Exame de ordem a quem interessa sua extinção?

AutorLeon Frejda Szklarowsky
CargoO Professor Leon Frejda Szklarowsky é escritor, poeta, jornalista, advogado

Leon Frejda Szklarowsky1

"O atributo do advogado é sua moral. É o substratum da profissão. A advocacia é um sacerdócio; a reputação do advogado se mede por seu talento e por sua moral!"

(Rafael Bielsa, La Abogacia)

O advogado

A advocacia nasce com o ser humano, desde o momento em que este intercede em favor de seu semelhante. O ministério de advogado é muito mais antigo do que o título de advogado2, ensina Mr. Boucher d'Argis, citado pelo Conselheiro Montezuma, ao discursar na sessão inaugural do Instituto dos Advogados Brasileiros.

Na Antigüidade, os caldeus, os persas e os babilônios recebiam conselhos dos sábios e dos filósofos e, no Egito, havia os que faziam a defesa dos direitos individuais e podem ser considerados os ancestrais dos atuais advogados. Na Grécia, Péricles foi o primeiro convidado a cuidar dos negócios judiciários.

Entre os hebreus, na época de Moisés, cada um estava apto a defender-se a si mesmo, mas podiam ser acompanhados de um parente ou amigo, que o auxiliava em sua defesa, perante os tribunais.

Os romanos viam nobreza nesta profissão, que vem desde a fundação de Roma. A advocacia, nos primeiros tempos de Roma, era o passo inicial para os Empregos Nacionais, tendo Cícero se destacado como o príncipe da palavra.

O Direito Canônico faculta às partes a constituição de advogado ou procurador3, mas, no juízo criminal, a pessoa deverá sempre ter um advogado constituído por ela mesma ou designado pelo juiz4. As mulheres não estão proibidas de exercer qualquer um desses encargos. Note-se que já não é necessário que o procurador, advogado, seja católico5.

Na França, do Rei São Luiz, o advogado tem o nome de avocat ou avant parliers e, com Pepino, em 751, começa o momento mais brilhante da profissão.

Em todas as sociedades, a advocacia exerce significativa influência, pois que a liberdade e a advocacia se acham indissoluvelmente entrelaçadas. Não há liberdade nem democracia, onde o advogado não se possa exprimir e agir livremente e o juiz atuar com total independência, libertos das amarras da coerção, do medo e da perseguição.

A advocacia é uma atividade intimamente ligada à ética e à moral, delas não podendo desgarrar-se, sob pena de transformar-se numa ossatura sem alma ou um recipiente sem conteúdo. É por esse motivo que José Maria Martinez Val assinala que a é uma atividade essencialmente humanística, visto que o advogado, para sê-lo, deve conhecer o homem na sua essência6.

O advogado exerce verdadeiro sacerdócio. Necessita ele da mais ampla e irrestrita liberdade e independência, para operar seu ministério. É o guardião das liberdades, em todas as épocas. No mundo moderno, porém, deixou de ser apenas o mandatário do cliente, representando-o, nas causas judiciais, para se transformar no profissional que o assiste, em toda parte e em todos os momentos.

O desenvolvimento das relações humanas, o progresso e a globalização, nestas últimas décadas, as grandes e rápidas transformações que ocorrem em segundos, a fascinante conquista, máquina computador e a internet, exigem do advogado uma atuação imediata e constante. O bacharel, por sua vez, tem a grande responsabilidade de, com seu talento, arte e criação, participar ativamente dos grandes movimentos sociais, agindo e atuando ininterruptamente.

O advogado é um dos pilares de sustentação da Justiça, o arauto do Direito e da liberdade, indispensável à administração da justiça. Exerce um múnus público. É inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei, declara solenemente a Constituição vigente; todavia deve-se entender essa proclamação, no seu sentido mais elástico. O artigo 133 é incisivo, no seu comando.

A advocacia conquistou a majestade constitucional, com postura semelhante a do magistrado e a do membro do Ministério Público e exerce função de caráter institucional.

Infere-se, destarte, que o advogado não pode estar sujeito a qualquer constrição, nem deve esmorecer no momento em que a crise social, moral, ética, política e econômica está a devorar a nação e a minar o próprio Estado. Deve fazer valer as prerrogativas constitucionais, custe o que custar.

Santo Ivo, o apóstolo da advocacia e patrono dos advogados, concebeu dez mandamentos, que se constituem num verdadeiro Código de Deontologia Jurídica, na lição de Ruy de Azevedo Sodré. Destaco "alguns, por sua magnitude: "amar a justiça e a honra como as meninas dos seus olhos", "implorar a Deus ajuda para o êxito de suas demandas, pois é Ele o primeiro protetor da justiça" "e "ser sempre verdadeiro, sincero e lógico" 7.

Rui Barbosa sintetiza, com rara felicidade, a fonte de vocação do advogado: "amar a pátria, estremecer o próximo, guardar a fé em Deus, na verdade e no bem" 8. Este dogma vem assente na consciência do povo.

