A publicidade do medicamento na europa e seus reflexos no ordenamento jurídico português

AutorMário FROTA
CargoDirector do Centro de Estudos de Direito do Consumo Professor Convidado da Universidade Paris XII
1. Generalidades

O tema é em si controverso, tanto mais que o medicamento é, em princípio, um produto ético insusceptível de se confundir com os produtos e serviços em geral disponíveis no mercado. Mais por razões de natureza mercadológica que de saúde pública, a dicotomia medicamentos sujeitos (obrigatoriamente) a prescrição clínica e não sujeitos a tal (a receita médica) perturba a percepção dos termos da questão. Os Códigos da Publicidade ou as leis que regem em domínio tão sensível das relações interempresariais e entre empresas e consumidores proclamam à uma "[...] é proibida a publicidade a medicamentos e a tratamentos médicos". Porque se entende exactamente que se trata de um segmento que releva da saúde pública e que interesses mercantis sejam de que espécie1 forem jamais poderão afectar ou afrontar.

O facto é que os fármacos não são em si inócuos e, por conseguinte, nem sempre de uma perspectiva científica se justifica a fractura conceptual entre medicamentos sujeitos e não sujeitos a prescrição médica. Tanto mais quando medicamentos fundados em um mesmo princípio activo figuram com nomes de fantasia distintos em ambas as listas, o que é fruto ou da incúria dos governos que as convertem em lei ou da distracção dos sábios de cuja pena emanam as propostas de constituição das tabelas a que os medicamentos se adscrevem. A Directiva 92/28/CEE, do Conselho, de 31 de Março de 1992, estabeleceu na Comunidade Europeia, pela vez primeira, o regime jurídico da publicidade dos medicamentos para uso humano. Cerca de uma década depois, a Directiva 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, revogou o anterior instrumento normativo, codificando as normas aplicáveis aos medicamentos2, inscrevendo o regime da publicidade que lhes quadra nos seus artigos 86 a 1003.

As directivas, conquanto emanadas das instâncias legiferantes da União Europeia, carecem, porém para que se imponham na ordem interna de cada um dos Estados , de um processo normativo de transposição. Tal processo, a desencadear intra muros (a União Europeia está ainda distante do modelo federalista que tantos advogam como figurino político desejável)4, é imprescindível para que as normas se tornem, em princípio, efectivas e vinculem os seus destinatários no espaço jurídico de que se trata. O regime aprovado pela directiva por último enunciada, e que recobre em geral as regras da que a precedeu, não se aplica à rotulagem e ao folheto informativo (bula) que acompanham os medicamentos para uso humano; à correspondência, a que se anexe eventual documento de pendor não publicitário, necessária à resposta a uma pergunta específica sobre determinado medicamento; às informações concretas e aos documentos de referência susceptíveis de concretizar alterações de embalagem, às advertências sobre efeitos adversos no âmbito da farmacovigilância, bem como aos catálogos de venda e às listas de preços, desde que não contenham informação sobre o medicamento; às informações relativas à saúde humana ou a doenças humanas, desde que não façam referência, ainda que de forma indirecta, a um medicamento.

Essas disparidades têm repercussões no funcionamento do mercado interno, na medida em que a publicidade difundida num Estado-membro pode produzir efeitos nos outros Estados-membros".

E no considerandum imediato o (44) regista: "a Directiva 89/552/CEE, do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros [atinentes] ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva, proíbe a publicidade televisiva de medicamentos que apenas sejam `vendidos' mediante receita médica no Estado-membro a cuja esfera de competência pertence o organismo de radiodifusão televisiva. Justifica-se generalizar este princípio, tornando-o extensivo a outros meios de comunicação".

O propósito é, pois, o de harmonizar as regras vertidas em cada um dos ordenamentos jurídicos (que não uniformizar, como se tem por pacífico, porque, a ser assim, o figurino normativo seria o do regulamento que não o da directiva), conquanto neste particular, a não haver uma mesma bitola para a aferição das listas de medicamentos sujeitos e não sujeitos a prescrição médica obrigatória, o que num dos Estados-membros figura no rol dos sujeitos a receita, noutro pode bem constar da lista dos não sujeitos a prescrição imperativa. O que em termos de publicidade transfronteiras pode originar sérias perturbações. Curial seria que as listas fossem concertadas no seio da Agência Europeia do Medicamento por forma a obviar às disparidades observadas no quotidiano.

