Direito internacional do consumidor - Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho aos Direitos dos Consumidores Com (2008) 614 final 2008/0196 de 8 de 08.out.2008

A Estratégia de Lisboa, 1995 – “A União experimenta a sua melhor situação macroeconômica ... como resultado de uma política monetária orientada para a estabilidade suportada por políticas fiscais sãs num contexto de moderação salarial. A inflação e as taxas de juro são baixas, o déficit do setor público foi reduzido dramaticamente e a balança de pagamentos está ultra-saudável. O euro foi introduzido com toda a facilidade e os benefícios já se estão a ver, o mercado interno está quase feito e os benefícios para os consumidores e para as empresas são mais que evidentes. “Mais arrogante do que isto, mais míope do que isto é absolutamente difícil.”

José Luís da Cruz Vilaça, novembro de 20031 (grifos nossos)

“O mercado único é o alvo do esforço da Europa. Para os cidadãos, ele representa o direito a viver e trabalhar noutro país da EU e aceder a uma vasta escolha de produtos de qualidade e serviços a baixo preço. Para as empresas, significa operar num mercado doméstico de 500 milhões de pessoas, baseado na lei e no respeito e confiança mútuas. O mercado único é mais importante do que nunca. Quero vê-lo fortalecido e adaptado ao mundo globalizado do século XXI”.

Presidente José Manuel Barroso2

1 – Introdução

Portugal possui um acervo de normas de proteção dos consumidores de alto nível, em relação à maioria dos Estados da União Europeia.

Para tomarmos um exemplo: O período de retratação para um contrato à distância é de 14 (catorze) dias em Portugal, contra uma média europeia de apenas sete. Em Portugal o período de garantia de produtos é de 2 (dois) anos com opção livre do consumidor, sem hierarquização, quanto à substituição do produto, resolução, reparação ou redução do preço, contra uma hierarquia presente na legislação europeia que obriga primeiro a reparar, depois a substituir e, só a seguir, se abre a possibilidade de reduzir o preço ou resolver o contrato.

O nível de proteção do consumidor português é dos mais elevados na União Europeia, de par com o dos países nórdicos.

Ocorre que esse elevado nível normativo de proteção do consumidor em Portugal, especialmente quanto aos contratos de consumo, não encontra uniformidade nos países da União Europeia que ostentam diferentes níveis de proteção em razão da fragmentação do acervo de normas com critérios díspares de transposição das Diretivas de harmonização mínima.

A margem de manobra conferida aos Estados-membros na transposição da legislação comunitária sobre proteção dos consumidores, decorrente do princípio da harmonização mínima, gerou fragmentação da regulamentação e divergências nos direitos e obrigações das partes nas transações comerciais, e essa heterogeneidade do acervo normativo representa, segundo os empresários, obstáculo à expansão do comércio transfronteiro, em razão dos encargos de conformidade que incluem aconselhamento jurídico, material informativo, marketing, comunicações comerciais, para as empresas que exploram esse mercado interno, com quinhentos milhões de consumidores, nos 30 países que integram o Espaço Econômico Europeu.

A ideia do Código Europeu dos Contratos acabou por se malograr.

O Direito Europeu dos Contratos de Consumo não prosperou. Da opção original da revisão de 22 (vinte e duas) Diretivas à do acervo constituído por oito instrumentos do estilo, a Comissão Europeia formulou, no dia 8 de Outubro de 2008, uma “Proposta de Diretiva dos Direitos dos Consumidores”, que pretende, com a revisão de quatro diretivas, unificar e harmonizar os direitos dos consumidores de molde a desenvolver o Mercado Interno, sem fronteiras físicas, técnicas, aduaneiras e fiscais, o que assegura a livre circulação das mercadorias e dos serviços e, para tanto, adota a harmonização total dos direitos dos consumidores, o que poderá acarretar um abominável retrocesso.

Esta proposta promove a revisão do acervo comunitário relativo à defesa do consumidor, com o objetivo de simplificar e completar o quadro vigente. Este acervo funde, num único diploma legal, quatro Diretivas que presentemente regulam estas matérias:

* Cláusulas contratuais abusivas, Diretiva 93/13/CEE;

* Venda e garantia dos bens de consumo; Diretiva 99/44/CEE;

* Venda à distância, Diretiva 97/7/CE;

* Venda fora do estabelecimento, Diretiva 85/577/CEE;

A proposta de Diretiva relativa aos direitos dos consumidores abrange todos os contratos, de venda de bens e serviços entre empresas e consumidores, as compras feitas em loja física, as efetuadas à distância e fora dos estabelecimentos comerciais.

