Estratégias promocionais das tabaqueiras em torno do tabaco e dos produtos do tabaco

AutorMário Frota
CargoDirector do Centro de Estudos de Direito do Consumo. Professor Convidado da Universidade Paris XII
1. Patrocínio

Por patrocínio se entende qualquer forma de contributo público ou privado destinado a um evento, uma actividade ou um indivíduo, que vise ou tenha por efeito, directo ou indirecto, a promoção de um produto do tabaco1.

A noção que precede figura na Directiva 2003/33/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio de 2003, que rege no domínio da publicidade e do patrocínio dos produtos do tabaco com relevância no Espaço Económico Europeu.

Do instrumento a que se alude, realce para o patrocínio nas estações de radiodifusão, já que se prescreve que "as emissões radiofónicas não podem ser patrocinadas por empresas cuja actividade principal seja o fabrico ou a venda de produtos do tabaco".

E, no que toca a eventos, o normativo emanado do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia estabelece inequivocamente, no seu artigo 5.°, que "é proibido o patrocínio de eventos ou actividades que envolvam ou se realizem em vários Estados-membros ou que tenham quaisquer outros efeitos transfronteiriços".

Acrescendo ainda que se proíbe a distribuição gratuita de produtos do tabaco no contexto do patrocínio dos eventos a que se alude no passo precedente, que vise ou haja por efeito directo ou indirecto a promoção de tais produtos.

A directiva, porém, não se aplica ao patrocínio de eventos ou actividades sem efeitos transfronteiriços: é aos Estados-membros que cabe regulamentar tais matérias, tanto quanto o entendam necessário de molde a garantir e a assegurar a protecção da saúde pública.

A Directiva 89/552/CE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, prevê que os programas televisivos não possam ser patrocinados por empresas que tenham por actividade principal o fabrico ou a venda de cigarros e outros produtos do tabaco, ou fornecimento de serviços, cuja publicidade tal normativo proíba2.

Já a Recomendação 2003/54/CE, do Conselho, de 2 de Dezembro de 2002, realça que "a Organização Mundial de Saúde e o Banco Mundial recomendam que os países proíbam todas as formas de publicidade e promoção dos produtos do tabaco".

Nos casos em que apenas são proibidas determinadas formas directas de publicidade ao tabaco, a indústria tabaqueira desvia frequentemente as suas despesas em matéria de publicidade para outras estratégias de comercialização, patrocínio e promoção, recorrendo a meios criativos e indirectos de promover os produtos do tabaco, especialmente junto dos jovens. Deste modo podem ser limitados os efeitos das proibições parciais de promoção, publicidade e patrocínio sobre o consumo do tabaco.

Em matéria de patrocínio, registe-se o que a Lei de Prevenção do Tabagismo, ora em vigor em Portugal, desde 1 de Janeiro de 2008, prescreve no seu artigo 18:

"1- É proibida qualquer forma de contributo público ou privado, nomeadamente por parte de empresas cuja actividade seja o fabrico, a distribuição ou a venda de produtos do tabaco, destinado a um evento, uma actividade, um indivíduo, uma obra áudio-visual, um programa radiofónico ou televisivo, que vise, ou tenha por efeito directo ou indirecto, a promoção de um produto do tabaco ou do seu consumo.

2- É proibido o patrocínio de eventos ou actividades por empresas do sector do tabaco que envolvam ou se realizem em vários Estados membros ou que tenham quaisquer outros efeitos transfronteiriços.

3- É proibida a distribuição gratuita ou a preços promocionais de produtos do tabaco, no contexto do patrocínio referido no número anterior, que vise ou tenha por efeito directo ou indirecto a promoção desses produtos."

Daí que se imponha às autoridades que reprimam implacavelmente as acções tendentes a subverter o sentido e alcance das normas proibitivas que se pulverizam ante a contumácia dos operadores económicos que fazem da lei " gato-sapato", cônscios da sua impunidade, por ineficiência das administrações públicas ou por não ignorarem a eficácia das acções deletérias que exercem a todos os níveis do poder político-administrativo, em época de definhamento do Estado, da sua autoridade e da afirmação do mercado como deus ex-machina...

Na Região Autónoma dos Açores, porém, frustrou-se o escopo, ao legislar-se em contrário.

Repare-se na questão suscitada por nós, perante o Provedor de Justiça:

"Tenho a honra de remeter a Vossa Excelência o documento anexo, em que se critica o DRL n.° 11/2007/A, de 22 de Maio de 2007, que torna lícito o patrocínio de eventos e actividades quaisquer que sejam na Região Autónoma dos Açores, ao arrepio das directrizes internacionais e das políticas encetadas em Portugal (Continental)."

ANEXO:

AÇORES:

PORTA ABERTA PARA O PATROCÍNIO INDISCRIMINADO DE EVENTOS OU ACTIVIDADES PELAS TABAQUEIRAS?

