 1966, o Decreto-Lei n.º 47:344, aprova o vigente Código Civil.

A partir daí proliferam os direitos de preferência, que inundam os mais diversos campos.

Desde os legais até aos apelidados de convencionais.

Mais que não seja para construirmos a definição da figura em análise, debrucemo-nos nuns e noutros.Page 14

Os primeiros promanam directa e exclusivamente da lei, podendo-se apontar, entre outros mais: o conferido ao comproprietário, 5 ao proprietário do solo, 6 ao dono do prédio encravado, 7 ao co-herdeiro, 8 etc..

E os convencionais?

São os que resultam, precisamente, de convenção (acordo) através da qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem, quando se decida a celebrar certo negócio.

Os direitos convencionais de preferência, cuja definição acabamos de alinhar, encontram-se permitidos em toda uma subsecção que se estende do art. 414.º ao art. 423.º (inclusive) do C.C..

Aquele normativo refere que «o pacto de preferência consiste na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa».

A leitura desta regra pode inculcar a ideia que o objecto do pacto de preempção 9 se confina ao contrato de compra e venda.

E nada mais errado.

A compra e venda é, de facto, um frequente campo de aplicação, mas não o único. Decorre, aliás, isto mesmo do disposto no art. 423.º do C.C. ao estender a obrigação de preferência a outros contratos.

No entanto, Antunes Varela 10 e Galvão Telles 11 restringem como objecto possível de preferência factícia qualquer contrato oneroso em relação ao qual faça sentido dar-se opção a determinada pessoa sobre outros eventuais contratos.

Não sufragamos tamanha tese, não o impondo, aliás, o Código Civil 12 e nem lobrigando impedimento algum na aplicabilidade aos contratos gratuitos. 13

Bom: a noção que demos linhas atrás para os direitos convencionais de preferência molda-se aos provenientes da lei, ponto que naquela façamos entrar para o lugar da «convenção», os vocábulos «disposição legal».

Assim:

Direitos de preferência são os que resultam de disposição legal através da qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem, quando se decida a celebrar certo negócio.Page 15

E, pronto, já fizemos um pouco de história e demos a noção dos dois tipos de direitos de preferência, bem como ainda, alinhamos alguns exemplos dos legais.

Destes, já se vê, uma vez que dos convencionais, dependendo de factos de prelação 14 variáveis de caso para caso, torna-se difícil exemplificar.

Porque achamos útil, dada a dispersidade ao longo do Código Civil, terminaremos a presente secção, arregimentando os mais prementes casos de direitos legais de preferência, com a transcrição integral dos respectivos normativos e de alguma jurisprudência (quando encontrada), assim apresentando ao leitor um repositório que lhe evitará o trabalho de busca e, afinal, não se afasta do pretendido transmitir agora e aqui: com efeito, para bem se definir é mister um bom conhecimento.

Vejamos, então:

«Artigo 1380.º 15(Direito de preferência) 16

1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.

2. Sendo vários os proprietários com direito de preferência cabe este direito:

a) No caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem;

b) Nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona.

3. Estando os preferentes em igualdade de circunstâncias, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante.

4. É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações.» Page 16

Ac. S.T.J., de 10/04/03: 17

O art. 1380.º do Cód. Civil deve ser interpretado no sentido de que o direito de preferência aí previsto não tem lugar em caso de alienação de parte alíquota de determinado prédio rústico.

Ac. Rel. Coimbra, de 04/02/03: 18

I - Os preferentes comuns não são obrigados a recorrer à notificação de preferência como acto prévio ao exercício do seu direito.

II - Não usada a notificação de preferência, o facto dum dos preferentes ter proposto e registado a acção que lhe reconheceu o direito, não preclude o direito do outro preferente vir exercer o seu direito.

III - Propondo o preferente na acção procedente e com prioridade de registo de preferência contra outro preferente pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade, pode, aí, este preferente, deduzir reconvenção para ver reconhecido o seu melhor direito.

