A autonomia constitucional no Século XXI

AutorArnaldo Ourique
Páginas82-90

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O melhor sentido para a Autonomia Constitucional dos Açores numa segunda Revisão Constitucional do Século XXI (referíamo-nos, em 2003, à que entretanto foi feita em 2004) é, não a reforma do sistema legislativo da região autónoma, mas o melhoramento do sistema de controlo das leis.47

Vou debruçar-me sobre a competência legislativa primária da região autónoma, embora no debate possamos também falar no poder normativo do governo regional.

1) Introdução

DANIEL J. BOORSTIN começa assim o seu livro "Os Pensadores - A História da Constante Busca do Homem para Compreender o seu Mundo": «Aprisionados entre duas eternidades - o passado dissipado e o futuro desconhecido - nunca paramos de procurar as nossas coordenadas e o nosso sentido de orientação».

Nós portugueses temos o defeito de não procurar as nossas coordenadas e sem coordenadas procurar o nosso sentido de orientação. Isso tem-nos levado a erros constantes, alguns dos quais imerecidamente plasmados na Lei Fundamental, outros tristemente na argumentação de doutrina e jurisprudência.

I - EIS as coordenadas

2) Estado e Autonomia

A Autonomia constitucional dos Açores já não é uma criança porque abraça mais de um quarto de Século o que podendo não ser muito no âmbito da Teoria Geral do Estado é muitíssimo do ponto de vista da Ciência Política. Hoje seria muito difícil expurgar o sistema autonómico: em primeiro lugar, mesmo fazendo uma dupla revisão da Constituição da República, a primeira para retirar do artº 288º o limite material relativo às regiões autónomas, e a segunda revisão para limpar as referências que se alastram por todo o texto constitucional, mesmo fazendo uma dupla revisão como dizia, dificuldades se encontraria na justificação política, social, cultural e histórica para o efeito; em segundo lugar, as regiões autónomas estão de tal maneira impregnadas na Lei Fundamental, que uma limpeza dessa realidade jurídica tornaria a Constituição da República Portuguesa numa nova Constituição e sobretudo num novo Estado. Page 83 Ou seja, a realidade portuguesa no âmbito da política, quer interna, quer externa, incluindo a dimensão comunitária, já não é visível de outra maneira do que a de um Estado que, embora unitário, é regional porque se multiplica por um sistema com entidades, para além dos órgãos do Estado, com competência para criar comandos imperativos de res publica com a mesma dimensão de erga omnes dos daquele.

3) Órgãos regionais

Os órgãos regionais que são, do ponto de vista político bem entendido, apenas a Assembleia Legislativa e o Governo, têm à sua responsabilidade duas vertentes importantes de todo o sistema autonómico: o parlamento, o desígnio de criar para a região as leis regionais e de adaptar ou regulamentar as leis estaduais à realidade açoriana; e o executivo, o desígnio de governar a identidade açoriana. São estes os únicos órgãos de governo próprio da Região Autónoma.

4) Interpretação política ou jurídica da Constituição

Não é de hoje que se questiona a interpretação da Lei Fundamental, se é interpretação política ou se é interpretação jurídica (ou ambas). A Constituição tem uma tripla estrutura: é um sistema aberto, é um bloco de princípios e é uma declaração de fins. Tal estrutura, por um lado implica um discurso polissémico e indeterminado quer ao nível da filosofia, quer ao nível da metodologia e da epistemologia; por outro lado obriga a utilização de método hermenêutico de hierarquias que conduzem inevitavelmente a resultados possíveis e complementares, resultando isso numa liberdade de escolha de um deles; e por outro lado ainda, por fim, implica um elevado grau de politização pela organização de conceitos indeterminados e de pré-compreensão, o que encaminha para juízos políticos, de conveniência, de oportunidade, de razoabilidade. Esta tripla estrutura convence toda a doutrina a considerar que a interpretação da Lei Fundamental é eminentemente política.

Mas estou convencido que se assim fosse tão simplesmente, perderíamos muito porque colocaria a Lei Fundamental num patamar de interpretação inferior às leis ordinárias que, estas sim estão sem reservas sujeitas a uma hermenêutica técnica com o rigor que é possível afirmar existir. Somos, portanto, de parecer que a Lei Fundamental, mais do que qualquer outra lei, exige uma interpretação correcta. Correcta, de forma extensiva, por exemplo, em matérias como quanto ao sistema dos Direitos Fundamentais, mas também correcta na matéria da competência dos órgãos do Estado unitário por respeito ao princípio da separação de poderes, ao princípio do Estado de Direito e ao princípio da segurança jurídica.

Ou seja, a interpretação da Constituição da República há-de ser ampla ou restrita nas matérias Page 84 que assim o exijam e há-de ser ampla ou restrita nas matérias respeitantes aos órgãos do sistema democrático. De outra maneira, há-de ser, na globalidade, uma interpretação política, mas na especialidade, há-de ser técnica, cuidadosamente técnica, muito particularmente na matéria respeitante à competência dos órgãos democráticos.

5) Ministro da República para a Região Autónoma

O Ministro da República não é um órgão regional, embora faça parte dessa dinâmica. É um órgão do Estado mas esse estatuto é apenas de representante. E mesmo assim ainda representa o Estado exclusivamente no estrito âmbito da competência que a Lei Fundamental e o Estatuto Político-Administrativo lhe reserva.

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