A autoridade política

AutorArnaldo Ourique
Cargo do AutorMestre pela Faculdade de Direito de Lisboa

4.1 Como se disse distingue-se o poder jurídico da autoridade política. Um e outro entrecruzam-se indissociavelmente porque, a este nível institucional público, não há poder jurídico sem poder político e, na maioria das vezes, não existe este sem aquele. Mas podem e são frequentemente diferentes um do outro. Uma instituição política – e já isso diz muito – por ser da orgânica pública, mais ainda política, tem, pelo seu próprio exercício de funções, um conjunto de capacidades que extrapoladas com os poderes jurídicos, se tornam maiores137 do que à partida se poderia supor. Por exemplo, como vimos e veremos ainda, o Representante da República não tem poder para provocar junto do Tribunal Constitucional ainconstitucionalidade por omissão;138 no entanto, é perfeitamente possível, e até razoável e desejável, que ele faça executar esse instituto através de quem o nomeia e tem aquele poder, o Presidente da República.

4.2 Repare-se que preferimos “autoridade política” em vez de “poder político”. Ou seja, entendemos por autoridade política aquilo que advém directa ou indirectamente da Constituição, do Estatuto Político, da Lei Orgânica e de outras leis avulsas. Pertencer a uma outra instituição não é de todo nem poder jurídico nem poder político; é uma oportunidade para exercer autoridade política, quer através de sua opinião139, quer através de sua influência.

4.3 Autoridade política, portanto, assenta não apenas directamente na lei, mas directamente também na titularidade do cargo e da personalidade de quem o ocupa.

O Representante da República, no âmbito político-institucional, tem a seguinte autoridade:

A) integra o Conselho Superior de Defesa Nacional

4.4 O Representante da República integra o Conselho Superior de Defesa Nacional140: é nada menos do que o órgão constitucional com funções consultivas para as áreas, por exemplo, da política da defesa nacional, das grandes opções do conceito estratégico da defesa nacional, da organização da protecção civil e da declaração deguerra e feitura da paz. Mas essa natureza consultiva não é simples: este órgão, além do órgão específico para os assuntos relativos à defesa nacional,141-142 é, nessa qualidade, um dos órgãos do Estado directamente responsáveis nessa área,143 cujas funções em estado de guerra são imprescindíveis.144 O Representante da República neste órgão,145 para além das matérias pelo que se regem, está junto ao Presidente da República, que preside este órgão, e dos restantes membros, designadamente o Primeiro-Ministro e outros membros do Governo, os chefes supremos dos ramos militares, e os presidentes dos governos regionais.

4.5 Pode, pois, adquirir aqui neste contacto, uma forte componente política com incidência quer ao nível da Administração Central com ramificações nas regiões autónomas ou mesma aquela que esteja ali situada, quer também nas próprias administrações e governos das regiões. Pela sua actuação, pelos seus pareceres, pelo conhecimento das matérias, pelo próprio carisma do titular do cargo, pode constituir-se numa mais valia para o sistema e tornar-se assim, além de membro deste Conselho, importante foco de influência política. E nestes dois vectores, portanto, é uma autoridade política.

4.6 Sendo uma competência que o anterior cargo de Ministro da República possuía já, interessante seria saber-se desse historial.146 Mas isso não faz parte deste ensaio.147 Interessava, por exemplo, verificar se a sua participação foi separada ou se em sintonia, e quais os contornos. Sabemos, no caso dos Açores, que os Ministros da República participaram em reuniões, embora não tenhamos conseguido saber números; e o Representante da República participou já, desde2006 a Junho de 2008, em sete reuniões.148 No caso da Madeira não conseguimos obter qualquer resposta.

B) integra o Conselho Superior de Segurança Interna

4.7 Em geral o Conselho Superior de Segurança Interna149, como órgão consultivo, tem capacidade para a definição das linhas da política da segurança interna e as bases da organização das forças de segurança. É presidido pelo Primeiro-Ministro, e composto por vários ministros, pela Polícia de Segurança Pública, pela Guarda Nacional Republicana, pela Polícia Judiciária, pelos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, pelos Serviços de Informações de Segurança, pelas autoridades marítimas e aeronáuticas, e pelo Representante da República da respectiva região autónoma e pelo presidente do respectivo governo regional.

