Falta de qualidade de bem imóvel

AutorJosé Eduardo Dias Ribeiro da Rocha FROTA
CargoJurista estagiário da apDC
1. Enquadramento fáctico

Tendo a consumidora (reclamante), na sequência da celebração de um contrato-promessa de compra e venda de bem imóvel, adquirido o dito bem (uma fracção autónoma no último andar de um edifício de sete andares construído pela empresa....), pôde verificar, poucos dias depois da realização da escritura pública e logo que lhe foram entregues as chaves, a existência de algumas incorrecções (defeitos de vária ordem e importância), as quais impossibilitavam e impossibilitam ainda, posto que subsistem a fruição do prédio.

Os defeitos verificados quer na fracção autónoma quer nas partes comuns foram denunciados ao empreiteiro na mesma ocasião (finais de Janeiro, inícios de Fevereiro), tendo este se dignado a proceder às reparações necessárias na fracção autónoma apenas nos passados dias 29 e 30 de Agosto (ou seja, após sete meses contados a partir da denúncia), nada tendo feito ainda, porém, no respeitante às incorrecções ou defeitos verificados nas partes comuns.

Dentre os referidos defeitos remanescentes contam-se a falta de instalação dos ascensores e alguns detalhes de acabamento, os quais, como refere a reclamante, «são péssimos».

Para além disso, e muito embora mais de metade do prédio esteja já ocupado, não foi ainda constituída a administração das partes comuns, daí resultando todas as consequências no que toca à manutenção das partes respectivas, mais precisamente no que diz respeito à higiene, referindo a reclamante a sujidade verificada quer nas escadas quer nas paredes.

2. Enquadramento jurídico
2.1. Tipo contratual

Estamos aqui perante um contrato de compra e venda de bem imóvel, muito embora tal não seja uma posição unanimemente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, não nos parecendo, todavia, aceitável a qualificação como contrato de empreitada.

O Código Civil define, em seu artigo 1207.°, a empreitada como «o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço», sendo que por compra e venda deve entender-se, nos termos do artigo 874.° do mesmo diploma legal, «o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço».

No nosso caso temos um contrato de compra e venda de bem imóvel e, como tal, apenas sendo considerado válido se for celebrado por escritura pública (assim como resulta do artigo 875.°), o qual, no caso concreto, foi precedido por um contrato-promessa com o mesmo objecto, de modo que o comprador (a compradora no caso em apreço) nunca teve em mente a celebração de qualquer contrato de empreitada, muito embora a execução desta fosse indispensável para a conclusão da compra e venda.

2.2. Da validade do contrato

A utilização de edifícios ou de suas fracções, nos termos da alínea f) do n.° 3 do artigo 4.° do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), depende de autorização administrativa, o que se faz através da emissão da licença de utilização (ou licença de habitabilidade), destinada a «verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições do licenciamento ou autorização» (cfr. o n.° 2 do artigo 62.° do RJUE).

A emissão desta depende da observância das normas constantes dos artigos 63.° e ss. do RJUE. Nos termos do artigo 63.° deste diploma:

1 O requerimento de licença ou autorização de utilização deve ser instruído com termo de responsabilidade subscrito pelo responsável pela direcção técnica da obra, na qual aquele deve declarar que a obra foi executada de acordo com o projecto aprovado e com as condições da licença e ou autorização e, se for caso disso, se as alterações efectuadas ao projecto estão em conformidade com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis.

2 Se o responsável pela direcção técnica da obra não estiver legalmente habilitado para subscrever projectos de arquitectura, o termo de responsabilidade deve ser igualmente apresentado pelo técnico autor do projecto ou por quem, estando mandatado para o efeito pelo dono da obra, tenha a habilitação legalmente exigida para o efeito.

Daqui já resultaria a desnecessidade da realização da vistoria, uma vez que o termo de responsabilidade já assegura uma certa dose de certeza na boa execução da obra e consequente conformidade desta com o projecto aprovado pela Câmara. Não obstante, e para evitar quaisquer dúvidas que poderiam aqui surgir, o n.° 1 do artigo 64.° do mesmo diploma legal estabelece que «a concessão da licença ou autorização de utilização não depende de prévia vistoria municipal.», isto salvo o disposto no n.° 2 do mesmo preceito, nos termos do qual: «o presidente da câmara municipal pode determinar a realização de vistoria, no prazo de 15 dias a contar da entrega do requerimento referido no artigo anterior, se a obra não tiver sido inspeccionada ou vistoriada no decurso da sua execução ou se dos elementos constantes do processo ou do livro de obra resultarem indícios de que a mesma foi executada em desconformidade com o respectivo projecto e condições da licença, ou com as normas legais e regulamentares que lhe são aplicáveis.»

A letra deste preceito é manifestamente insuficiente, devendo ter-se previsto igualmente a necessidade de se proceder à fiscalização da obra sempre que a empresa em questão não demonstre o devido zelo pelo nome, assim como sucede com a empresa que, segundo pudemos apurar, não é das mais fiáveis do sector.

No que toca a licenças de habitabilidade de edifícios constituídos em propriedade horizontal, estabelece o artigo 66.° do RJUE:

1 No caso de edifícios constituídos em regime de propriedade horizontal, a licença ou autorização de utilização pode ter por objecto o edifício na sua totalidade ou cada uma das suas fracções autónomas.

2 A licença ou autorização de utilização só pode ser concedida autonomamente para uma ou mais fracções autónomas quando as partes comuns dos edifícios em que se integrem estejam também em condições de serem utilizadas.

(...)

Dependendo a celebração da escritura pública da prévia emissão da denominada licença de habitabilidade e tendo em conta que esta foi erroneamente emitida, daqui resulta que o contrato de compra e venda padece, indubitavelmente, de vícios, os quais devem ser sanados com vista a torná-lo plenamente válido e eficaz, saneamento este que depende do cumprimento integral da prestação e mais precisamente da instalação dos ascensores.

2.2.1. Das consequências (para o técnico) da assinatura do termo de responsabilidade de obra não conforme com o projecto

Não dependendo a emissão da licença de habitabilidade, como vimos, de vistoria prévia para a averiguação da conformidade da obra entregue com o projecto autorizado, salvo os casos previstos pelo n.° 2 do artigo 64.° do RJUE, bastando, para tal, que o requerimento de emissão seja instruído com termo de responsabilidade, isso significa que este documento assinado faz fé de que a obra se encontra plenamente executada e conforme ao projecto.

Daqui deriva que o responsável pela obra que assine o termo de responsabilidade, mesmo nos casos de esta não se apresentar em conformidade com o projecto, deverá estar sujeito a sanções.

A este respeito estabelece a alínea e) do n.° 1 do artigo 98.° do RJUE que constitui contra-ordenação «as falsas declarações dos autores dos projectos no termo de responsabilidade, relativamente à...

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