Segurança alimentar imperativo de cidadania

AutorMário FROTA
CargoDirector do Centro de Estudos de Direito do Consumo
A segurança e a responsabilidade

A segurança alimentar constitui preocupação dominante em qualquer latitude.

As revelações recentes dos abates clandestinos para consumo público revelam à saciedade que em Portugal o rei vai nu.

O regime da segurança alimentar está consignado no Regulamento n.° 178/2002, de 28 de Janeiro, editado pela União Europeia, para observância estrita no "seu" território, abalado, de resto, pelos sucessivos escândalos da encefalopatia espongiforme bovina, pelas dioxinas nos galináceos, porcinos e na Coca-Cola, pela máfia das hormonas, dos antibióticos, dos betagonistas e pelas farinhas de origem animal que enxameiam o mercado.

Aí se define que não serão colocados no mercado quaisquer géneros alimentícios que não sejam seguros.

Os géneros alimentícios não se considerarão seguros se forem:

- prejudiciais à saúde;

- impróprios para consumo humano.

Ao determinar-se se um género alimentício não é seguro, deve-se ter em conta:

- as condições normais de utilização do género alimentício pelo consumi-dor e em todas as fases da produção, transformação e distribuição;

- as informações fornecidas ao consumidor, incluindo as constantes do rótulo, ou outras informações geralmente à disposição do consumidor destinadas a evitar efeitos prejudiciais para a saúde decorrentes de um género alimentício específico ou de uma categoria específica de géneros alimentícios.

Ao determinar-se se um género alimentício é prejudicial para a saúde, deve-se ter em conta:

- não só o provável efeito imediato e/ou a curto e/ou a longo prazo desse género alimentício sobre a saúde da pessoa que o consome, mas também sobre as gerações seguintes,

- os potenciais efeitos tóxicos cumulativos;

- as sensibilidades sanitárias específicas de uma determinada categoria de consumidores, quando o género alimentício lhe for destinado.

Ao determinar-se se um género alimentício é impróprio para consumo humano, deve-se ter em conta se é inaceitável para consumo humano de acordo com o uso a que se destina, quer por motivos de contaminação, de origem externa ou outra, quer por putrefacção, deterioração ou decomposição.

Sempre que um género alimentício que não é seguro faça parte de um lote ou remessa de géneros alimentícios da mesma classe ou descrição, partir-se-á do princípio de que todos os géneros alimentícios desse lote ou remessa também não são seguros, a menos que, na sequência de uma avaliação pormenorizada, não haja provas de que o resto do lote ou da remessa não é seguro.

São, porém, considerados seguros os géneros alimentícios que estejam em conformidade com as disposições comunitárias específicas que regem a sua segurança, no que diz respeito aos aspectos cobertos por tais disposições.

A conformidade de um género alimentício com as disposições específicas que lhe são aplicáveis não impedirá as autoridades competentes de tomar as medidas adequadas para impor restrições à sua colocação no mercado ou para exigir a sua retirada do mercado sempre que existam motivos para se suspeitar que, apesar dessa conformidade, o género alimentício não é seguro.

Na ausência de disposições comunitárias específicas, os géneros alimentícios são considerados seguros quando estiverem em conformidade com as disposições específicas da legislação alimentar do Estado-Membro em cujo território são comercializados, desde que tais disposições sejam formuladas e aplicadas sem prejuízo do Tratado da União Europeia.

Os princípios que se plasmam neste particular poder-se-ão listar como segue:

- O da preservação da vida e da saúde humanas

- O da protecção da saúde e bem-estar animal

- O da preservação do ambiente

- O da precaução

- O da transparência

- O da salvaguarda dos interesses económicos do consumidor

- O da partilha da responsabilidade

Os princípios destarte enunciados tendem a incidir na segurança dos alimentos e impõem, a vários títulos, a responsabilidade dos distintos partícipes na cadeia alimentar.

Uma das vias da segurança é a que se prende com a rastreabilidade.

Por rastreabilidade se entende a capacidade de detectar a origem e de seguir o rasto de um género alimentício, de um alimento para animais, de um animal produtor de géneros alimentícios ou de uma substância, destinados a ser incorporados em géneros alimentícios ou em alimentos para animais, ou com probabilidades de o ser, ao longo de todas as fases da produção, transformação e distribuição.

Princípio da preservação da vida e da saúde humanas

Como direito fundamental que nenhum outro sobrepujará, avulta o da protecção da saúde e da segurança do cidadão, tal como enfaticamente o proclama o artigo 129 do Tratado de

Amsterdão e se mantém intangível no Tratado de Nice.

