Noções Gerais (com História à mistura)

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas23-32

Page 23

Posto que há matrimónio e posto que mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, 14 «o divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas as excepções consagradas na lei». 15

Só uma autoridade judicial tem competência para dissolver a relação jurídica matrimonial constituída sem qualquer vício.

A iniciativa terá de partir dos cônjuges, de comum acordo, ou por um deles contra o outro, com base em algum dos fundamentos previstos nos arts. 1779.º e 1781.º do C.C.. No primeiro caso, diz-se divórcio por mútuo consentimento, enquanto que no segundo, se denomina de divórcio litigioso.

Antes do Código Civil de 1867 o casamento era sempre pela igreja, católico, se assim quisermos.

Quem não fosse casado por esta via, ainda que vivendo, regularmente, de «casa e pucarinho», vivia em situação irregular, em mancebia, portanto.Page 24

Só se admitia, pois, uma única forma de matrimónio: o religioso, segundo os preceitos da Santa Madre Igreja, Católica, Apostólica, Romana.

Com muita lavra o Visconde de Seabra conseguiu introduzir no diploma de sua autoria o art. 1057.º, com a seguinte redacção: «Os católicos celebrarão o casamento pela forma estabelecida na igreja católica. Os que não professarem a religião católica celebrarão o casamento perante o oficial do registo civil, com as condições e pela forma estabelecida na lei civil.»

Do exposto decorre que sendo o casamento católico indissolúvel, aos matrimoniados segundo os ritos da Igreja não fosse possível o acesso ao divórcio.

E assim foi até à chamada Lei do Divórcio, de 3 de Novembro de 1910, publicada poucos dias após a implantação da República.

Este diploma tornou, pela primeira vez em Portugal, extensivo o divórcio, quer aos casados catolicamente, quer aos matrimoniados pelo civil.

Certo sendo que, logo foi admitido o divórcio na perspectiva do mútuo consentimento ou na litigiosa.

Mas esta faculdade civil durou apenas alguns anos.

Em 1 de Agosto de 1940 entra a vigorar neste sacrossanto país uma concordata firmada entre o Estado Português e a Santa Sé, que em seu artigo XXIV, 16 estipula que pelo próprio facto da celebração do casamento canónico, os cônjuges renunciarão à faculdade civil de requererem o divórcio que, por isso, não poderá ser aplicado pelos tribunais civis aos casamentos católicos.

Uma vergonha!!!

Como uma subordinação deste jaez?! Porquê esta reverência por parte do Direito a uma confissão religiosa? Mais, tendo-se em conta que a ciência do Direito a todo o transe procura estabelecer entre os homens uma paridade tendo por base a justiça, vem acolher-se, precisamente, a quem, ao longo dos séculos, tanta injustiça espalhou, bastando lembrar os famigerados e odiosos tribunais de inquisição e os massacres perpetrados em nome de pseudo guerras santas.

Ouçamos Pereira Coelho, 17 sobre o estranho daquela anomalia: «além de que não se entende o que seja uma renúncia forçada, uma renúncia imposta, a ideia de uma renúncia ao divórcio vai contra princípios jurídicos elementares, pois o direito ao divórcio, como direito relativo ao estado das pessoas, é irrenunciável.»Page 25

Como o aludido artigo da Concordata não tinha aplicação retroactiva, o divórcio só passou a ser proibido aos que casassem catolicamente depois da sua entrada em vigor, mantendo-se, portanto, para os matrimoniados só civilmente e também para os casados canonicamente até essa data, o regime introduzido pela Lei do Divórcio.

Os casamentos católicos celebrados desde 1911 18 até à entrada em vigor da Concordata, 19 juridicamente, não existiam, e não pode presumir-se a renúncia ou fixar-se o regime de um acto que a lei desconhece como acto jurídico. Só os casamentos católicos anteriores a este período eram, pois, válidos.

Em 1966 é publicado um novo Código Civil que não veio alterar o status quo, já que continuou a não admitir o divórcio para os casamentos católicos posteriores a 1 de Agosto de 1940, prescrevendo: «Não podem dissolver-se por divórcio os casamentos católicos celebrados desde 1 de Agosto de 1940, nem tão pouco os casamentos civis quando, a partir dessa data, tenha sido celebrado o casamento católico entre os mesmos cônjuges.» 20

Ademais, este novo Código Civil, manteve o divórcio litigioso para os casamentos civis e suprimiu o divórcio por mútuo consentimento. 21

Seria necessário uma revolução, a de 25 de Abril de 1974, para se proceder à alteração do inexplicável artigo XXIV da Concordata, através de um Protocolo Adicional firmado no Vaticano aos 15 de Fevereiro de 1975.

Sequentemente, o Decreto-Lei n.º 261, de 27 de Maio de 1975, revogou os arts. 1790.º e 1794.º do Código Civil de 1966, deu nova redacção a diversos preceitos deste diploma conexionados com o divórcio e o casamento e introduziu sobre a mesma matéria normas de carácter transitório.

Já não sendo sem tempo, ficou, desde então, admitido o divórcio seja para os casamentos civis, seja para os matrimónios católicos e, quer sob a forma litigiosa, como pela via do mútuo consentimento.

Entretanto, o Decreto-Lei n.º 496, de 25 de Novembro de 1977, veio introduzir diversas e algumas profundas inovações no Código Civil de 1966; não obstante, em matéria de divórcio as alterações foram, sobretudo, de índole formal.

O divórcio estava institucionalizado.

Como instituto tem a sua própria conceptologia, natureza e caracterologia.Page 26

Fundamentalmente, o divórcio tem vindo a ser entendido ou como uma punição ou como uma panaceia.

A dissolução do matrimónio pelo divórcio como figura-sanção, é entendida como um castigo sobre o cônjuge culpado.

Toda a causa de divórcio tipifica um acto ou omissão voluntária que infringe os deveres conjugais, pelo que a dissolução do casamento pelo divórcio só é admissível havendo um cônjuge culpado e um cônjuge inocente. Aquele será punido, juridicamente falando, já se vê, porque afinal de contas inúmeras vezes, fora daquele âmbito, o desfavorecido é o inocente.

Surrealisticamente, resulta punido o inculpado e premiado o infractor. O inverso do, porventura, deliberado. Se muita diferença há entre o estipulado na lei e a prática, aqui, no domínio e âmbito do direito matrimonial, a clivagem é abismal.

E, já agora, adiantemos quais as sanções previstas na nossa lei para o cônjuge declarado único ou principal culpado. 22

Desde logo, o cônjuge declarado único ou principal culpado e, bem assim, o cônjuge que pediu o divórcio com base na alteração das faculdades mentais do outro, 23 deve reparar os danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento.

Por outro lado, o cônjuge declarado único ou principal culpado, não pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos. 24

Ademais, o cônjuge declarado único ou principal culpado, perde todos os benefícios recebidos...

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