Ao contrário das Diretivas revistas que assentam na harmonização mínima e permitem aos Estados-membros adotar níveis mais elevados de proteção, o propósito da União Europeia foi o de ultimar a construção de um verdadeiro mercado interno competitivo para as empresas, procedendo à harmonização total das matérias nela regulamentadas, sem que nenhum Estado-membro possa editar regras mais benéficas do que as que nela se consagram.

Existem diversos níveis de proteção nos 30 Estados que integram o Espaço Econômico Europeu. Países com menores níveis de proteção defendem uma harmonização máxima (nivelada pelo mínimo), pouco beneficiadora do consumidor, mas assegura competitividade entre concorrentes e, afirma-se, mantém os preços baixos.

Ao contrário, países com maiores níveis de proteção, como Portugal, propugnam uma harmonização mínima, que impeça um retrocesso em direitos já adquiridos pelo consumidor nacional, ainda que os produtos possam apresentar preços um pouco mais elevados.

A harmonização global horizontal da proposta de Diretiva promoverá alteração dos níveis de defesa do consumidor em alguns dos Estados-membros, que haviam adotado regras mais benéficas, com níveis mais elevados de proteção, que as consagradas na proposta de Diretiva.

A proposta de Diretiva sobre Direitos dos Consumidores não deveria permitir que a harmonização horizontal total de direitos dos consumidores colocasse em causa os níveis de proteção já assegurados pelas legislações nacionais.

Portugal, perante outros Estados-membros, coloca o cidadão-consumidor, que não o negócio, no centro da equação econômica e, portanto, deve se posicionar de forma contrária à aprovação da proposta de Diretiva em análise.

2. Do mercado interno europeu

O ‘Mercado Comum’ data de 1957, com a criação da Comunidade Econômica Europeia (CEE) e assento no Tratado de Roma.

A criação do Mercado Único Europeu e a moeda única são as mais importantes realizações da União Europeia.

Este mercado interno de compra e venda transfronteiras dentro da União Europeia tem como elementos o livre trânsito do cidadão europeu, ampliação do mercado de trabalho e livre comércio intracomunitário de mercadorias e serviços, nos 27 (vinte e sete) Estados-membros, como se não existissem fronteiras, como se tratasse de um só Estado.

O consumidor pode usufruir de uma vasta gama de produtos e se beneficiar do diferencial de preços e de qualidade em toda a Europa, adquirindo produtos em qualquer outro país da União Europeia, sem pagar tarifas aduaneiras no retorno ao país de domicílio ou nas compras pela Internet , pelo telefone ou correio.

O fornecedor pode, pois, vender para todos os Estados-membros explorando um mercado de 500 000 000 (quinhentos milhões) de consumidores. A quebra do monopólio postal facilita a circulação de mercadorias dentro da UE, aproveitando a abertura das fronteiras alfandegárias e comerciais. A utilização da Internet e do comércio eletrônico permite que o mercado se expanda, alcançando, repita-se, uma mole imensa de 500 milhões de consumidores no EEE.

A redução ou eliminação das barreiras comerciais abre os mercados nacionais para serem explorados por empresas competitivas de outros Estados-membros. Há mais concorrência, os preços baixam e se tornam mais acessíveis. O consumidor se beneficia com preços mais baixos e com a possibilidade de uma escolha mais variada de qualidade dos produtos.

A União Europeia objetiva o fortalecimento deste “Mercado Interno" e advoga que os obstáculos devem ser eliminados mediante a adoção de regras uniformes no Espaço Econômico Europeu para garantir segurança jurídica para os dois protagonistas do mercado de consumo: consumidores e empresários. A Diretiva prescreve a harmonização total das legislações dos Estados-membros no que tange às práticas comerciais, de acordo com o princípio da proporcionalidade e da subsidiariedade.

Dentro desse contexto surgem questões jurídicas do mais elevado interesse, senão vejamos:

Será possível garantir que cerca de 500 milhões de cidadãos de um Espaço Econômico constituído por 30 Estados-nação, a par da proteção legal da legislação comunitária inserta nas Diretivas, se beneficiem do mesmo nível elevado de proteção efetiva do consumidor?

Será possível garantir que este mercado interno seja ampliado e funcione de forma segura, conquistando a confiança necessária para as relações de consumo transfronteiras?

O cidadão europeu consumiria fora do seu Estado de residência se existisse uma legislação comunitária uniforme, ainda que de elevado nível?

A decisão de consumo é assumida à luz do acervo de normas comunitárias ou é balizada por circunstâncias e conhecimentos práticos, tais como experiências negativas anteriores, próprias ou de...

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