Produção biológica – certificação e garantias

AutorFernando Serrador
1. Razões do controlo e certificação

Em primeiro lugar, importa ter em conta que a opção pela agricultura biológica é em si um acto voluntário do produtor, mesmo que isso possa resultar de um conjunto de factores variável, consoante os casos, desde as motivações de carácter ecológico, filosófico ou antroposófico, até às simples razões de sobrevivência económica ou de mais – valia na comercialização dos produtos, ou mesmo às razões relacionadas com a obtenção de ajudas financeiras ou outras.

Assim, no quadro actual, podemos dizer que a prática da agricultura biológica é de carácter facultativo. Por outro lado, o produtor pode praticar este modo de produção, sem que isso implique necessariamente que seja submetido ao processo de controlo e certificação. De facto, esse processo só é imprescindível, no caso de se pretender a ostentação de indicações nos produtos obtidos, a colocar no mercado, as quais sugiram de algum modo ao consumidor ou ao cliente dos mesmos que estes foram obtidos em agricultura biológica.

Ao nível da regulamentação europeia aplicável, podemos desde logo constatar nos seus considerandos preliminares, que a sua adopção pretende a própria defesa da agricultura biológica, no sentido em que “constitua uma garantia de condições de concorrência leal entre os produtores dos produtos que ostentem as referidas indicações e impeça o anonimato no mercado dos produtos biológicos, assegurando a transparência em todos os estádios da produção e transformação, conduzindo assim a uma maior credibilidade dos produtos aos olhos dos consumidores” (Soeiro et al, 2000).

Por outro lado, a crescente procura dos produtos biológicos, frequentemente associada a um preço mais elevado, pode levar ao desenvolvimento das possibilidades de fraudes ou de irregularidades ou desvios face às exigências definidas, o que vem fundamentar a necessidade de um controlo em todas as fases do processo de produção e preparação do produto até à sua colocação no mercado, bem como da certificação dos produtos finais ou acabados, sejam eles produtos agrícolas primários ou produtos transformados.

Com o desenvolvimento do sector da agricultura biológica, um pouco por todo o mundo, assim como dos fenómenos de crescente globalização e comércio internacional, a distância entre o produtor e o consumidor aumentou tanto que, na maioria das vezes, já não há contacto entre essas duas partes.

Deste modo, impõe – se, naturalmente, a intervenção de entidades independentes, chamadas de “terceira – parte”, isto é, os organismos de controlo e certificação, no sentido de poderem verificar e atestar a conformidade dos produtos.

Só assim é possível facilitar as trocas comerciais destes produtos, cuja certificação assegura o reconhecimento da sua equivalência, de modo transparente, para além de transmitir a confiança adequada no seio dos diferentes agentes do mercado e junto do consumidor.

2. Enquadramento normativo
2.1. Regulamentação Europeia da Produção Biológica
2.1.1. Antecedentes

Apesar da agricultura biológica já ser praticada desde há muito tempo, podemos situar a década de 70 como a época em que começou a surgir no mercado, nomeadamente nos países da Europa Central e do Norte, um volume crescente de produtos, contendo menções diversas, tais como biológico, orgânico, biodinâmico, natural, ecológico e outras, para além de eventuais logótipos privados relativos à sua certificação, normalmente de cariz associativo.

Ora, dada a crescente procura por parte dos consumidores, assim como das diferenças normativas com base nas quais se fazia o controlo e a certificação desses produtos, variando de país para país, e muitas vezes, de região para região, a Comissão apresentou uma primeira proposta de regulamento ao Conselho, em 1988 / 89, no sentido de harmonizar as regras da agricultura biológica, da sua rotulagem e do seu controlo, ao nível da Comunidade Económica Europeia, na altura.

De facto, a ausência de uma legislação comum levava a situações de concorrência desleal entre os operadores, a alguma falta de confiança nos mercados, a certos impedimentos à livre circulação de mercadorias e à possível existência de algumas operações enganosas ou fraudulentas junto dos consumidores, sem um tratamento adequado.

No entanto, deve reconhecer – se que, já nessa época, e apesar de ter crescido num contexto altamente desfavorável e até algo marginal face ao sistema de produção dominante (convencional), a agricultura biológica e os seus produtos procuravam uma visão holística do sistema de produção, envolvendo as diversas fases, desde a produção, a transformação, o acondicionamento e a embalagem dos produtos, até ao consumidor final.

Nessa altura, o controlo e a certificação centravam – se no funcionamento de organizações associativas, com base nos seus respectivos cadernos de normas, que tinham como factor comum e porventura único, no seio do sector agrícola e alimentar, em geral, a característica de garantir o controlo em todas as fases do seu circuito dos produtos.

2.1.2. Regulamento n º 2092 / 91 e suas modificações

Após toda uma série de debates e discussões entre os diversos representantes dos 12 Estados – Membros, na altura, e a própria Comissão Europeia, foi então aprovado e publicado o primeiro regulamento europeu para o modo de produção biológico dos produtos agrícolas e sua indicação nos produtos agrícolas e nos géneros alimentícios – Regulamento (CEE) N º 2092 / 91, do Conselho de 24 de Junho de 1991.

Neste capítulo, deve – se salientar o importante o papel desempenhado, na altura, pelas organizações europeias associadas da IFOAM, organização aliás que detinha, há já quase uma vintena de anos, um conjunto de normas de orientação para a agricultura biológica.

O Regulamento inicial foi sofrendo, entretanto, várias dezenas de modificações sucessivas, até 2007, numa média 4 alterações por ano, o que revela bem o dinamismo próprio do sector biológico.

2.1.3. Regulamento (CE) n º 834 / 2007 e suas modificações

Publicado em 20 de Julho de 2007, o Regulamento (CE) Nº 834 / 07, do Conselho de 28 de Junho de 2007, relativo `a produção biológica e à rotulagem dos produtos biológicos, está em aplicação desde 1 de Janeiro de 2009, em todos os Estados – Membros da União Europeia, revogando o Regulamento (CEE) N º 2092 / 91, modificado, abordado no ponto anterior.

A sua estrutura é bastante diferenciada, mais lógica e de mais fácil percepção, sendo constituída por 7 títulos, 42 artigos e 1 anexo, dispostos como se vê no quadro seguinte, com a diferenciação dos seus objectivos, princípios e regras de produção.

Quadro 1 – Estrutura do Reg. (CE) N º 834 / 2007:

Título I – Objectivo, âmbito de aplicação e definições (art. 1º e 2º).

Título II – Objectivos e princípios da produção biológica (art. 3º a 7º).

Título III – Regras de Produção

Cap. 1 – Regras gerais aplicáveis à produção (art. 8º a 10º).

Cap. 2 – Produção agrícola (art. 11º a 17º).

Cap. 3 – Produção de alimentos transformados para animais (art. 18º).

Cap. 4 – Produção de géneros alimentícios transformados (art. 19º a 21º).

Cap. 5 – Flexibilidade (art. 22º).

Título IV – Rotulagem (art. 23º a 26º).

Título V – Controlos (art. 27ºa 31º).

Título VI – Relações com países terceiros (art. 32º e 33º).

Titulo VII – Disposições finais e transitórias (art. 34º a 42º).

Anexo (referente ao n º 1 do art. 23º).

As principais razões deste novo Regulamento são expressas nos considerandos preliminares, nomeadamente o reconhecimento do papel duplamente social do método de produção biológica, por um lado, pelo abastecimento de um mercado específico que responde à procura dos consumidores e, por outro, pelo fornecimento de bens públicos que contribuem para a protecção do ambiente e do bem – estar dos animais, bem como para o desenvolvimento rural.

Por outro lado, esta nova abordagem tem, supostamente, o intuito de alguma simplificação e maior coerência global, numa perspectiva de incentivo à harmonização das...

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