Acórdão de 11 de abril de 2000 do supremo tribunal de justiça

I-A apólice há-de traduzir em si o contrato de seguro celebrado, por forma a que entre este e aquela haja plena conformidade.

II-Só em momento posterior ao da conclusão do contrato e quando ocorreu o sinistro é que os tribunais normalmente são chamados a conhecer do desrespeito das cláusulas contratuais em relação ao regime das cláusulas contratuais gerais, nomeadamente no tocante ao princípio da transparência e da adequação do seu conteúdo à lei.

III-A seguradora deve comunicar, na íntegra, as cláusulas contratuais gerais ao aderente que se limite a subscrevê-las ou a aceitá-las, ficando onerada com a respectiva prova dessa comunicação de modo adequado e efectivo.

IV-A omissão desse dever (quando tenha sido alegada) quer a não satisfação desse ónus não tomam nula a cláusula, mas inexistente, na medida em que se deve considerar excluída daquele concreto contrato.

V-Demonstrado que a queda de neve e a acumulação da mesma no telhado de um edifício, sendo esta última consequência de ventos fortes e que, aliado às baixas temperaturas, determinou que ocorresse uma pressão anormal sobre a cobertura do edifício, conducente ao desabamento do respectivo telhado, é de concluir que o sinistro foi fruto da conjugação desses factores.

VI-Considerando os outorgantes como declaratários normais, o uso, na contratação, do termo «tempestades» foi querido no seu sentido vulgarmente corrente (violenta agitação atmosférica, muitas vezes acompanhada de chuvas, granizos, trovões, relâmpagos, ventos violentos que mudam mais ou menos subitamente), que, como tal, cobre o referido risco.

ACORDAM no Supremo Tribunal de Justiça:

JORJAUTO-Sociedade de Comércio Rodoviário, Lda., instaurou contra Commercial Union Assurance Company, P. L. C., e Companhia de Seguros Bonança, S. A., acção em que pede se condene as rés a lhe pagarem, na proporção de 60% e 40%, respectivamente, a quantia de 28 467 528$00, valor dos danos já liquidados, acrescida de juros de mora desde a citação, e a que se liquidar em execução de sentença relativa a despesas respeitantes ao isolamento do telhado, pois tendo celebrado com elas, em 20 de Dezembro de 1993, um contrato de seguro, em regime de co-seguro, sofreu em 8 de Janeiro de 1997 prejuízos como consequência da queda de neve arrastada e acumulada em virtude de ventos fortes, risco e danos por aquele cobertos.

Contestando, as rés impugnaram e excepcionaram (exclusão do risco e a culpa do lesado), concluindo pela sua absolvição do pedido.

Após resposta da autora que, em audiência, reduziu o pedido, foi proferida sentença que, declarando nulos os artigos 3.°, n.° 2, e 21.°, n.° 4, das «'condições gerais, especiais e cláusulas' da apólice de seguro», condenou as rés a lhe pagarem a indemnização de 24 885 075$00, acrescida de juros desde a citação, a qual foi confirmada pela Relação.

Daí que, inconformadas de novo, recorram de revista as rés, concluindo, no essencial e em suma, em suas alegações:

-Conceito de «tempestade» na cláusula 3.2 das condições gerais não é extremamente limitado e está bem definido, pelo que não se trata de cláusula proibida e, porque tal, nula;

-Uma vez que o sinistro se encontra contratualmente afastado, verifica-se a situação de exclusão da responsabilidade das rés;

-A autora pouco ou nada fez no sentido de evitar a produção/agravamento dos danos, pelo que se deverá excluir ou subsidiariamente reduzir (na hipótese de se entender nula aquela cláusula do artigo 3.°, n.° 2) o montante indemnizatório;

-Violado, por errada interpretação, o disposto nos artigos 5.°, 6.°, 12.° e 21.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 446/85 e nos artigos 406.° e 570.° do Código Civil.

Contra-alegando, defendeu a autora a confirmação do julgado.

Colhidos os vistos.

Matéria de facto que as instâncias deram como provada:

  1. Por escritura pública de compra e venda, outorgada em 11 de Dezembro de 1995 no Cartório Notarial de Alijó, a autora adquiriu ao anterior proprietário o prédio urbano sito no Alto das Cantarias, da cidade de Bragança, sob o n.° 37 615, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 266, do qual é dona e legítima possuidora;

  2. Este prédio é actualmente um prédio de um só piso, destinado a oficinas e stand de exposição e comercialização de veículos, com a área coberta de 1538 m2 e descoberta de 4512 m2;

  3. Em 20 de Dezembro de 1993, através de formulário fornecido pela primeira ré e de documento escrito cuja cópia se encontra a fls. 18-19, a autora formulou à ré uma proposta de seguro, cujo objecto era o prédio referido na alínea a) e respectivo recheio;

  4. Os bens a segurar ao abrigo dessa proposta eram os seguintes:

    -Conjunto de edifícios totalmente construídos e cobertos de materiais incombustíveis, sitos no Alto das Cantarias, em Bragança;

    -Equipamento industrial diverso, principal e auxiliar e tudo o mais não especificado, inerente à actividade exercida pelos segurados;

    -Equipamentos de serviços administrativos e sociais, principal e auxiliar, incluindo o sistema informático e os aparelhos de ar condicionado;

    -Peças e acessórios para automóveis, óleos e lubrificantes, produtos de manutenção e outros;

