Das acções de grupo no direito europeu do consumo

AutorMário Frota

O CESE Comité Económico e Social Europeu deliberou, em conformidade com o parágrafo 2 do artigo 29 do Regulamento Interno, elaborar um

Parecer de iniciativa

(avis d'initiative) em torno do tema

"Definição do papel e do regime das acções de grupo no domínio do direito europeu do consumo"

E designou relator o jusconsumerista português, J. PEGADO LIZ.

Do que importa reter do parecer que se submeterá à aprovação da reunião plenária de 29 de Outubro, realce para os pontos cuja enunciação segue:

. . .

Razões para uma acção colectiva - No plano da união europeia
  1. A tutela dos interesses dos consumidores tanto no seio dos Estados-membros como no da União Europeia pressupõe não só a outorga de direitos substantivos como os meios cautelares e as acções adequadas a fazê-los reconhecer em juízo e bem assim a sua concretização coerciva.

    1.1. A proliferação de relações transfronteiras é susceptível de degenerar em conflitos no plano do Mercado Interno.

    1.2. Configuram-se insuficientes as vias processuais em ordem a dirimirem-se os pleitos singulares.

  2. Ademais, as Constituições dos Estados-membros e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais consagram o direito a um processo fundado na equidade: tal abrange nomeadamente o de aceder de modo útil e efectivo a um tribunal.

  3. No quadro actual, os sistemas judiciários não permitem que os cidadãos se oponham concreta e efectivamente a um sem-número de práticas que lhes são nocivas e suscitem a intervenção da judicatura.

  4. Os Estados-membros há decénios que oferecem dois tipos de resposta às questões ora formuladas

    4.1. num primeiro momento, reconheceram ao interesse colectivo dos consumidores o direito de tutela mediante acções instauradas quer perante instâncias administrativas quer judiciais

    4.2. uma outra reacção adequada se achou do mesmo passo pelo reconhecimento de um processo que reagrupe acções individuais

    4.3. tais acções baseiam-se essencialmente na economia processual, na exacta medida em que fundem as acções, sintetizando-as num e num só processo.

  5. A criação de uma acção de grupo europeia permitiria o acesso à justiça de todos os consumidores qualquer que fosse a sua nacionalidade, situação financeira e o montante dos danos individuais. Evitaria as contradições da jurisprudência entre os tribunais dos Estados europeus que teriam de dirimir litígios similares.

    5.1. Um sistema comum a todos os países europeus permitiria uma melhor protecção dos consumidores, reforçando de análogo modo a confiança dos fornecedores e, por conseguinte, as trocas e o comércio na União Europeia.

  6. Destarte, reforçar-se-ia o direito do consumo mercê da aprovação de um regime acrescido de vias susceptíveis de permitir uma justa compensação em benefício dos consumidores.

    6.1. o grau de eficácia de um sem-número directivas reforçar-se-ia pelo reconhecimento de uma acção de grupo nos domínios cobertos por tais instrumentos.

Terminologia
  1. De molde a recortar-se o objecto da proposta, importa o consenso em torno do tipo de acção de que se trata.

    Como o revela a síntese dos sistemas adoptados nos Estados-membros, a designação e o conteúdo dos diferentes tipos de acção variam consideravelmente. Impõe-se a distinção entre acções representativas (ou em representação), acções no interesse colectivo e acções de grupo.

  2. As acções representativas abrem-se tão-só às associações de consumidores ou a entidades administrativas (ao estilo do ombuds), e visam pôr termo a actuações avessas aos direitos do consumidor e, no limite, em determinados países, a supressão de cláusulas abusivas ou ilícitas nos contratos de consumo.

  3. As acções no interesse colectivo permitem às associações de consumidores agir perante uma instância judicial ou não quando o interesse colectivo, geral, dos consumidores for lesado pela violação quer de uma disposição precisa de direito material, quer de uma norma de conduta geral. O interesse colectivo não é uma soma de interesses individuais dos consumidores e aproxima-se do interesse geral.

  4. A acção de grupo é uma acção judicial que permite a um grande número de pessoas fazer reconhecer os seus direitos e a obter reparação. Constitui, pois, se confira expressão, no plano técnico, a um processo colectivo de direitos individuais.

  5. A acção de grupo (class action) não está reservada necessariamente ao domínio exclusivo da protecção do consumidor.

    Todavia, no caso do presente parecer, reconduz-se ao único direito material, tal como o direito comunitário o reconhece.

    Propõe-se, por conseguinte, adoptar no parecer a expressão "acção de grupo".

    Base jurídica 1

    . . . . .

Os parâmetros da acção de grupo no plano comunitário
  1. O que não deve ser a acção de grupo

    A acção de grupo não deve ser uma acção em representação.

  2. A acção em representação só se confere a entidades especialmente habilitadas (associações de consumidores, ombuds): os consumidores não podem obter, em geral, a reparação dos seus prejuízos individualmente.

  3. Tais meios têm como escopo principal a cessação de práticas contrárias aos direitos dos consumidores, no limite, em determinados países, a supressão das cláusulas abusivas ou ilícitas nos contratos de consumo, nas quais o julgador não pode arbitrar uma qualquer reparação.

  4. Determinados países "flexibilizaram" tais mecanismos, a fim de permitirem uma indemnização individual aos consumidores. A reparação não é, todavia, dispensada aos consumidores individuais, mas conservada pelas entidades representativas ou arbitrada ao Estado para as suas aplicações sociais.

  5. Um tal mecanismo não corresponde, pois, na prática a uma verdadeira acção de grupo pela qual os consumidores são indemnizados numa só instância.

    A acção de grupo não deve ser uma "class action" americana.

  6. Instituir uma acção de grupo na Europa não tem como consequência implantar a "class action" estatuída nos Estados Unidos da América. O sistema judiciário americano é muito diferente dos sistemas judiciários dos Estados-membros: os pontos fracos da "class action" denunciados como dando azo a derivas são peculiares ao sistema americano e jamais poderão introduzir-se na Europa.

  7. Nos Estados Unidos da América as decisões jurisprudenciais são prolatadas por júris populares e magistrados eleitos.

    Esta composição particular contradistinta da que se nos oferece na Europa em que a maior parte dos Estados-membros só dispõe de juízes togados, que não leigos ou profanos...

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