Parte Denominador Comum

AutorHelder Martins Leitão
Páginas13-77

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I Parte

D ENOMINADOR C OMUM

A) Objecto da execução
B) Impenhorabilidade
C) Regras comuns aplicáveis a vários tipos de penhora

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= A =

Objecto da execução

Corresse tudo bem; fôra cumprido o contrato; acatada a palavra; perene o jura-mento e… e a penhora tão-só seria vocábulo dicionarístico, relegada a seu reduzido valor léxico.

É sonhar a mais.(1)

Quebra-se o contrato, desmente-se a palavra, rompe-se a jura.

E vem a execução e surge a penhora...

Ali, como aqui, torna-se inevitável a sequência e a consequência da via executiva.

E na culminância: a penhora...

Ela traz a esperança da reposição(2) da situação quo ante ao credor/exequente em termos patrimoniais, já se vê.

Com ela serão desapossados bens do devedor/executado.

Quiçá, mais do que isso: efectiva apreensão.

Não vá deles dispor; porventura, furtá-los da vista, destruí-los.

Pois é:
não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente(3) o seu cumprimento e de executar o património do devedor.(4)

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(1) - Tu querias perceber os pássaros

Voar como o Jardel sobre os centrais Saber porque dão seda os casulos Mas isso já eram sonhos a mais.

Carlos Té (2) - Tão quão possível. (3) - Sempre judicialmente, atenção. (4) - Nos termos declarados no Código Civil e nas leis adjectivas (cfr. arts. 817.º C.C. e 4.º,
n.º 3, 45.º e 801.º e segs. C.P.C.).

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DA PENHORA – No Processo Civil e no Processo Tributário

É o princípio da patrimonialidade da execução.(5)

É mesmo:
pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes estabelecidos em consequência da separação de patrimónios.(6)

Limitando-se-lhe a extensão, contudo:

a) salvo quando se trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes, é possível, por convenção entre elas, limitar a responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens, no caso de a obrigação não ser voluntariamente cumprida;(7)

b) estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora(8) que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.(9)

Heureusement,(10) só bens, bens e mais bens, podem ser objecto de penhora. Já pensou quando e se assim o não fosse?

Com a crise que por aí grassa e dos quantos aproveitadores ferrando calote!! Mas descansem todos…

Há muito tempo já que a pessoa do devedor se queda incólume ao seu incumprimento;(11) o credor tão-somente pode agir contra o património do devedor, que não contra a sua pessoa.

Aliás, a bem ver não é apenas a pessoa do refractário pagador que não é passível de penhora por banda do credor, mas também os direitos de carácter não patrimonial, como sejam os de personalidade e os de família.

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(5) - Já supra no texto o antevemos, frisando agora: reposição patrimonial, unicamente. (6) - Cfr. arts. 601.º C.C. e 821.º e segs. C.P.C.. (7) - Cfr. art. 602.º C.C., sob a epígrafe: “Limitação da responsabilidade por convenção das partes”. (8) - Que infra enunciaremos e comentaremos, aqui e só para concretizar a limitação (por ex.: arts. 822.º a 824.º C.P.C.).

(9) - Cfr. art. 821.º C.P.C., com a epígrafe: “Objecto da execução”. (10) - Permita-se o galicismo. (11) - Independentemente do montante inadimplementado, a menos que se lhe associe algum crime de punibilidade prevista no Código Penal.

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NO PROCESSO CIVIL – Denominador Comum

Formas bárbaras de compelir ao pagamento da dívida, são hoje, pelo menos, nos países de cultura ocidental, história em museu.

Para trás, ficaram as prisões por dívidas, os sequestros a mando do credor, o trabalho forçado até liquidação daquelas, mesmo a venda como escravo do relapso.(12)

Mas estará, definitivamente, afastada tamanha praga?

Se calhar não, mais que não seja porque na história tudo se repete. Particulares andam para aí a retomar aquelas práticas, recorrendo a “especialistas" em "cobranças difíceis”.

Mas, mais estranho ainda é quando é o próprio Estado, na veste de credor, que se arroga a mandar prender o devedor!(13)

É só atentar na aberração permitindo que em caso de dívida à Fazenda Pública o contribuinte-devedor possa ser condenado em medida privativa da liberdade.(14)

Regressando ao supra indicado princípio da patrimonialidade – agressão sobre os bens do devedor – fixemos-lhe o âmbito.

Uma das fronteiras já por nós foi relevada: todos os bens compreendidos no património do devedor.(15)

Mas o âmbito alarga-se.

Numa primeira apanha, poder-se-á estender aquele princípio, fazer nele entrar bens que se encontrem em poder de terceiro:

os bens do executado são apreendidos ainda que, por qualquer título, se encontrem em poder de terceiro, sem prejuízo, porém, dos direitos que a este seja lícito opor ao exequente.(16)

No fundo, não é assim tão grande o desvio ao princípio da patrimonialidade. É que os bens ainda que penhorados a terceiro são pertença do devedor. A novidade está na possibilidade da “perseguição” dos bens para além da sua situação adentro da esfera do executado.

