Acórdão de 28 de Maio de 2003 do Tribunal da relação de coimbra

- Maria Manuela Carona Mendes Correia, solteira, jornalista nascida a 29/4/71 na freguesia de Santo Ildefonso, concelho do Porto, e residente na Rua do Jasmim, n.° 12, 10 Dt.°, em Lisboa; e

- Manuel Jorge Fernandes Fidalgo, casado, consultor, nascido a 16/1/65 em Angola, e residente na Rua Maria Amália Vaz de Carvalho, torre 5 10 C, em Santo António dos Cavaleiros, Loures foram pronunciados pela prática de um crime de difamação previsto nos artigos 180.° e 183.° do C.P.

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O assistente, Mário Angelo Leitão Frota, deduziu a fls. 395 e ss. dos autos, pedido de indemnização civil, pedindo que os arguidos fossem condenados, solidariamente a indemnizá-lo na quantia de 5.014.000$00, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

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Efectuado julgamento, deu-se como provado.

  1. O assistente é professor universitário de Direito e, a título gracioso presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC).

  2. Na edição de 23 de Outubro de 1998 do semanário «O Independente», editado em Lisboa, do qual era articulista a arguida Manuela Carona, no artigo intitulado

    Legítima Defesa

    constante de fls. 34 a 40 do apenso 1, a arguida escreveu «Quem o diz é Mário Frota um homem que dedica grande parte do seu tempo a criticar a Deco», reportando-se à afirmação feita pelo assistente de que «A ProTeste é uma revista que incita ao consumismo, que agride os consumidores».

  3. Mais à frente, no mesmo artigo, a arguida escreveu «Manuel Fidalgo tem a resposta na ponta da língua 'O Mário Frota é um caso patológico, um homem que apresentou projectos ao Instituto do Consumidor, recebeu dinheiro e nunca o chegou a aplicar'».

  4. O arguido Manuel Fidalgo, na altura, exercia o cargo de secretário-geral adjunto da Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO).

  5. O artigo em questão foi elaborado por ocasião do 25.° aniversario da DECO, com base, entre outros elementos, numa conversa telefónica de cerca de duas horas com o assistente, que se encontrava no Brasil, e numa conversa presencial com o co-arguido, durante a qual a arguido Manuela Carona tirou apontamentos num bloco de notas.

  6. O arguido Manuel Fidalgo não proferiu a expressão referida no ponto 3 tal como a mesma foi publicada, embora tenha conversado com a co-arguida Manuela Carona acerca de subsídios para projectos ao nível do consumo. Quando leu o artigo, o arguido Manuel Fidalgo ficou perplexo e indignado.

  7. No dia 29 de outubro de 1998, o arguido Manuel Fidalgo enviou ao jornal «O Independente» o fax cuja cópia está junta a fls. 511, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, no qual nega ter produzido ou afirmado o que lhe é imputado relativamente ao assistente no artigo em questão, que veio a ser publicado no jornal de 13 de Novembro de 1998.

  8. O artigo intitulado «Legítima Defesa» motivou ainda três outras cartas, cujo teor consta de fls. 54, subscritas pelo Juiz-conselheiro José Maria Gonçalves Pereira, uma delas, e pelo editor da Edideco, João Dias Antunes, as restantes.

  9. As cartas mencionadas no ponto anterior foram objecto de uma nota do editor, que admite ter havido uma má interpretação por parte do jornal, comprovada pela AACS (Alta Autoridade para a Comunicação Social).

  10. Relativamente ao fax mencionado no ponto 7, o editor afirmou «não entraremos num pingue-pongue de verdades com o sr. Manuel Fidalgo, pelo que publicamos aqui a sua versão de parte da conversa havida com a jornalista».

  11. O assistente é uma figura pública, nomeadamente no âmbito da promoção dos interesses e direitos dos consumidores.

  12. O assistente intervém, em representação da APDC, em programas de televisão e em estações de radiodifusão, colabora regularmente em vários jornais nacionais, regionais e locais, dirige a Revista do Consumidor editada em Coimbra e a Revista Portuguesa de Direito do Consumo, sem receber proventos.

  13. O assistente desfruta de prestigio, tanto em Portugal, como noutros países, em particular no Brasil, pautando a sua vida pela probidade e honestidade.

  14. O assistente nunca requereu em seu nome subvenções ou apresentou projectos e os apresentados em nome da APDC foram concretizados.

  15. Ao escrever e publicitar as expressões referidas no ponto 3, a arguida Manuela Carona sabia que era posta em causa a imagem e a dignidade do assistente enquanto pessoa honesta.

