Práticas comerciais desleais. Um estudo da Directiva 2005/29/CE

AutorCláudia Sofia Gomes Abrunhosa
CargoAdvogada Estagiária
Tábua de siglas e abreviaturas

CE Tratado que institui a Comunidade Europeia.

CESE Comité Económico e Social Europeu

DPCD Directiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Maio de 2005 relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno.

TJCE Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.

I Introdução

Num contexto em que o consumidor assume o papel de sujeito activo no teatro de acções que representa o Mercado Interno da União Europeia, surge a Directiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Maio de 2005 relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno, doravante designada por DPCD, objecto do presente estudo.

Directiva de um largo espectro de intervenção todas as práticas comerciais lesivas dos interesses económicos dos consumidores, a ser transposta por 27 Estados Membros, que encerra como abordagem a acalentada harmonização plena, pedra de toque de um sem número de questões.

Assim, pretende-se com o presente estudo abordar o conteúdo deste diploma comunitário, desdobrando-o nos seus elementos chave.

Aproximação a que se procederá, considerando a sistemática normativa consagrada pela directiva, designadamente a abordagem de aproximação das legislações nacionais pretendida, com as implicações técnicas que ela importa, o seu âmbito de aplicação e as consequentes exclusões, a técnica legislativa adoptada, nomeadamente a definição de cláusulas gerais complementadas por uma lista de exemplos, analisadas atendendo aos elementos que as constituem, e finalmente os requisitos da sua aplicação, não sem antes se apontarem as suas origens e fundamentos jurídicos.

No decurso do desenvolvimento da análise que se propõe, levantar-se-ão algumas questões quanto à efectiva concretização dos objectivos traçados por este novo quadro legal aplicável às práticas comerciais desleais, procedendo-se sempre que possível, dada a sua quase inexistência, a referências jurisprudenciais europeias.

Como critério de abordagem aos conceitos e princípios plasmados na directiva em análise, partir-se-á de linhas de orientação adoptadas pelo ordenamento jurídico português, porque nele se desenvolveram os quadros de raciocínio de quem se propõe desenvolver este tema, sem que com isso (pretende-se) se perca a dimensão europeia destes conceitos e princípios.

Por abordar ficarão, no entanto, as medidas adoptadas pelos Estados Membros para a transposição desta directiva, mormente a análise da sua transposição para o ordenamento jurídico português, assim como a pesquisa jurisprudencial reveladora da evolução da protecção dos consumidores contra práticas comerciais desleais, quer a nível europeu quer a nível nacional.

II Fundamentos
1. Origem

Surge com o Livro Verde sobre a Defesa do Consumidor na União Europeia1, doravante designado por Livro Verde, em 2 de Outubro de 2001, a iniciativa de desenvolvimento de uma directiva quadro sobre práticas comerciais desleais, num quadro de uma apontada necessidade de reestruturação do acervo do direito europeu do consumo, designadamente em matéria de defesa do consumidor.

Desta forma, de molde a garantir um mais elevado nível de defesa do consumidor, balanceado com a ponderação dos interesses das empresas, projecta-se a criação de uma directiva que complete o quadro legal comunitário aplicável às práticas comerciais lesivas dos interesses económicos dos consumidores, objectivo fundamental da defesa do consumidor2, com perdão pela redundância.

Esta directiva foi conceptualizada como instrumento de harmonização plena, transpondo desta forma a paliçada da costumada harmonização mínima, funcionando como rede de segurança, no sentido de abranger as práticas que não são objecto de legislação comunitária sectorial.

Consagra, pela sua abordagem, uma proibição geral das práticas comerciais lesivas dos interesses económicos dos consumidores, perspectivadas pela negativa, ou seja, enquanto práticas desleais.

Assume destaque o direito dos consumidores à informação, relevante perante omissões passíveis de consubstanciarem práticas comerciais desleais, perpassando o que diversas acções e iniciativas das instituições comunitárias vêm destacando como elemento "(...) essencial para que o consumidor beneficie das vantagens no mercado único"3.

