Actos das partes

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas55-74

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Espécies

O Código de Processo Civil de 1939 enumerava três tipos ou espécies de actos das partes, a saber: requerimentos, articulados e alegações.84

O vigente Código de Processo Civil de 1961,85 afastou as alegações de entre os actos das partes, passando o art. 150.º a fixá-los em: articulados, requerimentos e respostas.

Até 1995, altura em que, com a revisão de 12 de Dezembro,86 se alargaram os actos das partes.

Presentemente, enumeram-se, como actos das partes: articulados, requerimentos, respostas e as peças referentes a quaisquer actos que devam ser praticados por escrito no processo.

Diga-se à guiza de esclarecimento que a matéria da enunciação dos actos das partes não tem sido pacífica.

Vários autores se debruçaram sobre a matéria e as divergências têm-se notado.

Para o leitor tomar, ainda que ao de leve, contacto e ter conhecimento da iliquidez da questão, divulgam-se, em seguida, as posições de alguns conhecidos processualistas.

Carnelutti,87 considerando os actos das partes sob o ponto de vista técnico, aponta as seguintes espécies: disposições, instâncias, afirmações, distinguindo-se nestas duas modalidades – asseverações e alegações.

Pela palavra «disposições» designa os actos pelos quais as partes regulam, segundo o seu interesse, a composição ou o desenvolvimento do processo. A «instância» significa o acto da parte tendente a provocar uma providência que satisfaça o seu interesse. Quer dizer, mediante a disposição a parte satisfaz, por si, o seu próprio interesse; mediante a instância a parte solicita o juiz para que o satisfaça.

A «afirmação» é a declaração da existência ou inexistência dum facto. Desdobra-se em duas sub-espécies: a asseveração e a alegação. A asseveração é a simples afirmação daPage 58 existência ou inexistência dum facto; a alegação é a declaração dum facto como premissa dum raciocínio, isto é, a afirmação de razões ou de factos.

As instâncias e as alegações são dois actos simples, técnica e juridicamente diferentes, cuja combinação produz o acto composto a que se dá o nome de pedido.

Por seu turno, Betti,88 tomando por base o conteúdo dos actos, classifica os actos processuais das partes em: a) pedidos; b) declarações cominatórias (ou provocatórias) dirigidas ao adversário; c) declarações dispositivas; d) afirmações e deduções de facto e de direito; e) apreciações de verdade com efeito vinculativo; f) comunicações de factos e produções de meios.

Já Coniglio,89 colocando-se no ponto de vista do modo como os actos das partes operam no processo, distingue duas categorias: 1.ª actos que não têm efeito vinculativo, que não determinam uma situação jurídica; 2.ª actos vinculativos ou com eficácia imediata.

Pertencem à 1.ª categoria as instâncias ou pedidos, as afirmações e as deduções. A 2.ª desdobra-se em actos com eficácia vinculativa sobre a relação processual, como as comunicações de actos, e actos com eficácia vinculativa sobre o conteúdo da decisão, como a confissão do pedido.

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Articulados

Do latim articulatu.

Como adjectivo: proferido, deduzido em artigos ou parágrafos; dividido em artículos.

Como substantivo masculino: exposição jurídica, em parágrafos ou artigos.

Como definição legal: é a peça em que as partes90 expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes.91

Definição não inteiramente correcta.

Pois que, quando se tome como elemento característico a forma, a designação de articulado só caberia à exposição integrando artigos ou pequenos trechos numerados, semelhantes àqueles em que se dividem os textos legislativos.

Mas não é assim.

Terá que se recorrer ao critério da função para, corrigindo-a, poder entendê-la e aceitá-la.

Critério da função.

Se assim é, logo se indaga: para que servem os articulados?

– para as partes exporem os fundamentos da acção e da defesa92

e

– para as mesmas formularem os pedidos correspondentes.

Permitimo-nos, trazer aqui duas transcrições, de outros tantos mestres do nosso panorama jurídico, sobre o tema que estamos a tratar e que, em nosso entendimento, bem traduzem a função, aliás, importante, dos articulados, para além de nos darem a ideia da sua inserção no processo.

