Introdução: o enigma da antecipação bancária

AutorLuís Poças
Páginas9-12

Venho empenhar um objecto.

E dito isto tirou da algibeira um relógio velho e achatado, de prata, que tinha gravado na tampa um globo terrestre. A corrente era de aço.

- Mas ainda não me reembolsou da importância que lhe emprestei há tempo e o prazo terminou anteontem!

- Pagar-lhe-ei os juros de mais um mês. Tenha paciência.

- Meu caro senhor, a partir desta data posso esperar ou vender o objecto que tem empenhado, conforme me apeteça

- Alena Ivanovna, quanto me dá por este relógio?

- Só me traz ninharias... Isso, para ser franca, não vale nada... Da outra vez, dei-lhe duas notas pequenas pelo anel, quando por rublo e meio qualquer pessoa pode comprar um novo numa joalharia.

- Dê-me quatro rublos e desempenho-o. É uma recordação do meu pai. Em breve receberei dinheiro.

- Dou-lhe rublo e meio descontando os juros.

- Rublo e meio! - exclamou o jovem.

- É pegar ou largar.

Dostoiewski, Crime e Castigo

A doutrina classifica habitualmente determinadas operações bancárias como operações de antecipação. Neste sentido lato e corrente, a expressão designa o adiantamento, ou pagamento antecipado, por parte do banco, de créditos - normalmente decorrentes da activi- dade comercial - dos seus clientes1. Por outro lado, como nota Simonetto relativamente ao Direito italiano, a expressão anticipazione não encerra um significado técnico preciso, sendo geralmente usada, de forma indistinta, como sinónimo de negócio de crédito2.

Por seu turno, sublinha Ferri3 que o nomen “antecipação bancária” (anticipazione bancaria) - que constitui a secção IV dos Contratos Bancários, consagrada nos artigos 1846.º a 1851.º do Código Civil italiano de 19424 - pouco contribui, ao nível do seu significado lexical, para a determinação da noção inerente a esta modalidade contratual5. Mas se a expressão antecipação pode assumir uma pluralidade de acepções, de amplitude variável, o termo bancária apenas contribui para delimitar o âmbito do contrato como uma operação de banco.

Neste contexto, importa precisar o objecto de análise do presente trabalho com base numa noção, ainda que provisória e aproximativa, do negócio jurídico em causa: trata-se de uma modalidade contratual complexa, que encontra expressão, nomeadamente, no sistema jurídico italiano e no português, envolvendo, como melhor veremos6, uma relação de crédito e uma relação de garantia em íntima conexão e que, como sublinha Cottino, constitui uma das figuras mais controversas de entre as reguladas pela lei italiana.7.

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