Ac. S.T.J., de 14/03/02: 19

I - Os proprietários de terrenos confinantes não gozam do direito de preferência se o terreno vendido se destinar a construção.

II - Mas é necessário que a afectação do terreno a construção seja legalmente possível, embora possa ocorrer em momento posterior à alienação, estando o ónus da prova a cargo dos RR.

III - Para o proprietário de prédio onerado com servidão legal de passagem gozar de preferência na alienação de prédio encravado, é necessário que tal servidão esteja efectivamente constituída, ónus de prova que cabe ao A. preferente.

Ac. Rel. Évora, de 14/03/02: 20

Tendo a venda de prédio rústico sido feito a proprietário de terreno confinante, já nenhum outro proprietário confinante goza do direito de preferência previsto no art. 1380.º do Cód. Civil. Page 17

Ac. S.T.J., de 28/02/02: 21

Há direito recíproco de preferência entre os donos dos prédios rústicos confinantes, desde que um deles (seja aquele cujo dono quer vendê-lo, seja o outro contíguo, que pretende comprá-lo) tenha área inferior à unidade de cultura.

Ac. Rel. Porto, de 15/11/01: 22

I - Nas acções de preferência existe litisconsórcio necessário passivo devendo ser demandados o alienante e o adquirente.

II - A venda executiva envolve um contrato de direito público, integrado pelos actos do juiz e do comprador que se fundem e cruzam para formarem um acto bilateral.

III - O exequente e a executada não são partes na venda judicial; não têm, por isso, de intervir na acção de preferência.

IV - Tão pouco o Estado pode ser considerado «réu alienante» pelo que, igualmente, não é de considerar a sua intervenção nesta acção.

V - Donde, parte legítima na acção de preferência, em sede de arrematação em hasta pública, são os compradores.

VI - Sendo ambos os prédios de natureza rústica, contíguos e com área global inferior à unidade de cultura, a preferência terá de envolver ambos os prédios; a preferência na venda apenas de um deles implicaria fraccionamento ilegal e seria anulável.

«Artigo 1381.º (Casos em que não existe o direito de preferência)

Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:

a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;

b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar.»Page 18

DR, II, de 23/04/03: 23

A norma contida na al. a) do art. 1381.º foi considerada conforme à Constituição pelo Ac. n.º 106/2003 do Trib. Const., de 19-2-2003.

Ac. Rel. Évora, de 11/03/99: 24

I - Para efeitos da aplicação do disposto no art. 1381.º, al. a), do Cód. Civil, não é necessário fazer constar da escritura de alienação de prédio rústico objecto da preferência fim que não seja a cultura, podendo as partes fazer prova do destino do imóvel alienado.

II - Tal como na lei nada existe que imponha a menção na escritura da destinação do imóvel, também não se encontra precludida a possibilidade de o preferente poder fazer prova de fim diverso ao exarado na escritura.

Ac. S.T.J., de 30/06/98: 25

I - Exploração agrícola de tipo familiar é um conceito de direito cujo preenchimento há-de resultar da conjugação de vários elementos factuais, a que a lei faz referência, consistindo o mais importante na efectiva afectação do prédio ou conjunto de prédios à exploração agrícola através do trabalho próprio do cultivador ou de pessoas do seu agregado familiar.

II - Para que possa proceder a excepção prevista na al. b) do art. 1381.º do Cód. Civil é necessário que a exploração agrícola de tipo familiar já seja uma realidade efectiva ao tempo da venda cuja preferência se discute.

III - A circunstância de o arrendamento rural ter de ser obrigatoriamente reduzido a escrito não impede os outorgantes de, no contrato, estabelecerem a data do início da respectiva vigência, que pode ser anterior à data da redução a escrito daquele contrato, produzindo tal estipulação efeitos jurídicos, quer no plano das relações entre o senhorio e o arrendatário quer no plano das relações entre estes e terceiros.

Ac. Rel. Coimbra...

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