  16. A arguida agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  17. A arguida Manuela Carona é primária e o arguido Manuel Fidalgo foi condenado em 9/12/96 pela pratica de um crime de uso de documento de identificação alheio e de dois crimes de falsificação de documento, em pena de multa.

  18. O arguido Manuel Fidalgo nutre respeito pelo assistente e pela sua actuação ao nível do direito do consumo.

  19. A arguida é jornalista ha cerca de 7 anos, saiu do jornal «O Independente» em Novembro de 2001, encontra-se inscrita no Centro de Desemprego, auferindo mensalmente 778,112 euros, vai reiniciar brevemente, a actividade de jornalista como «free-lancer», vive sozinha em casa própria, pagando mensalmente 423,98 euros de prestação da mesma, tem um Fiat Punto do ano de 1999. A arguida é uma pessoa calma e educada.

  20. O arguido e consultor no Centro Europeu do Consumidor auferindo 11147,24 euros por mês, vive com a esposa e uma filha menor em casa própria: paga 523,74 euros de prestação da casa por mês: a sua esposa é funcionária da Comissão para a

    Igualdade das mulheres tem um Lancia Y com três ou quatro anos, pagando cerca de 150 euros por mês de prestação do mesmo. O arguido é uma pessoa educada, gozando de boa reputação e prestígio no seu meio social.

  21. O assistente é uma pessoa corajosa, denunciando as actuações quer dos poderes e instituições públicos, quer das instituições privadas que, em seu entender, põem em causa o estatuto do consumidor, nomeadamente, o assistente tem vindo a criticar publicamente a Deco e em especial, a Edideco Lda.

  22. Em consequência da publicação do artigo «Legitima Defesa», o assistente sentiu-se ofendido na sua honra e reputação, tendo ficado profundamente prostrado.

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    Não se provaram os restantes factos descritos na pronúncia, no pedido de indemnização civil e nas contestações, nomeadamente:

    - que tenha sido o arguido Manuel Fidalgo a produzir a frase mencionada no ponto 3, visando denegrir a honra do assistente;

    - que o assistente tenha sido atingido na sua dignidade moral pelo facto de ter de enfrentar as turmas de escolares de direito e de intervir nos media;

    - que a arguida se tenha limitado a relatar factos de cuja veracidade não tinha motivos para duvidar;

    - que a frase transcrita no ponto 3 dos factos provados constitua a resposta do co-arguido Manuel Fidalgo às críticas que lhe eram dirigidas pelo assistente;

    - que a arguida tenha actuado motivada pelo interesse público de demonstrar que os movimentos associativos concorrem entre si com vista à obtenção de uma maior influencia na opinião pública e política;

    - que a arguida tenha cumprido todos os requisitos de investigação, procedendo a uma análise cuidada das suas fontes e informações;

    - que a arguida tivesse fundamento sério para reputar a informação como verdadeira.

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    MOTIVAÇÃO.

    A convicção do Tribunal alicerçou-se no teor do artigo publicado no jornal «O Independente», constante do apenso I, do fax enviado pelo arguido ao jornal, de fls. 51 a 53,e da copia da pagina de «0 Independente» de 13/111/98 contendo as quatro cartas enviadas em reacção ao artigo, de fls. 54.

    Relativamente à autoria da frase constante do ponto 3 dos factos provados, temos que o arguido Manuel Fidalgo negou tê-la proferido enquanto a arguida Manuela Carona reafirmou ter ouvido a mesma da boca do co-arguido quando o entrevistou.

    Em princípio, seria a palavra de um dos arguidos contra a do outro apenas.

    Porém, analisando de forma crítica toda a prova produzida em audiência, chegamos à conclusão vertida no ponto 6 dos factos provados.

    Vejamos.

    A conversa tida entre os arguidos, previamente à elaboração do artigo e tendo este em vista, não foi, conforme ambos referiram, uma «entrevista de pergunta-resposta», foi antes um diálogo que versou sobre vários assuntos, sendo que no decurso do mesmo a arguida ia tirando as suas notas num caderno ou bloco de apontamentos. Assim, conforme equacionou a testemunha Carlos Enes, que foi jornalista no jornal «o Independente» até há cerca de dois anos, provavelmente a arguida, ou elaborou as suas notas de forma errada, ou interpretou-as incorrectamente, posteriormente, quando escreveu o artigo - tanto mais que as notas, no contexto de uma conversa, tem de ser tiradas de forma...

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