A ordem dos advogados

A Ordem dos Advogados é o respiradouro da sociedade. Constitui uma das colunas mestras de sustentação da Democracia e tem por missão sagrada zelar pela Constituição, pela lei e pela justiça; defender as instituições e, concomitantemente, as prerrogativas do advogado, precipuamente no que diz respeito às condições do exercício da profissão e ao ensino jurídico, por se refletirem diretamente na liberdade e na vida das pessoas. A liberdade não se compra, conquista-se. Com suor e lágrimas, se preciso for. A vida sem liberdade é vazia, sem dignidade.

O Estatuto da Advocacia Lei n° 8.906, de 4 de julho de 1994 deixa bem claro que a Ordem dos Advogados guarda, entre suas finalidades, a de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social e deve pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aprimoramento da cultura e das instituições jurídicas. Cabe-lhe também, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados.

Sua natureza é múltipla, ou, como ensina Paulo Lôbo9, ela é institucional e de polícia administrativa.

Após a independência, a advocacia ainda não estava organizada, todavia as Ordenações lusitanas em vigor previam que só podiam advogar os que houvessem cursado a Universidade de Coimbra, em Direito Canônico ou Direito Civil, durante oito anos, e, para atuar perante a Casa de Suplicação, deviam ter passado por prévio exame. Era a condição indispensável10.

Em 11 de agosto de 1827, D Pedro I cria as duas primeiras instituições de ensino superior: as Faculdades de Direito de São Paulo e de Olinda, podendo estas conferir os graus de bacharel e doutor11. Neste ano, comemoram-se os 180 anos de fundação. Em 1843, funda-se o Instituto dos Advogados Brasileiros, precursor da Ordem dos Advogados12. O artigo 2° dos seus estatutos previa que "o fim do Instituto é organizar a Ordem dos Advogados em proveito geral da ciência da jurisprudência".

A instituição da Ordem só vem a ocorrer com a edição do Decreto n° 19.408, de 18 de novembro de 1930, pelo Presidente Getúlio Vargas (artigo 17). O Decreto n° 20. 784, de 14 de dezembro de 1931, aprova o Regulamento, passando a vigorar em 31 de março de 1933, por força do Decreto n° 22.266, de 28 de dezembro de 1.932, seguindo o modelo francês do Barreau de Paris. A consolidação do Regulamento ocorreu com a edição do Decreto n° 22.478, de 20 de fevereiro de 1933, vigorando, com inúmeras alterações, até a promulgação da Lei n° 4.215, de 1.963. Em 1934, foi aprovado o primeiro Código de Ética da profissão.

Cite-se a figura do rábula que, sem possuir o curso de direito, obtinha autorização para postular em juízo, na primeira instância. O Brasil teve rábulas famosos, como Evaristo de Moraes, Cosme de Faria e Luis Gama. Mencione-se também o solicitador, previsto no primeiro estatuto (Regulamento da Ordem Decreto n° 22478, de 1933, e leis subseqüentes). A Lei n° 794, de 29 de agosto de 1949, permitia a inscrição de provisionados e solicitadores no quadro da OAB. A Lei n° 4215/63, previa, no artigo 47, a inscrição dos provisionados. Aos alunos do quarto ano, autorizava a lei a concessão da carta de solicitador13.

Exame de ordem

O exame de ordem não é novidade. As Ordenações Filipinas exigiam o exame para os que fossem atuar na Casa de Suplicação, em Portugal14.

Trata-se de uma forma de aquilatar os conhecimentos jurídicos básicos, técnicos e práticos daqueles que pretendem exercer a advocacia. Só a Ordem dos Advogados pode fazê-lo15, prestado perante o Conselho Seccional, onde o bacharel em direito concluiu o curso ou no local de seu domicílio eleitoral16.

Esse exame não contraria o princípio da liberdade profissional, estatuído no inciso XIII do artigo 5° da Constituição. Neste sentido, Paulo Lôbo, visto que o exercício de qualquer trabalho é livre, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Assim, a liberdade não é absoluta. A Carta não poderia, como não o faz, proteger o profissional sem qualificação, pondo em risco a vida, o patrimônio e a liberdade das pessoas.

Paulo Lobo cita, em abono a esse entendimento, a representação de inconstitucionalidade número 930. O STF decidiu ser constitucional a exigência dos requisitos e limitações à liberdade de exercício profissional previstos na lei, em atenção à determinação da Constituição de 1967, com a e Emenda n° 1, de 1969, que neste particular não destoa do atual Texto Magno.

A citada Lei n° 4.215/63 tornou obrigatório o exame de ordem para os que não tivessem feito o estágio, previsto neste diploma ou não tivessem comprovado satisfatoriamente o seu exercício e o resultado (artigo 53). Ficavam dispensados os egressos da...

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