Infecções e Toxinfecções alimentares

AutorCristina Belo Correia
CargoLaboratório de Microbiologia Unidade de Referência Departamento de Alimentação e Nutrição Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, I.P.

Revisão efectuada por: Maria Margarida Saraiva - Laboratório de Microbiologia, Departamento de Alimentação e Nutrição, INSA Porto.

Infecções Toxinfecções alimentares

As doenças de origem alimentar são um problema grave e actual em saúde pública, e constituem uma importante causa de morbilidade e mortalidade em todo o mundo. Incluem-se nestas doenças as deficiências nutricionais e a obesidade, envolvendo situações de risco, resultantes respectivamente da utilização escassa ou excessiva de diversos nutrientes. Outras são devidas à contaminação dos géneros alimentícios em diferentes pontos da cadeia de produção. A Organização Mundial de Saúde (OMS), estima que anualmente morrem cerca de 2,2 milhões de pessoas com infecções diarreicas, das quais 1,8 milhões são crianças. Estas doenças entéricas diarreicas podem contrair–se a partir da ingestão de alimentos, incluindo o contacto com animais ou transmissão pessoa a pessoa. As doenças diarreicas de origem alimentar são uma das doenças mais comuns a nível mundial.

O Regulamento (CE) n.° 178/002 relativo aos princípios e normas gerais de legislação alimentar e a procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios, define género alimentício como qualquer substância ou produto, transformado, parcialmente transformado ou não transformado, destinado a ser ingerido pelo ser humano ou com razoáveis probabilidades de o ser. Esta definição inclui as bebidas, as pastilhas elásticas e todas as substâncias, incluindo a água, intencionalmente incorporadas nos géneros alimentícios durante o seu fabrico, preparação ou processamento. Considera-se que um alimento é próprio e seguro para consumo, se não causa dano ao consumidor, desde que preparado ou consumido de acordo com o uso a que se destina.

Os alimentos podem causar efeitos adversos para a saúde do consumidor, devido à presença de substâncias indesejáveis naturais ou devido à acção de um contaminante, isto é, de substâncias que não foram adicionadas intencionalmente aos alimentos mas que todavia estão presentes nos mesmos, como resíduos de produção, transformação, acondicionamento, transporte e conservação.

Os perigos presentes podem ser biológicos, mas também químicos (metabolitos de perigos biológicos adicionados ou produzidos nos alimentos, resíduos de medicamentos veterinários, poluentes ambientais, industriais ou agrícolas) ou perigos físicos (corpos estranhos como vidro, plástico, metal, lascas de madeira e a temperatura exageradamente alta).

As doenças alimentares de origem microbiana, que frequentemente se manifestam como doenças infecciosas intestinais, podem ser causadas por uma diversidade de agentes etiológicos tendo como porta de entrada o tracto gastrointestinal (Tabela 1).

[ NO INCLUYE TABLA ]

Infecções bacterianas. As bactérias são seres unicelulares, com um comprimento variando de 1 a 10 micrómetros, naturalmente encontradas no ambiente (sob a forma vegetativa ou esporulada) ou em reservatórios animais/vegetais. Têm a capacidade de se multiplicar nos alimentos. Estas infecções de origem alimentar podem originar predominantemente sintomas gastrointestinais, como náuseas, vómitos e diarreia, ou sintomas extra-gastrointestinais em que os microrganismos entram no organismo através do aparelho digestivo e disseminados a outros órgãos multiplicam-se causando doença. A ingestão de alimentos contaminados com Listeria monocytogenes, pode ser um exemplo de infecção que provoca sintomas agudos em órgãos não do tracto gastrointestinal. As manifestações clínicas de listeriose, na maioria dos indivíduos em bom estado de saúde são nulas mas, nas mulheres grávidas, embora a mãe possa apenas apresentar sintomas pseudogripais, a bactéria pode atravessar a barreira placentária e infectar gravemente o feto. As consequências da listeriose neonatal ocorrem frequentemente antes do nascimento, podendo originar aborto espontâneo, parto prematuro ou listeriose do recém-nascido, evoluindo nos casos mais graves para complicações, como meningoencefalite e septicemia, com uma taxa de mortalidade elevada (Tabela 1).

Infecções virais. Os vírus são microrganismos de dimensões muito inferiores às das bactérias, que apenas podem ser observados ao microscópio electrónico. São parasitas intracelulares, porque apenas se reproduzem no interior das células vivas, não se multiplicando nos alimentos, onde podem no entanto manter a sua capacidade infecciosa e causar posteriormente infecções nos humanos. São geralmente resistentes às condições ambientais, mas são facilmente destruídos pela cozedura. Os vírus mais frequentemente associados a surtos de origem alimentar são os norovírus ou vírus de Norwalk, os rotavírus, o vírus da hepatite A e o vírus da hepatite E. Os sintomas de gastroenterite causados pelos norovírus e pelos rotavírus, podem incluir náuseas, dores abdominais, vómitos, diarreias, aquosas e febre. No caso da hepatite A, os primeiros sinais de infecção são os de uma gastroenterite banal, durando 1 a 3 dias e reflectindo a invasão do epitélio intestinal pelo vírus. Em seguida é atingido o fígado onde pode causar uma inflamação prolongada - Hepatite (Tabela 1).