    -Veículos novos, usados e em reparação, pertenças dos segurados e ou à sua consignação e de terceiros, os quais poderiam encontrar-se em parque fechado ou ao ar livre;

  5. O valor a segurar para esses bens ascendia globalmente a 180 000 000$00;

  6. O pretendido seguro abrangia tudo o que era pertença dos segurados e bens dos seus trabalhadores, em serviço, não discriminados especificadamente;

  7. Os riscos ou coberturas que se pretendiam garantir foram os seguintes:

    -Incêndio, queda de raio e explosão;

    -Tempestades;

    -Inundações;

    -Danos por água;

    -Actos de terrorismo, vandalismo, maliciosos ou sabotagem;

    -Riscos eléctricos;

  8. Tal seguro iniciar-se-ia em 20 de Dezembro de 1993 e tinha a duração de um ano;

  9. A primeira ré aceitou a aludida proposta da autora, tendo titulado o respectivo contrato de seguro através da apólice n.° 680419952, que emitiu;

  10. Este contrato foi celebrado em regime de co-seguro, assumindo as rés, conjuntamente, os riscos convencionados-a primeira ré 60% do capital garantido e a segunda ré 40% deste-e a primeira ré a posição de líder;

  11. Este contrato de co-seguro foi anual e sucessivamente renovado e progressivamente actualizado o capital garantido;

    I) Em 21 de Agosto de 1995, a autora propôs à ré que o capital seguro fosse globalmente elevado para 255 000 000$00 e, a partir de 20 de Dezembro de 1995, autora e ré acordaram em elevar o mesmo capital para o montante de 267 750 000$00, sendo 157 500 000$00 e de 110 250 000$00 o capital garantido, respectivamente, para os danos causados no edifício para os danos causados no interior do edifício (cópia da apólice a fls. 37-38), e em 20 de Dezembro de 1996 o capital garantido foi elevado para 281 137 500$00;

  12. A autora pagou à ré os prémios anuais seguintes:

    -No período compreendido entre 20 de Dezembro de 1993 e 19 de Dezembro de 1994- 353 690$00;

    -No período compreendido entre 20 de Dezembro de 1994 e 19 de Dezembro de 1995- 352 824$00;

    -No período compreendido entre 20 de Dezembro de 1995 e 19 de Dezembro de 1996- 553 903$00;

    -No período compreendido entre 20 de Dezembro de 1996 e 19 de Dezembro de 1997- 532 332$00;

  13. No prédio referido na alínea a) exerceu a autora a sua actividade comercial e industrial até à manhã de 9 de Janeiro de 1997, data em que a sua estrutura sofreu colapso praticamente total, em consequência da queda de neve;

  14. Com efeito, entre 5 de Dezembro de 1996 e 8 de Janeiro de 1997, a área onde se encontra o edifício foi atingida por severas condições climatéricas, com temporais e quedas de neve de especial intensidade;

  15. A queda de neve iniciou-se em 1 de Janeiro de 1997, tendo nevado abundantemente durante o dia seguinte, atingindo a neve uma espessura de 30 cm;

  16. Este nevão ocorreu com temperaturas próximas dos 0° C, atingindo uma densidade de 0,75;

  17. Entre 3 de Janeiro e 6 de Janeiro de 1997, o tempo apresentou-se sem precipitação e as temperaturas mínimas desceram aos 11,8° C, facto que conduziu a que não tivesse havido degelo significativo;

  18. Durante o dia 7 seguinte caiu novo nevão sobre o anterior e, uma vez que a temperatura foi inferior a 0° C, a sua densidade foi de 0,55;

  19. As características deste último nevão só tiveram semelhança em Fevereiro de 1963, Dezembro de 1969, Dezembro/Janeiro de 1970/ 1971 e em Fevereiro de 1956, altura em que ocorreu o mês de Fevereiro mais trio do século, incluindo a totalidade da Península Ibérica, pelo que o nevão de 7 de Janeiro de 1997 foi, seguramente, o segundo ou terceiro maior que ocorreu depois de 1956;

  20. Durante aquela última queda a neve foi arrastada por ventos fortes, tendo atingido nalgumas coberturas espessura que ultrapassava os 80 cm;

  21. Deste modo, as coberturas planas estiveram sujeitas a pesos da ordem dos 250 kg/m2 no final do segundo nevão;

  22. Este último peso apenas se verificou nos locais como no da área do edifício da autora, onde a neve se acumulou por acção do vento;

  23. A estrutura resistente do edifício era composta por placas e vigas sobre as quais se apoiava a cobertura de asnas metálicas e telhas de fibrocimento;

  24. O colapso da estrutura deveu-se à ruptura das asnas, em consequência da neve acumulada no telhado;

  25. Logo após a destruição desta estrutura, os destroços provocados por tal colapso e a neve penetraram no interior do edifício seguro, provocando outros prejuízos graves:

    -Foram danificadas viaturas que se encontravam no interior do edifício; e

    -Diversos equipamentos, máquinas, mobiliário e ferramentas;

    a-1) Este sinistro foi prontamente participado à primeira ré, que, por carta de 21 de Março de 1993, comunica à autora que não o considerava «enquadráveis nas coberturas de apólice» e que «o sinistro não ocorreu por causa de nenhuma tempestade mas sim pelo peso da neve, que, retida no telhado, veio eventualmente a causar o seu colapso»;

    b-1) A acumulação de neve ficou a dever-se à falta de degelo e à acção do vento, que, além...

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