Comentário. Práticas comerciais desleais...para todos?

AutorRute Couto
CargoProfessora Adjunta da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Mirandela Instituto Politécnico de Bragança

Nas linhas que se seguem propomo-nos apresentar um comentário ao Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 23 de Abril de 20091 (adiante "Acórdão"), acerca da Directiva 2005/29/CE relativa às Práticas Comerciais Desleais2 (adiante "Directiva"). Iniciaremos a nossa recensão por um breve enquadramento jurídico das matérias versadas na Directiva, a preceder a análise concreta dos casos em apreço pelo órgão comunitário. Por uma questão de sistematização, aproveitaremos in fine o ensejo para tecermos algumas considerações pessoais.

1. Breve enquadramento jurídico

A Directiva3 que dá o mote à decisão comunitária assume-se, antes de mais, como uma Directiva de duplo escopo: por um lado, a protecção dos consumidores; por outro lado, o bom funcionamento do mercado interno. Tal dualismo, aliado à sua pretensão de centralidade e harmonização no domínio das práticas comerciais desleais, denotam a preocupação comunitária em assegurar a confiança dos consumidores no mercado, garantir a concorrência e promover o desenvolvimento de transacções comerciais transfronteiriças4.

Em jeito de intróito, o regime comunitário define prática comercial como "qualquer acção, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação directa com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores", cuja (des)lealdade deve ser aferida antes, durante e após a transacção comercial subjacente à relação de consumo5.

A escolha negocial de um consumidor implica conhecimento e liberdade. Identificar e coarctar as práticas comerciais que influem nestas condições permite a concretização do Magazines Belgium NV (C299/07). O texto do Acordão está disponível para consulta na WWW em URL:http://curia.europa.eu/ direito dos consumidores à protecção dos seus interesses económicos, e a segurança jurídica de esteio da sua confiança transaccional. A Directiva proíbe assim as práticas comerciais que não permitem ao consumidor actuar com conhecimento (práticas enganosas) ou liberdade (práticas agressivas).

A proibição da deslealdade opera a diferentes níveis. Desde logo a Directiva plasma uma cláusula geral de proibição das práticas comerciais desleais6, preenchida por recurso aos conceitos de "desconformidade à diligência profissional7" e "distorção substancial do comportamento económico do consumidor"8, por referência ao consumidor médio ou membro médio do grupo destinatário da prática comercial9. Em especial, a proibição de práticas comerciais desleais inclui as dirigidas a grupos particularmente vulneráveis à prática ou produto subjacente10 e as práticas enganosas e agressivas.

Relativamente a estas duas últimas categorias, casos há em que se impõe o seu enquadramento nos termos da Directiva11 como adiante veremos, outros em que a prática em ponderação é já considerada desleal "em qualquer circunstância" desobrigando da sua avaliação casuística12.

As práticas enganosas podem sê-lo por conterem informações falsas ou susceptíveis de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais elementos da sua decisão negocial (acções enganosas)13 ou, ao invés, por omitirem ou obscurecerem informações substanciais (omissões enganosas)14. Por sua vez, as práticas agressivas são aquelas em que haja limitação significativa da liberdade de escolha ou do comportamento do consumidor, por utilização no caso concreto de assédio, coacção ou influência indevida1516. Em ambos os casos, sempre no pressuposto de serem determinantes na decisão do consumidor17.

A Directiva deixa aos Estados-Membros a determinação das consequências da proibição das práticas comerciais desleais ao nível da validade dos contratos, definição da ilicitude e formas judiciais ou administrativas de tutela. Acentua ainda a importância da auto-regulação dos sectores económicos, no incentivo a códigos de condut a e boas práticas, e a mais-valia do envolvimento das entidades de promoção e defesa dos direitos dos consumidores neste processo18.

Nos artigos finais da Directiva, a União Europeia insta os Estados-Membros ao cumprimento do seu dever de informação dos consumidores19. Um normativo singelo, que evocamos para sublinhar a importância de uma política séria de informação e educação do consumidor no incremento de uma cidadania mais activa e crítica.

2. Súmula da decisão do Tribunal

Para um mais rigoroso enquadramento da decisão do Tribunal de Justiça, importa agora compendiar as demandas que a...

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