Coisas móveis duradouras: o regime das garantias no ordenamento jurídico português

AutorMário Frota
CargoDirector do Centro de Estudos de Direito do Consumo. Fundador e Primeiro Presidente da AIDC - Associação Internacional de Direito do Consumo
Páginas143-200
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RPDC , Setembro de 2011, n.º 67
RPDC
Revista Portuguesa
de Direito do Consumo
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Mário FROTA
Director do Centro de Estudos de Direito do
Consumo
Fundador e Primeiro Presidente da AIDC –
Associação Internacional de Direito do
Consumo
ESTUDO
COISAS MÓVEIS DURADOURAS:
O REGIME DAS GARANTIAS
NO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS
Sumário
I. GENERALIDADES. 1. Âmbito de aplicação. 2. Regimes jurí-
dicos aplicáveis. 3. Conteúdo da garantia legal no quadro do di-
reito do consumo. II. DAS GARANTIAS VOLUNTÁRIAS. 1. Em que
consistem. 2. Forma. 3. Conteúdo. III. DO EXERCÍCIO EFECTI-
VO DOS DIREITOS. 1. A denúncia de não conformidade: meios.
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2. A acção singular de declaração: a acção directa – a legitimatio
ad causam passiva.3. A acção directa. 4. O exercício do direito de
regresso: seu regime. IV: CONCLUSÕES.
I . GENERALIDADES
1. Âmbito de aplicação
Os direitos do consumidor, em Portugal, desfrutam de cobertura constitucional: têm,
com efeito, assento no Texto Fundamental no título dos direitos económicos, sociais e
culturais – com maior precisão, no artigo 60.
O valor reforçado de tais direitos exprime-se em múltiplos domínios do ordenamento.
A disciplina das garantias das coisas móveis objecto de contratos de consumo, na
caracterização que do fenómeno se fará, releva, porém, de uma iniciativa legislativa euro-
peia. Na submissão aos Tratados da União a que os Estados-membros, como é o caso de
Portugal, se adscrevem.
Com a chancela do Parlamento Europeu e do, ao tempo, Conselho de Ministros, edi-
tou-se uma directiva minimalista – a Directiva 99/44/CE, de 25 de Maio – que estabelece
um patamar de direitos no que tange à garantia das coisas móveis objecto de contratos
de consumo.
O que permitira, aliás, que os Estados-membros oferecessem aos seus nacionais um
regime mais protectivo. Como sucedeu, de resto, em Portugal, em determinados segmen-
tos, na esteira do que se consagrara na sua LDC – Lei de Defesa do Consumidor –, a Lei
n.° 24/96, de 31 de Julho de 1996.
A LGLei das Garantias (DL 67/2003, de 8 de Abril, republicada pelo DL 84/2008,
de 21 de Maio, que introduz alterações de tomo) –, que provê à transposição da directiva
para o ordenamento jurídico nacional, restringe-se às relações jurídicas de consumo.
Por relações jurídicas de consumo se entende “o acto (em geral, um contrato) pelo
qual o consumidor obtém de um prof‌i ssional um produto ou serviço que visa a satisfa-
zer uma necessidade pessoal ou familiar”.
Prof‌i ssional é o vendedor, fornecedor de produtos, é o prestador de serviços, é a
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entidade f‌i nanceira que desenvolve actividades no domínio das instituições de crédito e
das sociedades f‌i nanceiras1.
Consumidor é “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou
transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não prof‌i ssional, por pessoa que
exerça com carácter prof‌i ssional uma actividade económica que vise a obtenção de
benefícios”.
Dela se excluem as relações jurídico-civis que se entretecem entre particulares desti-
tuídos de qualquer estatuto peculiar.
Dela se excluem ainda as relações jurídico-empresariais ou jurídico-mercantis que se
constituem entre empresas e/ou empresários e/ou prof‌i ssionais liberais2.
1 A LG def‌i ne agora vendedor, na alínea c) do seu artigo 1.°-B, como
c) … qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo
no âmbito da sua actividade prof‌i ssional”.
2 Cfr. o acórdão da Relação de Lisboa de 31 de Março de 2007 (relator Granja da Fonseca) que, ao contrário
de tantos outros arestos em que os planos se confundem, estabelece a boa doutrina:
1 – O regime previsto no Código Civil não é o único que rege a venda de coisas defeituosas. A
venda de bens de consumo conhece variadas especif‌i cidades, nomeadamente a Directiva 1994/44/CE,
que veio regular determinados aspectos dessa venda e das garantias dos consumidores, vindo a ser
transposta para o direito interno pelo DL n.° 67/2003, de 8 de Abril.
2 – A Directiva apenas se reporta à venda de bens de consumo, aplicando-se apenas quando o com-
prador seja consumidor, f‌i cando excluídos todos os [compradores] que sejam pessoas jurídicas bem
como as pessoas singulares que actuem no âmbito da sua actividade prof‌i ssional.
3 – O vendedor responde pelo “defeito” existente no momento em que entrega o bem ao consumidor,
presumindo-se que as faltas de conformidade que se manifestem no período da garantia já existiam
no momento da entrega, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as ca-
racterísticas da falta de conformidade.”
E, com maior propriedade ainda, quando em tantos dos arestos consultados, por manifesta ignorância se
aplicava o regime do contrato de empreitada do Código Civil, como se fora o único, a Desembargadora Maria
do Rosário Morgado, esquadrinhando convenientemente as situações fácticas e os regimes legais aplicáveis,
vem a decretar no acórdão de 9 de Fevereiro de 2010, com manifesta justeza:
I – Deve ser qualif‌i cada como empreitada de consumo o contrato celebrado por quem destina a obra
encomendada a um uso não prof‌i ssional e alguém que exerce, com carácter prof‌i ssional, uma determi-
nada actividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração.
II – Ao contrato de empreitada de consumo aplica-se, não o regime geral do CC, mas o regime especial
da responsabilidade pelos defeitos das obras nos contratos de empreitadas de consumo, cuja disci-
plina se encontra plasmada no DL n.° 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pelo DL
n.° 84/2008, de 21 de Maio.
III – No contrato de empreitada, o dono da obra, muito embora deva indicar inequivocamente, com
o grau de precisão possível, os defeitos detectados na obra ( já que a denúncia só impede a caducidade

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