Parecer da acop e da apdc ao anteprojecto do código do consumidor

AutorÂngela FROTA/Alice CONDE/Cristina FREITAS/Cristina GONÇALVES/José FROTA/Pedro DOMINGUES/Teresa MADEIRA
CargoJuristas da ACOP e da apDC
I Da apreciação na generalidade

Perante a extensão do anteprojecto de diploma, e por uma questão de organização, iniciaremos a nossa exposição pelos aspectos de carácter mais genérico seguindo em "espiral" para a análise detalhada das normas jurídicas.

Desde logo pode-se ler no preâmbulo (na pág. 7) do anteprojecto, no seu ponto 4, que "procurando salientar algumas ideias essenciais sobre o Anteprojecto que agora se apresenta, dir-se-á, em primeiro lugar, que foi propósito da Comissão ir além de uma mera compilação de leis dispersas e elaborar um Código, no sentido próprio do termo, com tudo o que isso implica, designadamente em termos de racionalização e de unidade sistemática. Mas um código, em todo o caso, com muitas particularidades, rompendo, em vários pontos, com o modelo tradicional, um código, pode dizer-se, pós-moderno", até aqui nenhum problema aparente, pois é o que todas as pessoas esperam de uma comissão elaboradora de um código.

Contudo, assim que começamos a "desbravar" o Código e fosse de publicidade que se tratasse que, com certeza, nos viria à ideia a noção que nos é dada pelo art.° 11 do Código da Publicidade quanto à publicidade enganosa!

Este prefigura mais um código-compilação do que um efectivo e real código de raiz.

Desde logo, a linguagem utilizada afigura-se ser mais apropriada a um tratado doutrinal do que aos comandos necessários à persecução dos interesses e direitos dos consumidores.

A título meramente exemplificativo veja-se o art.° 9 do anteprojecto.

Veja-se também o art.° 159 que "confunde" o termo doutrina utilizando-o em referência aos comandos legislativos, pelo que tal conceito deve ser abolido.

II Da sistematização

O Anteprojecto do Código de Defesa do Consumidor muito dificilmente poderá ser analisado segundo uma perspectiva sistemática, uma vez que o conteúdo de cada um dos títulos, capítulos e demais subdivisões escapa, a maior parte das vezes, do epigrafado (tenha-se em vista, a mero título de exemplo, desde logo, que no Capítulo I do Título I, sob a epígrafe «dos objectivos, princípios e âmbito de aplicação», as normas constantes dos artigos 2.°, 3.° e 8.° escapam por completo dos limites traçados pela epígrafe).

Todavia, poderemos afirmar que o Anteprojecto tenta seguir, ainda que sem grande sucesso, a sistematização operada pelos diplomas homólogos brasileiro, francês e italiano. Dizemos «sem grande sucesso», uma vez que dentro de cada uma das divisões encontram-se normas sem qualquer relação com a epígrafe da respectiva divisão.

Teremos, porém, em conta apenas os aspectos sistemáticos em si mesmo considerados, independentemente, portanto, do mérito ou demérito do conteúdo de cada uma das divisões e respectivas subdivisões, deixando a análise do mérito para outro momento.

Todos os Códigos do Consumo principiam, como não poderia deixar de ser (uma vez que por tal via se determina o objecto e, em grande medida, o âmbito de aplicação), com a definição de consumidor. Na mesma linha segue o Anteprojecto, muito embora o mencionado conceito só apareça no artigo 10.° do Capítulo I do Título I que tem por objectivo traçar os objectivos, os princípios e o correspondente âmbito de aplicação.

Na mesma linha adoptada pelo Código brasileiro de Defesa do Consumidor, segue-se um Capítulo II que tem por objecto traçar em linhas gerais as opções de política de defesa do consumidor («Política Nacional das Relações de Consumo»): mas em que, em lugar de linhas ou de directrizes políticas, se limita a enunciar os Direitos sem qualquer rasgo e a definir o conteúdo de raros de entre eles. Ora, a Política Nacional tem de ter uma abrangência e conteúdo próprios.

Comum a todos os diplomas congéneres, segue-se o direito à informação (a obrigação geral de informação), visto como o mais importante de todos os direitos atribuídos aos consumidores, visto que a informação é a única forma de assegurar um consumo esclarecido. Segue-se, como não poderia deixar de ser, um conjunto de normas relativas à informação em especial.

Logo em seguida, o anteprojecto português trata da protecção da saúde e segurança dos consumidores, seguindo-se um capítulo relativo à qualidade dos produtos e serviços. Por esta via, o autor do anteprojecto opera uma inversão da sistemática adoptada pelo legislador brasileiro que, logo depois de enumerar os direitos básicos do consumidor, se ocupa das disposições referentes à qualidade dos produtos e serviços, bem como da prevenção e reparação dos danos, criando posteriormente uma secção dentro deste capítulo onde se estabelecem as normas de protecção da saúde e segurança, seguindo-se as disposições relativas à responsabilidade pelo facto do produto e do serviço, pelos vícios, etc.