A auto-regulação e a co-regulação são também pedra de toque na construção deste diploma comunitário, quer ao nível nacional quer ao nível da União Europeia ainda que aqui se reconheça a dificuldade de implementação destes últimos códigos de conduta.

Note-se, a referência ao Livro Branco sobre Governança Europeia4, que consagra para a prossecução dos princípios da boa governança designadamente o da coerência, a promoção da utilização de instrumentos políticos como as directivas quadro5, associadas a mecanismos de co-regulamentação6.

O Livro Verde aponta também a possibilidade de recurso a orientações práticas não vinculativas que permitam atingir um maior grau de segurança jurídica, pela convergência de interpretações dos elementos conformadores de uma prática comercial desleal. Orientações que poderiam integrar a participação das partes interessadas.

Refira-se também a relevância conferida ao reforço da cooperação entre as autoridades nacionais responsáveis pela aplicação da legislação de defesa do consumidor.

No cumprimento da determinação do Livro Verde surge, em 11.6.2002, a Comunicação da Comissão sobre o Seguimento do Livro Verde sobre a Defesa do Consumidor na União Europeia7, doravante designado por Seguimento do Livro Verde, nos termos da qual se expressa o resultado da consulta às partes interessadas e às autoridades nacionais.

De forma genérica, este documento corrobora as pretensões do Livro Verde, designadamente na adopção de uma directiva quadro, alicerçada numa plena harmonização, baseada numa cláusula geral assente na obrigação dos profissionais, em não praticar a actividade comercial de forma desleal, consagrando categorias de "lealdade/deslealdade" a que se acrescentaria uma lista indicativa de exemplos.

Categorias que deveriam incluir a proibição das práticas enganosas, o dever de divulgar, junto do consumidor, toda a informação material que possa afectar a sua decisão, incluindo declarações, omissões e conduta, a proibição de utilizar a força física, o assédio, a coacção ou qualquer abuso de influência e a divulgação efectiva de informação e o tratamento das queixas formuladas após a venda.

Destaca o desenvolvimento de códigos de conduta e as consequências do seu não cumprimento, a sua possível aprovação pelas autoridades públicas e a correspectiva presunção de conformidade com as disposições deste diploma comunitário, assim como a formulação de orientações práticas não vinculativas e a participação das partes interessadas.

Este instrumento deveria consagrar a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo e o controlo pelo país de origem, e seria aditada à lista das directivas abrangidas pelo artigo 1.° da directiva relativa às acções inibitórias.

Em 18 de Junho de 2003 surge, resultado do Seguimento do Livro Verde, a Proposta de Directiva8 relativa às práticas comerciais desleais, cujos elementos chave, com infra se verá no decurso da análise da directiva que se estuda, a que se confrontará este documento, se centram na consagração de uma harmonização plena das obrigações comunitárias em matéria de práticas comerciais desleais das empresas relativamente aos consumidores de molde a garantir um elevado nível de protecção aos consumidores.

Inclui uma proibição geral, atendendo aos critérios por ela definidos que permitem determinar se uma prática comercial é desleal, distinguindo, em particular, as duas categorias de práticas comerciais desleais, como sejam as práticas comerciais enganosas acções e omissões e as práticas comerciais agressivas, que incluem os mesmos elementos que os contidos na proibição geral, ainda que esta última seja autónoma.

Nos supraditos critérios, estabelece como consumidor de referência o consumidor médio na acepção do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, doravante designado por TJCE, considerado da mesma forma nos grupos particularmente vulneráveis.

À proibição geral, coadjuvada pelas categorias supra referidas, acrescenta-se uma lista negra de práticas comerciais, que serão consideradas desleais em quaisquer circunstâncias.

Os códigos de conduta relevam, como pretendido, no controlo das disposições da directiva pelos seus titulares, realçando-se, no entanto a sua natureza voluntária.

É consagrada uma cláusula de mercado interno, pela adopção do princípio do reconhecimento mútuo, na sua mais ampla dimensão, que inclui o controlo pelo país de origem.

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