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Se reflectirmos sobre o verdadeiro papel que desempenham, no drama da acção, a petição, a contestação, a réplica e a tréplica, verifica-se o seguinte: é através ou por intermédio dessas peças que a lide entra no processo. Quer dizer, os articulados servem para dar a conhecer os termos exactos da controvérsia substancial entre o autor e o réu

.93

«O articulado corresponde assim ao arrazoado das partes, mas submetido a certo espartilho formal. «Arrazoe quem quiser, mas articule quem souber», diz-se no velho rifão forense para acen-tuar exactamente o cunho técnico da operação de articular.94

Penetrando ainda mais na função dos articulados, deliciemo-nos com esta clara explicação de Alberto dos Reis:95

Duas pessoas estão em conflito sobre uma determinada relação jurídica material; porque o conflito não se resolveu amigavelmente, uma delas propôs acção contra a outra para fazer decidir o litígio pelo tribunal. Ora a primeira condição para que o tribunal possa decidir o litígio, é que o conheça, que saiba, com precisão, qual é a controvérsia existente entre o autor e o réu. Ora é pelos articulados que as partes apresentam ou expõem ao tribunal o seu litígio, a sua controvérsia, o seu conflito sobre a relação jurídica material. O autor, na petição e na réplica, enuncia a sua pretensão e as razões em que a funda; o réu, na contestação e na tréplica, diz da sua justiça, faz valer o seu ponto de vista, expõe a sua versão dos factos e do direito, procurando mostrar que é o seu interesse, e não o do autor, que tem a protecção do direito objectivo.

Podemos, pois, condensar a função dos articulados nesta fórmula: os articulados servem para introduzir a lide no processo, para estabelecer os termos exactos do litígio entre o autor e o réu.

Até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, era «obrigatória a dedução por artigos dos factos susceptíveis de serem levados à especificação ou ao questionário».

Presentemente, «nas acções, nos seus incidentes e nos procedimentos cautelares é obrigatória a dedução por artigos dos factos que interessem à fundamentação do pedido ou da defesa, sem prejuízo dos casos em que a lei dispensa a narração de forma articulada».96

Na redacção anterior ficava dispensada a forma articulada quando a acção não comportasse especificação e questionário.

Estes foram agora «substituídos» pelos factos assentes e pela base instrutória.

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Se a redacção dada ao n.º 2, do art. 151.º continuasse em versão limitativa, os processos especiais, os incidentes e os procedimentos cautelares continuariam a subtrair-se à forma articulada.97

Só que assim não sucedeu.

O texto estendeu a obrigatoriedade, efectivamente, aos incidentes e aos procedimentos cautelares, muito embora nestes não haja lugar à relação dos factos assentes e à base instrutória.

Espelha assim o normativo o que, de facto já vinha, tendencialmente, ocorrendo na prática.98

Só se esqueceu o legislador de mencionar os processos especiais em que não haja relação dos factos assentes e dos factos controvertidos.99

E também se esqueceu o legislador de mencionar as execuções?

Parece que não.

Porque a execução, seja para pagamento de quantia certa (ordinária ou sumária),seja para entrega de coisa certa ou para prestação de facto, é, na realidade, uma verdadeira acção.

As acções executivas são aquelas em que o demandante (neste caso, exequente) se arroga em direito que se diz estar ofendido pelo demandado (seja, executado) e, em consequência disso, requer as providências adequadas à reintegração efectiva do direito violado ou à aplicação de diversa sanção legal correspondente.

Aliás, ao processo de execução são subsidiariamente aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições relativas ao processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva.

Quer da redacção do art. 151.º do C.P.C. anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, quer da actual, parece resultar que a exigida dedução por artigos só terá que o ser relativamente à factologia e não à fundamentação jurídica e nem mesmo à consubstanciação do pedido.

E teremos, então, por exemplo no petitório: o proémio, a enunciação do direito aplicável e o pedido, em texto corrido ou não articulado; a enumeração dos factos com dedução por artigos.100

O que, aliás, bem se entende, porque só os factos irão integrar a relação da matéria assente e da base instrutória.

E, é por isso mesmo, que se impõe a enumeração por artigos das peças componentes da acção.

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Apresentemos o seguinte exemplo de uma forma articulada:

O autor há mais de 25 anos, cultiva, arroteia e rega uma courela, sita no Lugar de Fradinho, conhecida por Várzea de Cima.

E, mais adiante, separada desta asserção:

Verdade sendo, porém, que no dia 15 de Agosto último, o réu entrando naquela propriedade e utilizando o engenho de tirar água que o impetrante ali possui, com o auxílio de seu filho, durante cerca de duas horas, transportou para terra que fica vizinha àquela e sua pertença, vários baldes de água.

Aqui temos nós a separação por artigos: entre os dois parágrafos há uma solução de continuidade, é certo, mas entre os mesmos existe também uma certa autonomia. No primeiro, fala-se de elementos integrativos da posse; no segundo, da ofensa que, efectivamente, lhe foi feita.

A lei não exige que os artigos sejam numerados, mas a verdade é que na prática sempre o são, atenta a arrumação e designação, que se torna mais fácil.

Como quer que seja, a separação entre os artigos de forma a autonomizá-los, poderá ser feita de maneira diversa da mais corrente e usual que é a numeração; quiçá, por letras do alfabeto latino ou grego. E que os excêntricos pensem noutras...

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