Do regime geral do comércio eletrónico no ordenamento jurídico português

AutorMarisa Dinis
CargoProfessora-Adjunta na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Leiria
Páginas59-99
59
RPDC , Março de 2012, n.º 69
RPDC
Revista Portuguesa
de Direito do Consumo
Marisa DINIS
Professora-Adjunta na Escola Superior de
Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico
de Leiria
DO REGIME GERAL DO COMÉRCIO ELETRÓNICO
NO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS
SUMÁRIO
I. Considerações Iniciais. II. Do Comércio Eletrónico. 1. Noção
e modalidades. 2. Quadro legal comunitário e nacional –
enquadramento geral. 3. Do regime geral do comércio eletrónico
no ordenamento jurídico português. 3.1. Prestadores de serviços
da sociedade da informação. 3.1.1. Serviços da Sociedade da
Informação – noção. 3.1.2. Prestador de serviços da Sociedade da
Informação – noção e espécies. 3.1.3. Prestador de serviços da
Sociedade da Informação – regime jurídico. 3.1.3.1. Princípio da
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livre circulação de serviços. 3.1.3.2. Princípio da não autorização
prévia. 3.1.3.3. Dever geral de informação. 3.1.4. Responsabilidade/
irresponsabilidade dos prestadores intermediários de serviços
em rede. 4. Comunicações publicitárias em rede. 5. Contratação
eletrónica.
1. Considerações Iniciais
Quando, em 1927, Fernando Pessoa criou o slogan “primeiro estranha-se, depois
entranha-se”, a propósito da publicidade para a coca-cola, não imaginava que acabara
de dar vida a um adágio popular que, de tantas vezes usado, não raramente, lhe são
esquecidas as origens. A verdade é que, ao longo destes 85 anos, o ditado tem tido
capacidade para, de forma sintética, traduzir o sentimento social que se tem verif‌i cado
relativamente às inúmeras inovações tecnológicas que têm perpassado a nossa (e
outras) sociedade(s). De facto, encontra-se atualmente “entranhada” no léxico corrente
uma série de conceitos, inerentes à vida virtual e digital, que bem demonstra o quão
submergidos nos encontramos na chamada sociedade da informação. Desde 1969, com
ALAIN TOURAINE, que muitos foram os autores que construíram e desconstruíram este
conceito1. Apontemos, no entanto, CASTELLS2 que, a propósito, menciona que “a sociedade
da informação é um conceito utilizado para descrever uma sociedade e uma economia
que faz o melhor uso possível das Tecnologias de Informação e Comunicação no sentido
de lidar com a informação, e que toma esta como elemento central de toda a actividade
humana”. Do dito extrai-se facilmente que é inegável que, no momento atual, vivemos
numa sociedade da informação e que nos fazemos rodear das novas (cada vez menos)
tecnologias em praticamente todos os aspetos da nossa vida quotidiana. Signif‌i ca isto que
as tecnologias da informação e da comunicação intervêm de forma sobejamente ativa nas
nossas relações diárias independentemente de serem ou não prof‌i ssionais. No epicentro
1 Para OLIVEIRA ASCENSÃO a expressão “sociedade da informação” representa um slogan e não um conceito.
Cfr. ASCENSÃO, Oliveira, «A Sociedade da Informação», in FDUL – Direito da Sociedade da Informação –
volume I, Coimbra Editora, 1999, Coimbra, páginas 163 a 184, aqui em particular página 167.
2 CASTELLS, M., Internet Galaxy: Ref‌l ections on the Internet, Business and Society, Oxford Press, 2001.
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destas novas tecnologias da informação e da comunicação encontra-se, por certo, a
Internet que, como é sabido, se apresenta hoje como uma ferramenta de trabalho, de
lazer e de educação, cada vez mais, comum entre os cidadãos e, por isso mesmo, cada vez
menos singular. Apraz-nos recorrer, novamente, ao adágio popular com que iniciamos
este texto: “primeiro estranha-se, depois entranha-se”.
Com o advento da Internet3 o mundo resume-se a uma aldeia ainda mais global do que
a pensada por PERCY WYNDHAM L EWIS, no seu America and the Cosmic Man4. Desta evidência
resulta uma outra: o desenvolvimento da sociedade da informação e da comunicação,
ancorado sobretudo na massiva utilização da Internet, permite uma multiplicidade de
relações a cujas consequências o Direito não pode quedar-se alheio. De entre estas
relações juridicamente relevantes destacamos, por se tratar do tema ora em análise, as
decorrentes do chamado comércio eletrónico. O presente texto tem precisamente por
objeto a análise do quadro legislativo que vigora no ordenamento jurídico português
a respeito do comércio eletrónico. Não temos, naturalmente, a veleidade de esgotar os
temas jurídicos que resultam das distintivas interpretações do referido quadro legislativo,
mas tão-somente apresentar os traços gerais que governam juridicamente esta matéria.
Trata-se, pois, de um texto mais expositivo do que critico e mais empírico do que teórico.
Porém, e apesar de votarmos ao abandono a maior parte das querelas doutrinais, sempre
as chamaremos à colação aqui e além.
3 Sobre a história da Internet vd., entre outros, KANTROWITZ, Bárbara e ROGERS, Adms, «The Birth of
the Internet», in Newsweek, de 8 de agosto de 1994; ROCHA, Manuel Lopes e MACEDO, Mário, Direito no
Ciberespaço, Cosmos, Lisboa, 1996.
4 Como é sabido, as origens da expressão “aldeia global” remontam ao ano de 1948, com a publicação do
livro America and the Cosmic Man por Percy Wyndham Lewis onde este af‌i rma que o mundo se transformou
numa enorme aldeia global. Referia-se, então, o autor à existência do transporte aéreo e às inúmeras linhas
telefónicas que ligavam o mundo. Foi, porém, MARSHALL MCLUHAN que divulgou a expressão. Diga-se, no
entanto, que, tal como Percy Wyndham Lewis, também MARSHALL MCLUHAN utilizou a expressão para um
contexto diferente do da Internet. MCLUHAN af‌i rmou que vivia numa “aldeia global” porque as noções de
tempo e espaço tinham desaparecido sobretudo devido à possibilidade de comunicações à distância entre
pessoas f‌i sicamente estabelecidas em lugares distintos. Pese embora o facto de a expressão ter surgido antes
do nascimento da Internet é com esta que melhor se materializa e vulgariza. Cfr. MCLUHAN, Marshall e
POWERS, Bruce R., La aldeã global: transformaciones en la vida y los médios de comunicación mundiales
en el siglo XXI, traducción de Cláudia Ferrari, 3ª ed., Gedisa Ed., Barcelona, 1995 e MCLUHAN, Marshall e
FIORE, Quentin, The médium is the message, Gingko Press, Barcelona, 2001.

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