Educação do consumidor e responsabilização do produtor na proteção da biodiversidade

AutorRoberto Grassi Neto
CargoProfessor e Coordenador do Núcleo de Pesquisa do Curso de Mestrado da Faculdade Autónoma de Direito (FADISP)
1. Introdução

A imensa riqueza florestal que tradicionalmente caracterizou o Brasil, que chegou a ter aproximadamente 60% do seu vasto território coberto por florestas (em sua maioria, tropicais), deu ensejo à falsa idéia de que se dispunha de fonte quase inesgotável de recursos. Após terem passado 507 anos de exploração predatória, contudo, nosso país viu o estoque de madeira da Mata Atlântica praticamente exaurir-se, o que transformou as reservas da selva amazônica no alvo de desmatamento do momento por parte daqueles que avidamente buscam de modo predatório solução para a falta de matéria-prima, ameaça à qual devem ser somados os incêndios florestais e a expansão da agropecuária.

A escassez de madeira para as atividades de construção civil e para a fabricação de móveis, sobretudo as madeiras nobres denominadas "madeiras de lei" cujo fornecimento é exigido pelo consumidor, ensejou a busca de recursos por parte das madeireiras em reservas cada vez mais distantes dos centros consumidores, na Amazônia. Estas são obtidas muitas vezes de forma ilegal, por tratar-se, em sua esmagadora maioria, de matéria-prima obtida independentemente de autorização governamental e, portanto, sem qualquer plano de manejo autorizado.

O sistema de manejo florestal sustentável consiste no conjunto de práticas de administração dos recursos florestais destinadas a permitir sua exploração racional, assegurando que produtos madeireiros e não madeireiros (como frutos, resinas e óleos) possam ser preservados e/ou repostos, seja pela limitação da derrubada da vegetação a apenas uma parcela das árvores de maior porte, de forma a preservar as menores para tempo futuro, seja pelo plantio de mudas em clareiras nas quais a regeneração natural seja escassa1.

Na prática, na exploração não manejada, os madeireiros inicialmente entram na floresta apenas para retirar as espécies de alto valor; posteriormente, contudo, em intervalos cada vez mais curtos, eles retornam à mesma área para retirar o restante das árvores que ainda apresentem alguma expressão econômica. Como conseqüência, a mata passa a apresentar grandes clareiras e inúmeras árvores danificadas, de modo a facilitar a entrada e a propagação do fogo. Tal quadro favorece a ocupação desordenada da região, dificulta a regeneração de espécies madeireiras e faz com que aquelas que são desprovidas de valor comercial aumentem de modo alarmante.

Questiona-se, contudo, se tal exercício da atividade independentemente de manejo seria fruto apenas na ganância humana, ou poderia ser atribuído a outras razões como, por exemplo, ignorância dos bons frutos, inclusive de lucratividade, de uma correta política de preservação florestal2.

2. A Proteção da Biodiversidade como imperativo internacional

País megabiodiverso por excelência, o Brasil detém segundo os últimos estudos cerca de 15% a 20% do total de espécies mundiais de fauna e flora. Desempenhando as mais diversas funções, que vão desde aquelas de natureza ambiental regulação do clima, proteção das bacias hidrográficas etc. de conservação da biodiversidade, e até de recreação, a preservação das florestas da Amazônia acabou por tornar-se o centro das atenções de grande parte do assim denominado primeiro mundo.

Ao longo da das últimas três décadas do século passado, o desmatamento das florestas tropicais já seguia de forma acelerada em todo o mundo, tendo apenas a Amazônia, a maior de todas as florestas tropicais, perdido quase 600 mil km2, o equivalente ao território da região Sul do Brasil.

Alguns consumidores, europeus e norte-americanos em especial, vendo-se alarmados com a relação que se estabelecia entre o consumo de madeira e o desmatamento crescente nos trópicos, iniciaram então um boicote à madeira que fosse proveniente de florestas tropicais. O raciocínio que se teceu na ocasião foi de que, em não havendo demanda de produtos de origem tropical, as florestas seriam poupadas e sua respectiva biodiversidade preservada.

O boicote no início dos anos 90, mesmo tendo contado com a adesão maciça de municípios e empresas europeus e americanos, acabou surtindo pouca influência sobre o ritmo de desmatamento. Em primeiro lugar a providência foi inócua na medida em que, àquela época, 85% da madeira produzida nos trópicos eram consumidas dentro do próprio país3. Além disso, apurou-se que a exploração comercial de madeira, em si, apesar de viabilizar a infra-estrutura de acesso às áreas de fronteira, não era necessariamente a principal causa do desmatamento desenfreado: o boicote, ao contrário do que se previra, havia agravado ainda mais a situação, pois conduzira a floresta à desvalorização como opção de produção, o que incentivava sua derrubada para substituição por outras atividades econômicas no local, como a agricultura ou a pecuária.

3. O surgimento da certificação florestal e do Conselho de Manejo Florestal

Uma vez constatado o malogro do boicote internacional, fabricantes de móveis e artefatos produzidos com madeiras tropicais reuniram-se na WARP (Woodworkers Alliance for the Rainforest Protection) e promoveram, em parceria com a Rainforest Alliance, ONG baseada em Nova York, um esforço para identificar projetos florestais, ao redor do mundo, nos quais a madeira fosse extraída em condições que conservassem a floresta, o que deu origem a uma lista publicada pela WARP de madeira de origem garantida:The Good Wood List.

ONGs, produtores e consumidores de madeira (Washington, La Ceiba/Honduras, São Francisco) ao longo dos anos de 1991 e 1992 passaram, então, a buscar uma proposta que simultaneamente introduzisse padrões para o bom manejo das florestas e criasse um organismo internacional que acreditasse certificadores. Os esforços conjuntos culminaram no surgimento do Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal), tendo sido realizada, em outubro de 1993, em Toronto, sua assembléia de fundação, com a participação de mais de 10 brasileiros.

Idéia atrelada à certificação florestal é a de contribuição para a utilização adequada dos recursos naturais, e exatamente tal idéia acabou sendo uma das poucas soluções viáveis no combate à exploração predatória das florestas. A certificação florestal atesta, ainda, que determinada empresa ou comunidade obtém produtos florestais respeitando o complexo ecológico, bem como o meio sócio-econômico da respectiva região.

4. Da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento à Oitava Conferência das Partes (COP-8) 20 a 31 de março de 2006

Na mesma época, em 1992, realizou-se no Rio de Janeiro, sob foco de preocupada opinião pública mundial, a Conferência da ONU para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), marcada por um profundo debate quanto aos efeitos danosos do modelo de produção e consumo globalmente dominantes. Destacava-se em particular a perda de qualidade das florestas temperadas devido às chuvas ácidas advindas da poluição industrial.

Desde então, um dos grandes temas alvo de discussão ao longo desses anos tem sido como sensibilizar nosso consumidor, a exemplo da luta que já se faz sentir na Europa e nos Estados Unidos, a passar a fazer uso de produtos que sejam obtidos dentro de perspectiva de desenvolvimento sustentável como é o caso da madeira certificada sem que se dê a exploração predatória da região fornecedora de matéria-prima. A extração ilegal de madeira, por exemplo em áreas protegidas, agrava a perda da biodiversidade. O desflorestamento clandestino, além de, dada sua precariedade, freqüentemente desencadear incêndios florestais, em muitos casos se vê associado à exploração ilegal da fauna silvestre.

Recentemente os esforços se renovaram. Entre 13 a 18 de março de 2006, Curitiba foi sede da Terceira Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-3), um dos mais importantes debates envolvendo governos, ONGs e setores da sociedade civil, e da Oitava Conferência das Partes (COP-8) ocorrida entre os dias 20 a 31 de março.

Na Conferência das Partes, cujo objetivo é garantir a conservação e o uso sustentável da biodiversidade e a repartição eqüitativa dos benefícios dela provenientes, e que ocorre bienalmente desde a criação da Convenção sobre a Diversidade Biológica na supracitada Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), representantes dos 188 países que integram a CDB debateram os princípios estabelecidos na Convenção concernentes à conservação da diversidade biológica, à utilização sustentável dos seus componentes e à partilha justa e eqüitativa dos benefícios que advêm da utilização dos recursos genéticos.

O principal objetivo das diretrizes internacionais sobre o meio ambiente, propostas pela Convenção sobre a Diversidade Biológica, é a proteção das diferentes formas de vida.

Busca-se supletivamente a redução da pobreza, nos países em desenvolvimento, daquele extrato populacional que, não dispondo de outras fontes de renda, utiliza sua diversidade biológica para sobreviver. Os países desenvolvidos podem, assim, lançando mão da Convenção, ajudar na recuperação e preservação do que ainda resta das reservas naturais no planeta. Consoante Antony Gross, assessor do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para a COP-8...

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