Infecções parasitárias. Os parasitas são microrganismos unicelulares ou pluricelulares, que vivem em associação simbiótica com o organismo hospedeiro, geralmente com benefícios para o seu crescimento e reprodução. Os parasitas mais frequentemente envolvidos em infecções de origem alimentar são os protozoários dos géneros Giardia, Cryptosporidium e Toxoplasma. São seres unicelulares eucarióticos, que podem viver dentro ou fora do hospedeiro, mas que ao contrário das bactérias não podem multiplicar-se fora das células do hospedeiro e geralmente não são sensíveis aos antibióticos antibacterianos. As infecções parasitárias entéricas, podem ser transmitidas com o parasita em diferentes etapas do seu desenvolvimento, como ovos, cistos e oocistos. Estas formas caracterizam-se por serem inertes e, resistentes a condições ambientais desfavoráveis e a desinfectantes, podendo permanecer nos alimentos após descontaminação. A dose infecciosa de certos parasitas como o Cryptosporidium é muito baixa. A maioria dos parasitas transmitidos ao Homem através da água ou dos alimentos, permanece no intestino, seu habitat natural provocando infecções gastrointestinais como é o caso da Giardia lamblia e Taenia saginata. No entanto alguns parasitas podem atravessar a parede intestinal e infectar diferentes tecidos, exemplo do Toxoplasma gondii e Trichinella spiralis. De referir que a toxoplasmose é uma infecção parasitária extra-intestinal, que pode assumir formas graves e por vezes mortais, quando transmitida da mãe para o feto pela via placentária - toxoplasmose congénita (Tabela 1).

Intoxicações (Toxinas microbianas). Em presença de factores favoráveis designadamente tempo e temperatura as bactérias podem multiplicar-se, atingindo níveis elevados e algumas têm a capacidade de produzir ou libertar toxinas. Estas são metabolitos secundários que, quando presentes e ingeridos com o alimento, vão actuar localmente no organismo humano, ou disseminar-se noutros órgãos lesando células, tecidos e/ou o sistema imunitário. São exemplos bem documentados de agentes de toxinfecções alimentares, o Bacillus cereus, o Clostridium botulinum e o Staphylococcus aureus, sendo este último um dos microrganismos mais frequentemente reportados. O Bacillus cereus tem a capacidade de produzir duas toxinas muito diferentes, a toxina emética e a toxina diarreica. Estas toxinas formam-se quando há germinação de células vegetativas, normalmente nos alimentos, mas, a toxina diarreica também se pode formar no intestino. A toxina emética, é muito resistente ao calor, termoestável e a diarreica muito sensível, termosensível, sendo responsáveis respectivamente por dois síndromes distintos, o emético o e o diarreico (Tabela 1).

Os esporos do Clostridium botulinum são muito resistentes ao calor mas, as toxinas botulínicas ou neurotoxinas, são termolábeis e podem ser destruídas durante o processo de confecção dos alimentos, sendo todas resistentes às enzimas digestivas (Tabela 1).

De salientar que no caso do Clostridium perfringens a enterotoxina produzida no intestino é a responsável pela sintomatologia. A doença manifesta-se como consequência, da ingestão de um alimento, contaminado com um elevado número de células viáveis, que no decurso da sua passagem do meio ácido do estômago para o intestino, pH próximo da neutralidade, vão esporular e é nesta fase, que se liberta a enterotoxina no intestino (Tabela 1).

A histamina ou scombrotoxina é uma amina biologicamente activa, resultante da acção de uma enzima bacteriana, a histidina descarboxilase, sobre o aminoácido livre histidina. Esta enzima, está presente em algumas bactérias que colonizam certos peixes, predominantemente os da familia Scombridae (ex. atum e cavala) e vai actuar sobre a histidina e outros aminoácidos. A produção da toxina ocorre durante a multiplicação de algumas bactérias, Enterobacteriaceae, Vibrio spp. Clostridium spp. e Lactobacillus spp .em condições de conservação inadequada e má refrigeração do pescado. Sendo muito resistente ao calor o seu efeito não é reduzido pela cozedura. (Tabela 1).

Diversas espécies de moluscos bivalves, podem acumular no decurso da sua alimentação, toxinas elaboradas por algas do fitoplâncton, que podem provocar diversos tipos de intoxicações, com sintomatologia diversa e dependente do tipo de toxina (paralítica, diarreica, neurotóxica ou amnésica), da...

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