4.8 É de extraordinária importância a integração do Representante da República neste órgão que, como se sabe, pertencia já o Ministro da República, seu antecessor,150 porque estão nele representados os mais importantes responsáveis pela Administração do Estado nas regiões autónomas. E a própria Lei Orgânica especifica que a Polícia de Segurança Pública deve mantê-lo informado podendo, inclusivamente, colher outras informações junto de todas as restantes e já citadas forças de segurança.151

4.9 Mas há um problema: é que a Lei Orgânica, que é de 2008, determina que o titular do cargo integra o Conselho Superior de Segurança Interna; e a Lei de Segurança Interna, que é de 1987 (e 1991) especifica que o Representante daRepública participa nas reuniões do Conselho que tratem de assuntos de interesse para a respectiva região autónoma.152 Ou seja, ele participa no Conselho na generalidade dos casos?, ou apenas quando em assuntos exclusivamente de interesse para a região? A resposta no sentido da generalidade dos casos é imperiosa: primeiro, porque as atribuições do Conselho são genéricas, ou seja, embora seja possível em teoria a reunião para tratar de um caso territorial específico,153 a sua competência é sobre a definição das linhas gerais da política de segurança social, sobre as bases gerias da organização e funcionamento das forças e serviços, sobre projectos de diplomas de carácter geral e sobre grandes linhas de orientação para a formação e aperfeiçoamento;154 segundo, o próprio Regimento do Conselho explicita essa ideia generalizada de competência de âmbito global;155 terceiro, a imperatividade da Polícia de Segurança Pública manter informado o Representante da República e deste poder exigir que quaisquer outras forças de segurança o façam de igual modo, levam a considerar que a matéria de segurança interna é generalizada e não estratificada por espaço geográfico porque tudo está inter-ligado, como é aliás a ideia central da Lei de Segurança Interna; quarto, porque a lei mais antiga tem que se adaptar à lei mais recente já que têm ambas o mesmo valor hierárquico. Aliás é de difícil contorno qualquer tentativa de conceptualizar e concretizar o que seja assunto exclusivamente de interesse para a região.156

Ou seja, embora a Lei de Segurança Interna determine que o Representante da República participa nas reuniões do Conselho que tratem de assuntos de interesse para a respectiva região autónoma, deve fazer-se uma interpretação actualista da norma: quer para fazer face ao ajuste da lei mais recente, quer para fazer face à lógica do sistema.

C) precedência em cerimónias civis e militares

4.10 O esquema protocolar do país157 coloca o Representante da República no 13º lugar da hierarquia legal.158 Este é o lugar estadual, dir-se-ia melhor, lugar no território do Continente ou noutra região autónoma: e isto porque, na respectiva região autónoma adquire o primeiro lugar na precedência.159

4.11 A lei determina que a primeira precedência na região autónoma existe em cerimónias civis e militares. As cerimónias militares são exclusivas do Estado, já que trata-se de uma matéria inteiramente estadual – em todas a vertentes. Já as cerimónias civis não são exclusivas do Estado: umas podem sê-lo, mas certamente a maioria é da sociedade civil. Nas cerimónias civis organizadas pelo Estado160 na região autónoma, a primeira precedência ao Representante da República tem todo o sentido: é ele afinal que representa a República.

4.12 Mas e as cerimónias civis organizadas pela sociedade civil na região autónoma?: também aqui tem sentido que nestes casos o Representante da República tenha a primeira precedência, pois é a mais alta,161 senão mesmo a única na região, que representa a República; os órgãos regionais apenas representam a Região e não a República, menos ainda quando presente um elemento desta.

4.13 E as cerimónias organizadas pelos órgãos próprios da região autónoma?, ou seja em cerimónias oficias? Parece, à partida, que tem sentido que tenham aprimeira precedência quem a entidade regional determinar – porque é ela a organizar162 e porque afinal são os órgãos próprios da região autónoma. Mas reparese no caso das cerimónias civis organizadas pela sociedade civil na região autónoma: elas convidam as entidades oficiais públicas, as do Estado, as da Região Autónoma, as das Autarquias Locais e Outras; e quem ficou com a primeira precedência?, precisamente o mais alto magistrado do Estado ali presente, o Representante da República. Ora, aqui, nas cerimónias na região e organizadas pelos órgãos de governo próprio, deveria passar-se exactamente a mesma situação; ainda mais vincada, porque se é certo que a sociedade civil não está obrigada a fazer o convite, o mesmo não acontece com os órgãos próprios que, pela sua natureza de entidades públicas, são obrigados a fazer o convite: é que o cargo tem residência oficial, insígnia e pavilhão na região.163

Mas não é assim na lei: em cerimónias oficiais não militares, sejam nacionais ou regionais,164 a precedência entre o Representante da República, o Presidente da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT