Criminalizar a publicidade enganosa? Breve estudo comparativo entre a legislação portuguesa e a brasileira, sob a ótica do Direito da Comunicação

AutorMartin SCHULZE
CargoJuiz de Direito do TRJS, Titular do Primeiro Juizado da Terceira Vara da Fazenda Pública — Brasil
1. Introdução

Quem ainda não se surpreendeu ao assistir, em canal televisivo português, a divulgação de publicidade solucionando definitivamente os problemas dentários do cidadão, através do uso de um produto branqueador dos dentes?

Percebe-se, no exemplo, que a publicidade difundida fora originalmente produzida em inglês, da qual foram mantidas as imagens e partes das missivas faladas, e, ao depois, sobreposto texto em português. A mensagem em inglês refere que o produto deve ser passado nos dentes e, com a escovação, produz o branqueamento dos dentes. Entretanto, a mensagem em português, emite informação diferente, eis que afirma ser o produto a solução para eliminar a necessidade de escovar os dentes, bastando passar o produto veiculado nos mesmos, para que eles permaneçam brancos. A seguir é passada a imagem da cadeira do dentista, a qual desaparece, afirmando que a visita a tal profissional não mais será necessária, com efetiva economia pelo uso do produto divulgado.

Chama a atenção o fato de a mensagem em português não corresponder à mensagem divulgada em inglês. O complemento, relativo a cadeira do dentista, ignora-se se faria parte da publicidade original do produto. Evidente a inverdade veiculada pela publicidade. Flagrante a enganosidade da missiva. O uso do produto veiculado, como o de qualquer outro, não eliminará a necessidade de a pessoa escovar os dentes e nem dispensará a visita regular ao dentista, visto que problemas dentários surgem mesmo com a mais eficiente escovação, diga-se sem ela. Revela-se nociva em relação à saúde pública.

Igualmente enganosa, uma publicidade de shampoo. Este garantia à clientela feminina cabelos limpos por várias semanas, bastando derramar um copo de água sobre os mesmos, após quinze dias, para permanecerem limpos. Evidente a ineficácia do produto, pelo prazo afirmado, bem como evidente o dano à saúde pública, eis que tão longo período sem lavar os cabelos pode ocasionar diversos tipos de doenças no couro cabeludo, bem como pode proporcionar um excelente habitat para micro organismos de toda a espécie.

Mais, veiculadas publicidades de cremes, prometendo a remoção de rugas das faces das mulheres e o eliminar de manchas da pele do corpo.

2. Proposta

Estes exemplos, destacados em razão da natureza pública dos danos que o uso de cada produto pode causar, o foram com a finalidade de examinar os direitos envolvidos e aplicáveis à situação, modo a determinar a possibilidade de ser reconhecido como crime o veicular de publicidades dessa natureza, bem como da possibilidade de responsabilizar criminalmente, por esta divulgação, os titulares dos meios de comunicação.

3. Direito Aplicável

a. Constituição Portuguesa

A liberdade de expressão e de informação, bem como a liberdade de imprensa são garantias constitucionais portuguesas, expressas nos artigos 37 e 38 da respectiva constituição.

Merecem destaque, para o presente desenvolvimento, o regramento dos números um e dois do artigo 37.°:

"Artigo 37.° (Liberdade de expressão e informação)

"1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.

"2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura."

Bem como, o regramento do número um do artigo 38.°:

"Artigo 38.° (Liberdade de imprensa e meios de comunicação social)

"1. É garantida a liberdade de imprensa."

Poderá a publicidade ser considerada, com base nestes dispositivos, uma forma de expressão? Representa uma informação? Será abrangida pela liberdade de imprensa?

Partindo-se do princípio que o objetivo da publicidade é o de divulgar um determinado fato ou produto, informando sua finalidade, suas características, suas qualidades e seu preço, motivando o consumo daquele bem, pelo consumidor em potencial, através da compra do produto ou do comparecimento a um determinado evento, pode-se concluir que o divulgar de um produto é, sem dúvida, uma forma de expressão, tanto que na publicidade concentram-se profissionais criativos que visam cativar o consumidor e, em geral, vinculam um determinado produto a uma emoção específica, criando a necessidade do consumo. Pode-se concluir, também, ser a publicidade um meio de informação, por ser esta essencial para o divulgar da finalidade de um determinado produto. Abrangida também a publicidade pela liberdade de imprensa, por serem os meios de comunicação os mais importantes veículos desta publicidade, assim como esta, na mesma proporção, ser a mais importante fonte de renda destes meios de comunicação. Concluindo, a publicidade resta abrangida pelas garantias constitucionais de liberdade de expressão e informação e, ao que importa aos meios de comunicação, também abrangida pela liberdade assegurada à imprensa.

Esta conclusão nos remete ao disposto nos números III e IV, do artigo 37.° da constituição portuguesa:

"Artigo 37.° (Liberdade de expressão e informação)

"1. (...)

"2. (...)

"3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei.

"4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos."

Neste prisma, no ordenamento português, submete-se a publicidade aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, assegurado a todas as pessoas o direito a indenização pelos danos sofridos.

b. Constituição Brasileira

Serão a liberdade de expressão e de informação, bem como a liberdade de imprensa também garantias constitucionais brasileiras?

Este questionamento remete-nos à matéria regulada na Constituição da República Federativa do Brasil, no Título VIII, que trata da Ordem Social, e, em especial, no Capítulo V deste título, que trata da Comunicação Social.

A leitura do artigo 220, caput, e seu parágrafo primeiro nos revelam:

"Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

"§ 1.° Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5.°, IV, V, X, XIII e XIV."

Para melhor interpretação deste dispositivo constitucional, necessária se faz a leitura dos dispositivos constitucionais aos quais o retro referido parágrafo nos remete.

Rezam, o artigo e os incisos referidos:

"Art. 5.° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

" (...)

"IV é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

"V é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

" (...)

"X são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

" (...)

"XIII é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

"XIV é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

" (...)."

A publicidade, como já supra referido, e também sob o prisma das garantias individuais brasileiras, é uma forma de manifestação do pensamento, uma forma de criação, de expressão e o seu conteúdo deve possuir uma informação, exercida por profissionais especializados, modo que, não pode sofrer qualquer tipo de restrição. A única hipótese de restrição seria de cunho pecuniário, como consequência do exercício dessa liberdade e caso a publicidade elaborada tivesse o risco de violar a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem de pessoas, eis que igualmente aplicável à publicidade o princípio do desenvolver e veicular livremente, sem qualquer tipo de censura.

Extrai-se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT