Contratos de consumo por meios eletrônicos, no ordenamento jurídico brasileiro. Consumeres eletronic contracts, in the brazilian law

AutorMagno Federici Gomes/Igor Ferry de Souza
CargoDoutor em Direito pela Universidad de Deusto-Espanha. Mestre em Educação pela PUC-MG. Coordenador do Serviço de Assistência Judiciária da PUC-MG. Professor da PUC-MG. Professor Titular da Faculdade de Direito Padre Arnaldo Janssen. Advogado/Especialista em Direito Processual pelo IEC, da PUC-MG. Egresso da PUC Minas. Advogado
1. Introdução

Hodiernamente, a internet é um dos instrumentos de comunicação mundial que mais cresce, um verdadeiro fenômeno tecnológico que não obedece às fronteiras e nem a barreiras culturais, envolvendo praticamente todos os países do globo, dos mais aos menos desenvolvidos.

Pode-se dizer que hoje os computadores participam ativamente na administração da economia mundial, estando neles armazenados todos os tipos de informações sobre as pessoas, desde históricos sobre multas de trânsito até extratos bancários. No comércio, a maioria dos estabelecimentos empresariais aceita cartões de crédito, que permitem automaticamente a transferência eletrônica de dinheiro de uma conta à outra.

Esse grande emaranhado de informações tem proporcionado definitivas mudanças econômicas, pois nenhum dos meios de comunicação e nenhuma das tecnologias já alcançadas e conhecidas tiveram tantos impactos na humanidade como a rede mundial de computadores.

Para Bruno (2001), o consumo feito pela internet recebe o nome de e-commerce1 e pode ser feito de diversas formas. O comércio eletrônico pode ser firmado tanto por uma pessoa física quanto jurídica, dependendo somente da utilização e da finalidade do negócio celebrado. Se for diretamente a um consumidor final, recebe a denominação de Business to Consume2. Se for entre parceiros comerciais, que realizam negócios como atividades meio e não os adquirem como destinatários finais, recebe a denominação de Business to Business3.

Como a internet é um meio de comunicação diferente de todos os outros e por não haver no Brasil uma legislação ímpar que proteja os consumidores virtuais, a questão sobre a proteção do consumidor tornou-se uma das primeiras lacunas jurídicas causadas por essa nova modalidade de comunicação, justificando-se esta análise.

Objetiva-se, com o presente trabalho, o estudo das normas referentes aos contratos firmados por meio eletrônico, especialmente a internet, bem como o conflito entre jurisdições diferentes quando surge um litígio envolvendo consumidor brasileiro e fornecedor estrangeiro, sob o prisma da Constituição da República de 1988 (CR/88) e do ordenamento infraconstitucional brasileiro. Este artigo é preponderantemente teórico-documental, abordando a parte legal e a doutrina que tratam do tema em questão.

2. Internet: aspectos históricos e jurídicos

Atualmente, pode-se, por meio de alguns meios de comunicação, operar as mais diversas espécies de atividades, dentre as quais o comércio. E dentro deste comércio, tem-se a internet como um dos mais eficazes instrumentos tecnológicos atuais, se não o mais.

É nesse contexto que se vê a criação de uma rede mundial de informação e de um comércio globalizado entre todos os povos, de forma instantânea e crescente, como bem ensina Franco (1997)4:

No espaço virtual criado pela internet o ciberespaço estão sendo concretizadas novas formas de comunicação e acesso à informação que têm um profundo efeito, não só nos processos de apreensão do conhecimento, mas na vida das pessoas em geral5.

Ainda em conformidade com Franco (1997), a rede mundial de computadores surgiu nos Estados Unidos, em 1969, com o nome de Arpanet, criada pela agência governamental americana Advanced Research Projetcts Agency Agência de Projetos e Pesquisas Avançadas (ARPA). A Arpanet conectou os diversos departamentos de pesquisa da própria agência, entre quatro localidades: Universidades de Los Angeles, Santa Bárbara, Utah e o Instituto de Pesquisa de Stanford.

Era inicialmente um projeto militar, desenvolvido com o objetivo de atender às necessidades do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, quando da Guerra Fria.

Foi planejada para ser um meio bélico, que visava criar uma rede sem um centro definido, prevenindo ataques nucleares.

Com sua utilização acadêmica, o projeto deixou de ter cunho militar, colocando à disposição de pesquisadores uma ferramenta de troca e busca de informações. Em 1980, a ARPA começou a se integrar com outros centros de pesquisas.

Ao trabalhar com a entidade americana National Science Foundation Fundação Nacional de Ciências (NSF), em 1985, a rede passou a se chamar internet, deixando de servir apenas às instituições acadêmicas no ano de 1987. Liberou-se, então, seu uso comercial nos Estados Unidos.

Com a popularização dos microcomputadores, a internet passou a atingir várias outras áreas, como meio de entretenimento, diversão e negócio.