Parece-nos esta a melhor via de sistematização, uma vez que sendo respeitadas as normas relativas à qualidade dos produtos e serviços, não se colocaria o problema da responsabilidade do produtor por ofensas à saúde e à segurança dos consumidores por facto do produto, o que significa que a questão da saúde e segurança é abrangida pela questão da qualidade dos bens e serviços. Relativamente a este aspecto, diga-se que os códigos francês e italiano diferem o tratamento do assunto para momento posterior, o que não se mostra em correspondência com os bens jurídicos protegidos pelo diploma, podendo concluir-se desse diferimento a menor importância dada à integridade física e mental do consumidor... mas não é da crítica aos diplomas estrangeiros que estamos a tratar.

No respeitante às práticas comerciais, publicidade e sua correlação ao direito à informação, verifica-se uma certa disparidade entre as legislações consumeristas em vigor: no Código brasileiro a publicidade é tratada no âmbito das práticas comerciais, na mesma linha de raciocínio seguindo o legislador francês; o Código italiano, por sua vez, começa a se referir à publicidade logo na Parte II (mais precisamente em seu Título III), tratando numa mesma parte, portanto, a educação, a informação e a publicidade.

Foge destas perspectivas o autor do anteprojecto português, uma vez que insere o tratamento inicial dessa matéria no âmbito dos interesses económicos, descurando que a publicidade não se resume a tal, muito embora sendo esta matéria tratada de forma dispersa pelo anteprojecto (v.g. os artigos 349.° e 352.°, que inserem normas relativas à publicidade em locais destinados a regulamentação, respectivamente, do livro de reclamações e do direito real de habitação periódica), cumprindo, diga-se desde logo, proceder à unificação desta matéria num único ponto.

Apenas depois disto passa a tratar das práticas comerciais (proibidas e condicionadas) também enquanto aspecto dos interesses económicos do consumidor.

Depois disso, por motivos incompreensíveis, passa o anteprojecto a tratar dos contratos (em geral e em especial) e da responsabilidade civil do produtor e do prestador de serviços, tratando, desta forma, as fontes das relações de consumo no âmbito dos interesses económicos ínsitos no Título II que tem como epígrafe: «Dos Direitos do Consumidor». Evidenciando uma completa falta de sistematização minimamente coerente, a reparação dos danos merece capítulo especial, não o merecendo, todavia, os contratos.

Passa-se então para um novo título respeitante ao exercício e tutela dos direitos do qual fazem parte dois capítulos que em bom rigor não poderiam ser condensados num mesmo título, vejamos: no capítulo I se refere às infracções contra os interesses dos consumidores, de onde constam normas de direito substantivo e adjectivo penal e contra-ordenacional (direito público, portanto); já no capítulo II passa a tratar das disposições processuais cíveis (que, como ressalta à evidência, completam as normas de direito material privado). Ora, parece incoerente tratar-se de questões de direito público e privado numa mesma parte, não obstante uma tal distinção já não assumir nos tempos que correm a mesma importância de outrora no esbatimento das suas fronteiras dogmáticas e doutrinais.

Fugiu o autor do Anteprojecto à sistemática operada pelos legisladores francês e italiano (os quais só curaram de consagrar em seus diplomas consumeristas normas de direito privado e processual civil, relegando o tratamento das questões penais e processuais penais para outro diploma), pelo legislador brasileiro (que, apesar de tratar também de questões penais, a elas dedicou um título próprio, tendo as questões de direito processual cível merecido igualmente um título autónomo).

No tocante às normas processuais cíveis, verifica-se que há uma má arrumação dos temas. Aparecem normas processuais esparsas dispostas pelo texto, pelo que seria mais coerente haver uma só rubrica com as disposições processuais.

Por último (Título IV) tratou das instituições de defesa e promoção dos direitos do consumidor, à semelhança, aliás, do que fazem todos os diplomas congéneres.

Feita a análise do que é o Anteprojecto, cumpre agora proceder a uma análise do que este deveria ser, advertindo, todavia, da possibilidade de restarem algumas lacunas, já que o tempo de estudo, partilhado com as instantes tarefas quotidianas, numa instituição com um quadro reduzidíssimo, a mais não permitir. De resto, quatro escassos meses para apreciar um trabalho legislativo que levou dez anos a preparar, com larguíssimas discussões de permeio, é algo manifestamente insuficiente, se medirmos o facto de jamais ter havido diálogo entre os sábios e os práticos do direito do consumo que nas associações se confrontam com os problemas do dia a dia.

A melhor sistematização que se pode operar nesta matéria, por tratar-se da que possui a maior clareza e com a qual os juristas e operadores estão mais familiarizados (por ser a utilizada pelo Código Civil), seria a sistematização germânica (ou método de Savigny).

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(1) Deve dar-se algum...

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