Culminando com a sua apreensão.

Como quer que seja, os bens terão de ser do devedor.

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(12) - Queira o leitor aprofundar o conhecimento de tais horrores e começará pela leitura do Direito Romano, seguindo depois o curso da história com obrigatória paragem na Idade Média.

(13) - Não é ponto de admiração, sim de espantação. (14) - Que disfarces como “abuso de confiança fiscal” ou “fraude fiscal” não afastam o nosso mais veemente repúdio.

(15) - Ainda que com limitativos (cfr. pé-de-página 8). (16) - Cfr. n.º 1, art. 831.º C.P.C..

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DA PENHORA – No Processo Civil e no Processo Tributário

Tanto que, para além da oposição que o terceiro possa apresentar,

no acto de apreensão, indaga-se se o terceiro tem os bens em seu poder por via de penhor(17) ou de direito de retenção(18) e, em caso afirmativo, anota-se o respectivo domicílio para efeito de posterior citação.(19)

Portanto, o que se passa não é uma apreensão atrabiliária; não, os bens são sempre do devedor, o local onde se encontrem é que será indiferente.

E, aliás, ocorre tão-só uma apreensão, nada mais do que isso; que não qualquer alienação.

Sempre serão objecto de penhora apenas os bens do devedor, ainda que desinteressando-se a lei do local onde se encontrem e de quem sobre os mesmos exerce qualquer tipo de relação, a menos que – óbvio – consiga demonstrar ser válida, legítima a posse, a propriedade ou ambas, com força tal que cerce derrube a pretensão do exequente.

Percute-se, para afastar confusões: o princípio da patrimonialidade é sempre o mesmo, a sua dimensão não sofre alteração, apenas se lhe dá extensão para além do local físico onde os bens penhoráveis se encontram e da pessoa que os detém.

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(17) - Cfr. arts. 666.º a 685.º C.C., integrados em Secção intitulada: “Penhor”. (18) - Cfr. arts. 754.º a 761.º C.C., integrados em Secção intitulada: “Direito de retenção”. (19) - Cfr. n.º 2, art. 831.º C.P.C..

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= B =

Impenhorabilidade

Já alertamos atrás: a regra da penhorabilidade da totalidade dos bens do devedor comporta excepções.

E, uma destas já mesmo a indicamos: a resultante de convenção das partes,(20)

enquanto outras as reservamos para aqui e agora.(21)

Umas, estão na lei substantiva; outras, na adjectiva.(22)

Passemo-las em revista.

E, logo assim:

• os bens deixados ou doados com a cláusula de execução da responsabilidade por dívidas do beneficiário, são impenhoráveis nas execuções por obrigações posteriores à liberalidade e também pelas anteriores, quando registada a penhora depois do registo da cláusula, se esta tiver por objecto bens sujeitos a registo;

• o crédito de alimentos não é penhorável,(23) nem mesmo podendo o obrigado livrar-se por meio de compensação, ainda que se trate de prestações já vencidas;(24)

• o direito de servidão não pode penhorar-se em separado do prédio a que pertence, activa ou passivamente;(25)

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(20) - Cfr. art. 602.º C.C., com a ressalva, porém, de se entender como fraudulenta uma indicação de bens em quantidade, manifestamente, insuficiente para garantir o crédito (apud Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 3.º vol., pág. 590.

(21) - Vide rodapés 8 e 9. (22) - Estas em maior número. (23) - Em parcela alguma (já o foi impenhorável em 2/3 - antiga redacção da al. b), do n.º 1, do art. 824.º C.P.C.).

(24) - Cfr. n.º 2, art. 2008.º C.C.. (25) - Cfr. n.º 1, art. 1545.º C.C..

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DA PENHORA – No Processo Civil e no Processo Tributário

• o direito de uso e habitação não pode ser objecto de penhora, na medida em que o usuário e o morador usuário não podem trespassar ou locar o seu direito, sem onerá-lo por qualquer modo;(26)

• o direito de usufruto dos pais sobre os bens dos filhos é inalienável e impenhorável,(27) mais que não seja por visar fins pessoais e que, por isso mesmo, a lei não permite destacar autonomamente como objecto de execução;

• não impenhorabilidade total, tão só relativa dos bens que só subsidiariamente, ou seja, na falta ou ausência de outros bens, respondam pelo cumprimento da obrigação, como é o caso dos bens próprios que na execução contra ambos os cônjuges só respondem depois dos bens comuns, como, igualmente, é o caso dos bens comuns indicados em execução contra um só dos cônjuges, os quais só respondem na falta dos próprios do cônjuge executado;(28)

• na execução movida contra o devedor principal e o devedor subsidiário que deva ser previamente citado, não podem ser penhorados os bens deste, enquanto não estiverem excutidos todos os bens do devedor principal;(29)

• pelas dívidas sociais respondem a sociedade e, pessoal e solidariamente, os sócios; porém, o sócio demandado para pagamento dos débitos da sociedade pode exigir a prévia excussão do património social;(30)

• na execução movida apenas contra algum ou...

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