Hoje em dia, é a maior rede de computadores do mundo. Descentralizada e totalmente anárquica, conta com milhares de usuários e provedores espalhados praticamente por todo o globo. Os usuários só precisam ligar-se ao seu provedor, que normalmente fica em sua própria cidade, e este se liga a um backbone6, que se conecta a outros backbones, sustentando toda a internet.

Por este motivo, a internet é uma grande oportunidade para seus usuários, sendo utilizada como meio de pesquisa, comunicação e instrumento comercial de baixo custo.

Tal fato se deve à vocação da rede, por estar em utilização 24 horas por dia e 07 dias por semana, significando para as empresas que a usam, grandes chances de comercialização, vez que podem estar abertas e negociando durante praticamente todos os dias do ano, contando com poucos ou quase nenhum empregado.

A rede mundial de computadores no Brasil tem uma história recente, ainda para Franco (1997). Como nos Estados Unidos, era inicialmente restrita a professores, estudantes e pesquisadores de universidades e instituições de ensino ou pesquisa.

Sua instalação e funcionamento só foi concretizada em 1987, com o acesso das Fundações de Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) às redes internacionais, conectando-se às instituições dos Estados Unidos. O que incentivou outras instituições e entidades a participarem na internet.

Em abril de 1995, o Ministério de Comunicações (MC), juntamente com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), decidiram juntar esforços com a finalidade de se implantar uma rede de internet global e integrada, que abrangeu todos os tipos de uso, criando então um backbone nacional de uso misto, tanto de utilização comercial quanto acadêmica.

No mês seguinte, foi criado o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CG) que se constituia pelos ministérios acima descritos, entidades operadoras de backbones, representantes de provedores de acesso ou informações, representantes de usuários e comunidade acadêmica.

Basicamente, conforme Bruno (2001) e Garcia (2004), o comércio eletrônico através da internet funciona da seguinte forma: o fornecedor disponibiliza ou negocia um produto ou serviço7 e o consumidor, interessado, o contrata, podendo de variadas formas se dar a contraprestação pecuniária ao fornecedor, seja por débito automático em conta, transferência de fundos, geração e pagamento de boletos bancários ou, até mesmo, por meio de cheques eletrônicos. Quando se trata de fornecedor estrangeiro e consumidor brasileiro, a análise contratual deve ser redobrada, pois não há legislação específica sobre tal assunto, principalmente pela inaplicabilidade das tradicionais noções de territorialidade. Ao ser firmado contrato eletrônico, envolvendo partes sob diferentes jurisdições, fornecedor estrangeiro e consumidor brasileiro, tem-se, como qualquer contrato, a obrigação de adimplemento do negócio jurídico firmado, independentemente do tipo de contratação. Pode ser que esta contratação seja interpessoal8 ou automática9.

3. Relações de consumo e a evolução do direito do consumidor no Brasil

Segundo Clark (1994), a proteção do consumidor é uma questão internacional para além das fronteiras, inerentes a todos os países. Deve, portanto, ser estudada e trabalhada por todas as áreas de conhecimento, "a fim de que as nações sejam socialmente justas e progressivas"10.

Em conformidade com Almeida (2000), as relações de consumo surgiram simultaneamente com o próprio comércio. Desde os primórdios, tais relações passaram progressivamente por diversas evoluções e, nos dias de hoje, detêm reconhecimento jurídico e econômico.

No Brasil, já existiam dispositivos legais, codificados e esparsos, que, de certa forma, protegiam o consumidor, como por exemplo, o Código Comercial de 1850, em seus art. 629 a 632, do Capítulo IV Dos passageiros, contido no Título VI Dos Fretamentos, constante, por sua vez, na Parte Segunda Do Comércio Marítimo.

Na lição de Almeida (2000), a década de 1970 representou os maiores marcos do movimento de proteção ao direito consumerista brasileiro, que refletiram no ordenamento vigente. Pode-se citar os discursos proferidos pela então deputada Nina Ribeiro, que alertou sobre os problemas e a necessidade de haver uma proteção maior ao consumidor, e a criação, em 1976, pelo Governo do Estado de São Paulo, do primeiro órgão público de proteção ao consumidor, chamado inicialmente de Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, conhecido hoje por Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON), o pioneiro do gênero e que veio a fornecer várias informações para a elaboração do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Já a década de 1980, foi marcada por profundas mudanças políticas, com o fim da ditadura militar e a implantação de uma democracia popular por meio do voto direto. Nesse contexto, foram criadas diversas entidades civis que visavam à defesa dos direitos do consumidor, ainda para Almeida (2000).

Mas o advento da CR/88 foi a maior vitória para o direito do consumo, tendo em vista sua elevação à cláusula pétrea constitucional. O constituinte formulou quatro dispositivos na CR/88, ampliando de forma definitiva os direitos...

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