A Região Autónoma dos Açores pelo Decreto-Legislativo Regional n.° 11/2007/A, de 22 de Maio de 2007, publicado no DR I Série , n.° 98, da mesma data, contempla, no denominado "Regime Jurídico da Publicidade e do Patrocínio dos Produtos do Tabaco", a possibilidade de as empresas do sector dos tabacos assegurarem o patrocínio de eventos ou actividades de toda a ordem (desde que não se realizem em ou envolvam vários Estados ou não tenham quaisquer outros efeitos transfronteiriços).

Do preâmbulo do diploma avulta exactamente tal possibilidade, considerando-se mesmo "esta como uma boa solução"!

E transpõe o DLR 11/2007/A para a ordem jurídica regional a Directiva 2003/33/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio.

No que tange aos patrocínios prescreve, no seu artigo 7.°, o DLR:

"1- É proibido o patrocínio de eventos ou actividades que envolvam ou se realizem em vários Estados membros da União Europeia, ou que tenham quaisquer outros efeitos transfronteiriços.

2- É proibida a distribuição gratuita de produtos do tabaco, no contexto do patrocínio dos eventos referidos no número anterior, que vise, ou tenha por efeito, directo ou indirecto, a promoção desses produtos."

O que quer significar que, não havendo repercussões transfronteiras nem envolvendo (ou realizando-se em) vários Estados-membros da União, é lícito quer o patrocínio como a distribuição gratuita de produtos na própria Região Autónoma.

Há interrogações sérias que o diploma legislativo regional é susceptível de consentir:

- Justifica-se uma tal medida, em um quadro restritivo de prevenção e controlo do tabagismo, que constitui preocupação maior da Convenção-

-Quadro da OMS, a que Portugal aderiu?

- Justifica-se quando se pretende reagir ante a realidade, por todos exaltada, de que o consumo do tabaco é a primeira causa evitável de morbilidade e mortabilidade nas sociedades desenvolvidas, a que Portugal não escapa?

- Justifica-se quando se pretende obstar a que se reduza 1.000.000 de mortes directamente imputáveis/ano, na União Europeia, ao tabagismo, subtraindo, em particular os jovens, de um tal flagelo, quando são eles o principal universo-alvo das promoções e dos patrocínios das tabaqueiras?

- Insere-se o DRL na filosofia que subjaz à proposta de Lei de Prevenção e Cessação Tabágicas que pende seus termos, no Continente, no Parlamento?

- O Senhor Ministro da Saúde já se deu conta desta enormidade?

- O Senhor Representante da República ter-se-á apercebido das consequências de tão nefasto acto, ao haver aposto a sua assinatura no diploma legislativo regional?

- É lícito à Região Autónoma transpor directivas do estilo quando a política neste particular é comum e não pode estar sujeita a regionalismos?

- Compatibiliza-se o prescrito no artigo 7.° com o que emerge do artigo 17.° da Proposta de Lei da Prevenção e Controlo do Tabagismo, ora em discussão no Parlamento?

Com efeito, o artigo em causa prescreve:

"1. É proibida qualquer forma de contributo público ou privado, nomeadamente por parte de empresas cuja actividade seja o fabrico, a distribuição ou a venda de produtos do tabaco, destinado a um evento, uma actividade, um indivíduo, uma obra audiovisual, um programa radiofónico, televisivo ou de serviços da sociedade de informação, reportagens, edições, eventos culturais, desportivos ou científicos, que vise, ou tenha por efeito directo ou indirecto, a promoção de um produtos do tabaco, de uma marca ou logo de um produto do tabaco, ou do seu consumo.

  1. É proibida a distribuição gratuita ou a preços promocionais de produtos do tabaco, no contexto do patrocínio referido no número anterior, que vise ou tenha por efeito directo ou indirecto a promoção desses produtos.

    3. É proibido o patrocínio de eventos ou actividades que envolvam ou se realizem em vários Estados-membros ou que tenham quaisquer outros efeitos transfronteiriços."

    É imperioso que as políticas da República se façam ouvir a uma só voz, sem permissões falaciosas, que não cumpram desígnios de bem comum.

    Ademais, a Lei ora em preparação não consente excepções no que tange às Regiões Autónomas, já que o seu artigo 30 prevê:

    "1. As Regiões Autónomas exercem as competências previstas no presente diploma através dos organismos oficiais definidos pelos órgãos de governo próprios.

  2. O produto das coimas aplicadas pelas Regiões Autónomas constitui receita própria".

    Sem bulir com a autonomia, afigura-se-nos que a dualidade presente é susceptível de causar rupturas indesejáveis."

    O Provedor de Justiça não concordou estranhamente, porém, com a posição assumida pela apDC...

    E assim vai o direito em Portugal!

2. Promoção

De harmonia com a Recomendação 2003/54/CE, de 2 Dezembro de 2002, que dispõe em matéria de prevenção do tabagismo e de iniciativas tendentes a reforçar a prevenção e a repressão do consumo do tabaco e seus produtos, os específicos aspectos ali revelados assumem particular relevância. A OMS e o BM recomendam veementemente que se proíbam... todas as formas de promoção dos produtos do tabaco, como se...

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