Herança dos últimos governos, 1

AutorArnaldo Ourique
Cargo do AutorLicenciado, Pós-Graduado e Mestre em Direito , Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Páginas21-22

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HERANÇA DOS ÚLTIMOS GOVERNOS, 1 (11

Quero dizer herança constitucional. Compreendo que numa primeira fase, até à consagração intelectual do Tribunal Constitucional, o sistema autonómico legislativo fosse precário: a novidade e a expectativa, em conjunto, traduzem uma actuação cuidadosa. Compreendo que numa fase subsequente, anos oitenta e inícios de noventa, pós novidade, aquele sistema tivesse uma utilização precária: a descoberta da profundidade do sistema alertou consciências para certos perigos, os quais, de lá e de cá, traduziram numa actuação ora desconfiada, a estadual, ora temerosa, a regional. E por isso também compreendo os caminhos tortuosos dos momentos que se lhes seguiram: o Estado a empurrar as regiões autónomas para um lugar mais propício ao seu ideal de Estado com estatuto histórico de unidade e centralidade.

Mas já não compreendo que se queira, apesar dessa realidade, continuar a apregoar que o governo das ilhas em dez anos melhorou aquele sistema autonómico legislativo, como que a defender, paradoxalmente, o Estado, precisamente aquele que lhe tem retirado, aos poucos, todos os pontos a favor de uma autonomia moderna vocacionada para o futuro, isto é, através de discussão democrática que é um princípio fundamental para qualquer tipo de autonomia política.

A revisão da Constituição em 1997 teve muita coisa boa. Criou uma pequena mas profunda rotação no sistema: criou uma norma cujo teor foi não só uma novidade, como, inclusivamente, um bem autonómico de elevadíssimo valor, a criação de um conjunto de matérias para as quais a Lei Fundamental remetia um estatuto especial. Ou seja, em 1997, houve de facto a criação de algo importante. Mas isso foi liquidado por uma outra transformação: é que se alterou o conceito da lei geral da República de uma forma extraordinariamente gravosa: em primeiro lugar, remetia para princípios fundamentais, ou seja, para conceitos vagos e indeterminados (usando aqui a linguagem administrativa), e, em segundo lugar, remetia para a necessidade de a lei se autotitular de lei geral da República. Resultado: todas as leis, regra geral, independentemente da matéria, começaram a...

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