Julgamento da matéria de facto

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas75-84

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Tentativa de conciliação, instrução e debates, eis as fases da audiência de discussão e julgamento que acabaram de ser objecto da nossa análise.

Falta fazer o enfoque da fase do julgamento da matéria de facto. 146 Porventura, a parte mais relevante da audiência de discussão e julgamento. Numa síntese, poder-se-á dizer que se trata da resposta aos factos indicados como controvertidos.

O n.º 1, do art. 653.º do C.P.C. pontifica:

«Encerrada a discussão, o tribunal recolhe à sala das conferências para decidir; se não se julgar suficientemente esclarecido, pode voltar à sala da audiência, ouvir as pessoas que entender e ordenar mesmo as diligências necessárias.» «Encerrada a discussão, o tribunal recolhe à sala das conferências».

Pois é: como o tribunal é colectivo, a resposta à matéria instrutória pressupõe conferência prévia entre os juízes para se apurar a resposta a dar, isto é, a decisão a proferir quanto a cada facto controvertido. 147

O que pode envolver discussão entre os magistrados componentes do colectivo. E, também, a votação entre eles.

Dela podendo resultar unanimidade. Quando não, sempre a decisão terá que ser por maioria. E a decisão, sob a forma de acórdão é lavrada pelo presidente, podendo este, assim como, qualquer dos seus asas, assinar vencido quanto a qualquer ponto da decisão ou formular declaração divergente quanto à fundamentação. 148

Permite, deste modo, a qualquer dos juízes que integram o colectivo possa - para além de assinar vencido quanto a qualquer ponto ou parcela da decisão sobre a matéria de facto - formular declaração divergente quanto à fundamentação (maioritariamente) adoptada.

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Deste modo, 149 considerando embora provado ou não provado certo facto, é lícito a qualquer dos juízes apontar outro modo ou via de formação da sua convicção pessoal - o que poderá ter interesse manifesto se tiver havido recurso sobre a decisão de facto e à Relação cumprir a reapreciação da decisão tomada pelo colectivo.

O colectivo não pode pronunciar-se sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que já estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. 150

Da conferência provém, naturalmente, uma decisão a declarar quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados.

Mas não só, da mesma decisão, deve constar uma análise critica das provas produzidas e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. 151

Ao julgamento da matéria de facto, como, aliás, as mais decisões jurisdicionais cumpre, em geral, duas funções:

  1. uma, de ordem endoprocessual, que visa, essencialmente, impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitindo às partes o recurso desta com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente com o decidido;

  2. outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz «ad quem», que procura, acima de tudo, tornar possível o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão - e que visa garantir, em última análise, a «transparência» do processo e do aresto. 152

Se, durante a conferência, o tribunal sentir dúvidas, não se ter como bem esclarecido, pode voltar à sala da audiência, ouvir as pessoas que entender e mesmo ordenar as diligências que repute por necessárias. 153

Se forem ordenadas diligências é bem possível que fique adiada a leitura do acórdão. Tudo dependendo, como é natural, do lapso temporal necessário para cumprimento das diligências ordenadas.

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Mas, com ou sem diligências, com mais ou menos prolongamentos temporais, os juízes voltam à sala da audiência para proceder, pela voz do presidente, à leitura do acórdão. 154

Finda esta, o acórdão é facultado para exame a cada um dos advogados para, querendo, reclamarem, caso o entendam, contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta da respectiva motivação.

Para examinarem e, eventualmente, reclamarem, terão os advogados o tempo que se revelar razoável para uma apreciação ponderada, tendo em conta a complexidade da causa.

Repare-se que a lei espartilha os advogados, fixando-lhe a fundamentação para reclamarem: por deficiência, por obscuridade, por contradição.

Deficiência - nas respostas o tribunal olvidou algum ou alguns factos sobre que formulara indagação; 155

Obscuridade - o tribunal proferiu decisão cujo sentido exacto não pode determinar.

-se com segurança; Contradição - a resposta ou respostas dadas a um facto controvertido colidem com as fornecidas em relação a outro ou outros.

Havendo reclamações o tribunal recolhe novamente para sobre a mesma se pronunciar, não sendo admitidas novas reclamações contra a decisão que proferir.

Se entender que as reclamações tem razão de ser, obviamente, corrigirá os vícios apontados pelo(s) reclamante(s).

E, assim: Deficiência - o tribunal completará a resposta que havia dado; Obscuridade 156 - o tribunal esclarecerá a decisão que houvera proferido; Contradição - o tribunal harmonizará as respostas que se confrontaram.

Se, porém, o tribunal considerar infundadas as reclamações, não bastará dizer não, terá que justificar porque assim o decide.

Seja, pois: o tribunal confeccionará um novo acórdão, num ou noutro sentido que, por seu turno, será lido, como o anterior, pelo presidente do colectivo. 157

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Pode, contudo, suceder que subsistam nos autos os dois acórdãos, o antes e o pós reclamações.

Quando não se anulem, o segundo não conflitua com o primeiro, antes o completa, o esclarece num que noutro ponto.

Posto que não sejam admitidas segundas reclamações, podem, outrossim, as decisões sobre estas ser objecto de recurso. 158

Aliás, em recurso, a Relação pode, mesmo ex officio, anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão 159 sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta.

Isto, quando não constem de processo todos os elementos probatórios 160 que permitam a reapreciação da matéria de facto.

Quando a...

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