A crise das autonomias (a propósito do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias)

AutorArnaldo Ourique
Páginas91-94

Page 91

As autonomias portuguesas estão em crise, e é uma crise interna, e é sobretudo uma crise política e constitucional. 48Não há quaisquer elementos que apontem para uma crise na forma de Estado.

É curioso verificar como uma decisão judicial europeia tem a virtude de relançar a discussão da descentralização política. Trata-se do acórdão de Setembro de 2006 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias a propósito da redução do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e colectivas com domicílio fiscal nos Açores. O acórdão não põe em causa de forma alguma a autonomia e até é favorável aos Açores. A Comissão nesse Processo declara que «o grau de autonomia da Região Autónoma dos Açores é, na realidade, limitado», mas logo o Tribunal responde que «não se pode excluir que uma entidade infra-estadual disponha de um estatuto de direito e de facto suficientemente autónomo em relação ao Governo central de um Estado-Membro».

O Direito Comunitário permite que os Açores criem aquele modelo fiscal que foi objecto de decisão. E isso mesmo o Tribunal confirmou. A questão é que o Tribunal considerou aquela parte que estava fundamentada e, pois, escorreito perante a lei, e não aquilo que faltava o fundamento. E neste aspecto, o acórdão é exemplar, porque não cedeu, como é próprio dos tribunais, a pressões sectoriais até de outros países interessados. Se o Governo Regional e o Governo central tivessem fundamentado a parte relativa ao sector empresarial financeiro como fundamentaram para os outros sectores, perspectiva-se pelo discurso do Tribunal que este teria aceite o modelo. O Tribunal foi nisso claro e simples: manter o sistema naquilo que está fundamentado, expurgar aquele que lhe falta a justificação. Ou seja, é possível, para o futuro, que os Açores façam (se para isso tiverem justificação viável o que, sendo para firmas do sector financeiro, se não é impossível é pelo menos muitíssimo difícil) um modelo fiscal de incentivo àquele sector desde que o façam conforme o Tribunal indica e conforme a lei prevê (artigos 87º/3 e 229º do Tratado).

O acórdão não toca na autonomia. Os tribunais existem para dar solução às decisões administrativas e legislativas dos governos. De outra maneira, seríamos Estados mas na forma de monarquias não constitucionais e não de repúblicas. Também de modo algum o acórdão indicia que a autonomia é pequena ou grande, ou que está em crise ou em franco desenvolvimento, ou que é elementar ou constituída por...

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