O ministério público brasileiro e a defesa do consumidor

AutorAlcino Oliveira de MORAES
CargoPromotor de Justiça
I Introdução

Incumbiu-me o querido amigo Mário Frota de tecer alguns comentários sobre a atuação do Ministério Público brasileiro na defesa do consumidor. Tal solicitação, que para mim tem a mesma valia de uma ordem, ao tempo que me enche de orgulho e satisfação, também me causa muita preocupação, por isso que não sei se poderei corresponder à altura o desiderato.

Como não sou nenhum literato ou doutrinador, de antemão peço escusas por eventuais falhas que venham a ser cometidas no decorrer na matéria.

Assim sendo, procurarei trabalhar o assunto apenas sob a ótica da percepção prática de minha atuação profissional, como Promotor de Justiça de Defesa do Consumidor em Macapá, estado do Amapá (Brasil), uma vez que não recorrerei a dados estatísticos ou mesmo a citações doutrinárias ou jurisprudenciais.

Tentarei traçar um panorama global de defesa do consumidor no Brasil, comentando os aspectos institucionais e também outros que influíram sobremaneira para que alcançássemos o atual estágio em nosso País.

Mas é preciso que, antes, a questão seja situada no tempo e no espaço. O Ministério Público brasileiro passou por uma profunda transformação vocacional após a promulgação da constituição federal de 1988, através da qual se lhe conferiram inúmeras atribuições, deixando de ser apenas o persecutor penal para se constituir também num braço forte de defesa da cidadania; em decorrência de determinação constitucional, logo depois, em 1990, tivemos o advento da edição do nosso Código de Defesa do Consumidor, o qual acabou por influir direta ou indiretamente em inúmeras outras áreas, para a implementação ou sedimentação de políticas de cunho social.

É certo que muito já se fez no curto espaço de pouco mais de uma década, a partir dos dois fatos supra citados. Mas também é certo que muito mais ainda há para se fazer. Temos muito a avançar e conquistar, a fim de que a defesa do consumidor não seja apenas retórica por parte de alguns governos estaduais e passe a se constituir num elemento definitivo e assegurador do exercício de parte das liberdades públicas, qual seja o de poder decidir livremente sobre o quê, quando e como comprar produtos ou serviços. Ainda há muito trabalho pela frente, notadamente a implementação dos direitos básicos do consumidor e dos princípios elencados no CDC.

Então, vamos ao tema proposto.

II Modificação constitucional do ministério público a partir de 1988 e a edição do CDC em 1990

Como já disse acima, o Ministério Público brasileiro passou por uma profunda modificação em sua estrutura institucional a partir da promulgação da Constituição Federal em outubro de 1988.

Antes, nossa atuação praticamente se restringia à esfera penal (preponderante) e algumas incursões na esfera cível (inventários, família, falências e concordatas e fazenda pública) e algumas outras áreas, como trabalhista (acidentes de trabalho) e eleitoral. Atualmente, a esfera de incidência de nosso trabalho abrange um leque muito grande de atribuições, pois, além daquelas anteriormente conferidas, passamos a atuar também na defesa do consumidor, do meio-ambiente, da infância e juventude, do idoso, dos portadores de deficiência, do patrimônio público e cultural. Tais atribuições passaram a ser exercidas de uma forma mais especializada e interligada entre os vários ministérios públicos estaduais e o federal.

É certo que já tínhamos algumas legislações, embora tímidas, destinadas à defesa do consumidor. Mas nada tão específico e eficaz como o nosso atual CDC Código de Defesa do Consumidor, editado em 1990, o qual é considerado uma das melhores legislações de proteção e defesa do consumidor que se tem notícia atualmente. Infelizmente, em nosso País temos uma situação muito esquisita: existem "leis que pegam e leis que não pegam". Para um estrangeiro é meio difícil entender isso. Mas aqui, tal fato é comum, decorrente ora da indolência cultural do povo, ora pela total inoperância ou incompetência dos poderes constituídos. Mas, para nossa alegria em especial, o CDC é uma dessas leis que "pegou".

Assim, esses dois fatos se constituíram em dois grandes marcos que alavancaram definitivamente o exercício da cidadania no País, pois o desempenho do Ministério Público na defesa de outros direitos difusos e coletivos teve como espelho a atuação na defesa do consumidor. A partir daí é que se incrementou mais o trabalho nas demais áreas, de modo que podemos dizer que, nessa fase pós-constituição de 1988, a defesa do consumidor, por ter tido um maior destaque desde o início, constituiu-se, inegavelmente, na grande mola propulsora para a defesa dos demais direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

III Atuação institucional do ministério público

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, todas as legislações inferiores tiveram que ser adaptadas, a fim de que se desse a instrumentalidade necessária para uma atuação efetiva para o cumprimento das novas tarefas que estavam sendo atribuídas ao MP. Assim, tanto as constituições estaduais como as legislações federal e estaduais do MP tiveram que se adequar ao mandamento constitucional federal. Veio então a Lei Federal n.° 8.625/93, que é a Lei Orgânica do Ministério Público, em substituição à vetusta Lei Complementar n.º 40. Criou-se então a figura do Ministério Público social, que tem se constituído no principal vertedouro das ações civis públicas em defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Houve, em decorrência de tal legislação, a determinação para que todos os Ministérios Públicos estaduais criassem e instalassem promotorias de justiça especializadas na defesa do consumidor. Desta forma, hoje todas as capitais estaduais têm suas promotorias de justiça de defesa do consumidor, assim como várias outras grandes cidades do interior; naquelas em que não há uma promotoria específica, o promotor acumula a atribuição com a que for titular, normalmente na área cível.

É de se ver que, como foi o nosso caso em Macapá por mais de dez anos, em algumas capitais que não tinham o PROCON criado ou instalado, o Ministério Público tomou a frente e garantiu aos consumidores individuais o seu atendimento, notificando o fornecedor e promovendo e homologando o necessário acordo, com a expedição de um termo que, por definição legal, constitui-se num título executivo extrajudicial, conforme o preceito contido no Art. 585, Inc. II do Código de...

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