Acórdão de 12 de Janeiro de 2010 do Supremo Tribuna de Justiça

I - Os prazos de caducidade previstos no art. 917.° do CC para a acção de anulação de venda de coisa defeituosa aplicam-se aos demais meios de reacção do comprador contra aquela venda: reparação/substituição da coisa, redução do preço, resolução do contrato ou indemnização.

II - Prevendo a Directiva Comunitária n.° 1999/44/CE, de 25-05-1999, que os meios de defesa do comprador-consumidor de coisa defeituosa ali previstos: reparação/substituição da coisa, redução do preço e rescisão, não possam caducar antes de decorridos dois anos da entrega da coisa em causa, não respeitou tal norma o DL n.° 67/2003, de 08-04, que, declarando proceder à transposição da Directiva, manteve o prazo de seis meses para a caducidade daqueles direitos, que já constava quer da LDC Lei n.° 24/96, de 31-07 quer do art. 917.° do CC.

III - As Directivas Comunitárias têm aplicação directa no ordem jurídica interna mesmo entre particulares, ou seja, têm efeito horizontal mesmo que não transpostas ou transpostas em termos que as violem, desde que haja decorrido o prazo para a sua transposição e sejam suficientemente claras e precisas, se mostrem incondicionais e não estejam dependentes da adopção de ulteriores medidas complementares por parte dos Estados Membros.

Revista n.° 2212/06.4TBMAI.P1.S1 - 6.ª Secção

João Camilo (Relator) *

Fonseca Ramos

Cardoso de Albuquerque

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA instaurou, no Tribunal Judicial da comarca da Maia, acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, contra as sociedades comerciais BB - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA, e CC MOTOR DE PORTUGAL, LDA, pedindo a condenação solidária das duas rés a pagarem-lhe a quantia de 34.677,89¤, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência da venda, pela 1.ª ré, enquanto concessionária da 2.ª ré, de um veículo, da marca CC, com um defeito de fabrico ao nível da embraiagem, que lhe causava frequentes avarias e afectava o seu normal funcionamento, acrescida de juros de mora, a contar de 15-03-2006, em relação à indemnização por danos patrimoniais, e a contar da data da citação quanto à indemnização por danos não patrimoniais.

As duas rés contestaram por excepção e por impugnação.

A BB alegou, por excepção, a caducidade da acção, pelo decurso do prazo previsto nos arts. 5.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 67/2003, de 09-04, 12.°, n.° 3, da Lei n.° 24/96, de 31-07, e 917.° do Código Civil; e por impugnação, descreve uma diferente versão das causas das avarias do veículo, as quais atribui, não a erro de fabrico, mas a uso excessivo e inadequado da embraiagem.

A CC alegou, por excepção, a sua ilegitimidade passiva e a caducidade da acção; e por impugnação, alegou que, nas várias inspecções feitas ao veículo, nenhum defeito de fabrico foi detectado, admitindo os técnicos que as avarias fossem resultantes da inadaptação da autora ao veículo e, designadamente, da utilização em demasia da embraiagem. Ambas concluindo pela improcedência da acção e a consequente absolvição do pedido.

A autora respondeu à matéria das excepções.

No despacho saneador, foi apreciada e julgada procedente a excepção dilatória da ilegitimidade da ré CC MOTOR DE PORTUGAL, LDA, que foi absolvida da instância (fls. 175-177). E foi remetido para a sentença o conhecimento da excepção peremptória da caducidade da acção (fls. 177).

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou procedente a excepção da caducidade da acção e absolveu do pedido a ré BB - COMÉRCIO AUTOMÓVEL, LDA.

Desta decisão foi interposto recurso de apelação pela autora, tendo na Relação do Porto a apelação sido julgada improcedente.

Mais uma vez inconformada, veio a autora interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas e das quais se deduz que aquela, para conhecer neste recurso, levanta as seguintes questões:

a) A indemnização decorrente de venda de coisa defeituosa, não estando prevista quer na Directiva n.° 1999/44/CE quer no Decreto-Lei n.° 67/2003 de 8/4, apenas está prevista na Lei de Defesa do Consumidor e, por isso, não tem prazo curto, pelo que está sujeita apenas ao prazo geral do art. 309.° do Cód. Civil?

b) De qualquer maneira, o prazo de prescrição previsto no Decreto-Lei n.° 67/2003 é inaplicável por violar a referida directiva comunitária?

c) Caso o tribunal tenha dúvidas sobre a interpretação da Directiva em causa deve ser submetido ao Tribunal de Justiça da União Europeia que sobre a mesma se pronuncie, nos termos do art. 234.° do Tratado de Roma?

d) O Decreto-Lei n.° 84/2008 de 21/05 tem natureza interpretativa do Decreto-Lei n.° 67/2003?

A recorrida BB contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.

Como é sabido arts. 684.°, n.° 3 e 690.°, n.° 1 do Cód. de Proc. Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.° 303/2007, de 24/08, aqui aplicável porquanto está em causa acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008 e por força do disposto no n.° 1 do art. 11.° do citado Decreto-Lei n.° 303/2007, o regime introduzido por este diploma legal não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.° do mesmo decreto-lei) , o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.

Já vimos acima as concretas questões levantadas pela recorrente como objecto deste recurso.

Mas antes de mais, há que especificar a matéria de facto apurada pelas instâncias e que é a seguinte:

  1. Em 11 de Novembro de 2004, a ré BB e a autora declararam verbalmente ajustar entre si que a primeira vendia à segunda, pelo preço de 33.000,00 ¤, o veículo automóvel de marca CC, modelo .......-......-.... - CD, ano de 2004, a gasóleo, com o exterior de cor cinza titânio, com a matrícula ..............., tendo a segunda declarado aceitar esta compra [al. A) dos factos assentes].

  2. O identificado veículo encontra-se registado em nome da autora, através de inscrição datada de 9 de Dezembro de 2004, com o n.° 4370 [al. B) dos factos assentes].

  3. A ré BB, à data de 11 de Novembro de 2004, era concessionária da CC MOTOR PORTUGAL [al. C) dos factos assentes].

  4. No dia 28 de Janeiro de 2005 a autora accionou o seguro de viagem da CC e o identificado [veículo] foi levado para o concessionário da CC em Vila Real [al. D) dos factos assentes].

  5. No dia 14 de Fevereiro de 2005 a autora dirigiu-se à BB, na Maia, onde foi atendida por DD director do serviço de "pós-vendas" da marca [al. E) dos factos assentes].

  6. A autora propôs à BB um teste dinâmico à viatura, pela BB ou pela CC, durante duas ou três semanas, para perfazer mais 3.000 - 4.000 km [al. F) dos factos assentes].

  7. Durante esse mesmo período, a ré distribuiria à autora um outro [veículo] Mazda 6, com as mesmas características, para verificar se o problema era da deficiente condução da autora [al. G) dos factos assentes].

  8. Mas a BB não aceitou esta solução [al. H) dos factos assentes].

  9. Com a data de 16 de Setembro de 2003 a CC emitiu um documento denominado "Guia de Reparação", cuja cópia consta de fls. 111 e 112, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido [al. I) dos factos assentes].

  10. A autora decidiu manter o contrato mencionado em 1) [al. J) dos factos assentes].

  11. Alguns dias decorridos sobre a data de 11 de Novembro de 2004, a autora verificou que do veículo emergia um cheiro a borracha queimada [resposta ao n.° 1 da b.i.].

  12. O veículo tinha dificuldades no engate das velocidades [resposta ao n.° 3 da b.i.].

  13. De...

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