Como se assevera na comunicação da Comissão Europeia de suporte ao plano trienal 1999/2001 de acção que ainda mantém, aliás, a sua vigência, "outros artigos do Tratado [de Amsterdão] são relevantes para a política dos consumidores: por exemplo a importância das questões da saúde é confirmada pela nova redacção do artigo 152 sobre Saúde Pública, cuja aplicação está relacionada com o artigo 153"1.

Noutra oportunidade2 sublinhámos que "a concepção de uma aldeia global assente em um sistema de economia de mercado à escala planetária representa, a todas as luzes, um desafio da maior relevância: produtos de paragens as mais longínquas surgem, mercê da aceleração dos transportes, em mercados distantes com os reflexos susceptíveis de advir dos métodos de produção, conservação, distribuição, transformação e do mais e com impacte na saúde e na segurança de cada um e todos.

E, no quadro da temática em apreciação, sublinham-se os pontos que segue [enquanto domínios relevantes de intervenção e suporte de políticas adequadas]:

- Segurança alimentar recuperação e reforço dos níveis de confiança do consumidor;

- Análise dos riscos para a saúde e segurança do consumidor de modo mais coerente e consequente;

- Cientificidade dos pareceres critérios de rigor, efectividade e isenção exigíveis no plano de que se trata;

- Situações de emergência seu tratamento com celeridade, eficiência e eficácia;

- Concertação no plano internacional em ordem à obtenção de consensos no que tange a princípios, a directrizes, a critérios a que se submeterão os géneros alimentícios (e o que tal pressupõe).

A segurança alimentar volve-se no arsenal de estruturas / instrumentos a criar e/ou a desenvolver por forma a garantir e/ou a reforçar a segurança neste particular.

Donde, a relevância a conferir ao princípio da preservação da vida e da saúde humanas com o que postula até em termos de ordenação de valores.

Como pressuposto e, a um tempo, corolário do princípio em epígrafe figura obviamente a segurança que mister é impor a toda a estrutura da cadeia alimentar ou, como sói dizer--se, do prado ao prato.

Daí que ao enunciarem-se os requisitos gerais da legislação alimentar se estabeleça como que em autêntica petitio principii que "não serão colocados no mercado quaisquer géneros alimentícios que não sejam seguros": não o sendo os que se afigurem prejudiciais à saúde e os impróprios para o consumo humano.

O Regulamento oferece, neste particular, um sem número de critérios por que se afere a insegurança dos produtos alimentares, tanto de base empírica como científica, como noutro passo e de forma mais pormenorizada se revelou.

O Regulamento aparelha ainda critérios de responsabilidade susceptível de se repartir entre os Estados-membros como aos operadores económicos que intervêm em qualquer dos elos da cadeia alimentar, como suporte de domínio insuperável no quotidiano de cada um e todos.

Princípio da protecção da saúde e bem-estar animal

De entre os princípios gerais da legislação alimentar, realce para os objectivos gerais que se compendiam no artigo 5.° do Regulamento Europeu de 28 de Janeiro de 2002, publicado no Jornal Oficial de 1 de Fevereiro de 2002, como segue:

"1. A legislação alimentar deve procurar alcançar um ou mais dos objectivos gerais de um elevado nível de protecção da vida e da saúde humanas, a protecção dos interesses dos consumidores, incluindo as boas práticas no comércio de géneros alimentícios, tendo em conta, sempre que adequado, a protecção da saúde e do bem-estar animal, a fitossanidade e o ambiente.

  1. A legislação alimentar deve visar a realização da livre circulação na Comunidade de géneros alimentícios e de alimentos para animais, fabricados ou comercializados em conformidade com os princípios e os requisitos gerais constantes do presente capítulo.

    3. Sempre que existam normas internacionais ou esteja eminente a sua aprovação, estas devem ser tidas em conta na formulação ou na adaptação da legislação alimentar, excepto quando as referidas normas ou os seus elementos pertinentes constituírem meios ineficazes ou inadequados para o cumprimento dos objectivos legítimos da legislação alimentar ou quando houver uma justificação científica ou ainda quando puderem dar origem a um nível de protecção diferente do considerado adequado na Comunidade Europeia."

    O destaque conferido à saúde e bem-estar animal reflecte as preocupações que a montante se exprimem no que tange à generalidade dos produtos alimentares em vista do elevado nível de protecção da vida e da saúde humanas a que tende, como objectivo primacial, a política de segurança alimentar no seio da União Europeia.

    Os requisitos de que depende a circulação no mercado dos alimentos para os animais entronca na assinalada preocupação:

    "1. Não serão colocados no mercado nem dados a animais produtores de géneros alimentícios quaisquer alimentos para animais que não sejam...

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