2. A publicidade do medicamento stricto sensu

Considera-se, porém, publicidade dos medicamentos "[...] qualquer acção de comunicação, de informação, de prospecção ou de incentivo destinada a promover a sua prescrição, dispensa, venda ou consumo". Abrange, em especial, a publicidade dos medicamentos junto do público em geral5, a publicidade dos medicamentos junto das pessoas habilitadas a receitá-los ou a fornecê-los, a visita de delegados de propaganda médica a pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos, o fornecimento de amostras de medicamentos, o incentivo à prescrição ou ao fornecimento de medicamentos, através da concessão, oferta ou promessa de benefícios pecuniários ou em espécie, excepto quando o seu valor intrínseco seja insignificante, o patrocínio de reuniões de promoção a que assistam pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos, o patrocínio de congressos científicos em que participem pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos, nomeadamente a tomada a cargo das respectivas despesas de deslocação e estadia nessa ocasião.

No plano das proibições ou das restrições, assinale-se a proibição da publicidade de medicamentos cuja autorização de introdução no mercado não haja sido concedida; a proibição condicionada de publicidade de medicamentos cuja dispensa dependa obrigatoriamente de receita médica. A proibição é, porém, relativa, atinge inexoravelmente a publicidade que haja por universo-alvo o grande público, admite-se em publicações técnicas ou em suportes de informação exclusivamente destinados aos facultativos (médicos) ou aos mais profissionais da saúde.

A publicidade, porém, qualquer que seja tomando por base os medicamentos sujeitos ou não imperativamente a receita médica condicionada se acha a um sem número de restrições, a saber: deve promover o uso racional dos medicamentos, fazendoo de forma objectiva e sem que se exagere as suas propriedades; deve ser concebida de maneira que a mensagem publicitária apareça claramente expressa, indicando tratarse de um medicamento; não pode divergir das informações constantes do resumo das características do medicamento, tal como foi autorizado; não pode ser enganosa. A publicidade que os laboratórios de especialidades farmacêuticas ou quaisquer outros operadores intentem efectuar e se destina ao universo de consumidores tem de oferecer um sem número de elementos, como segue: o nome do medicamento, bem como a denominação comum, caso o medicamento contenha apenas uma substância activa; indicações terapêuticas e precauções especiais; informações indispensáveis ao uso adequado do medicamento; aconselhamento ao utente para ler cuidadosamente as informações constantes da embalagem externa ou do folheto informativo e, em caso de dúvida, consultar o médico quando persistam os sintomas.

A publicidade carreada, porém, aos facultativos, ou seja, aos prescritores terá de incluir imperativamente o que segue: um resumo das características do medicamento; a classificação do medicamento para efeitos de dispensa, nomeadamente indicação de prescrição médica obrigatória, se for caso disso; o preço das várias apresentações; o regime de comparticipação. Se de medicamento susceptível de comparticipação, os valores suportados pela administração pública e pelo consumidor ter-se-ão de discriminar em moeda com curso legal, atentos os distintos regimes de comparticipação.

No que tange, porém, à publicidade que por alvo tiver o universo de consumidores, há elementos que de todo o regime em vigor veda6. Na realidade, a lei coíbe que as mensagens contenham elementos que levem a concluir que a consulta médica ou a intervenção cirúrgica é desnecessária, em particular sugerindo um diagnóstico ou preconizando o tratamento por correspondência; sugiram que o efeito do medicamento é garantido, sem efeitos secundários, com resultados superiores ou equivalentes aos de outro tratamento ou medicamento; sugiram que o estado normal de saúde da pessoa possa ser melhorado através da utilização do medicamento; sugiram que o estado normal de saúde da pessoa possa ser prejudicado caso o medicamento não seja utilizado, excepto no que diga respeito às campanhas de vacinação; se dirijam exclusiva ou principalmente a crianças; façam referência a uma...

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