O ministério público e a protecção dos consumidores presente e futuro

AutorJoão Pires Cardoso ALVES
CargoProcurador-Adjunto

"… correspondem a um interesse jurídico reconhecido e tutelado, cuja titularidade pertence a todos e a cada um dos membros de uma comunidade ou grupo, mas não são susceptíveis de apropriação individual por qualquer um desses membros" 1, pertencem a todos e não podem ser atribuídos exclusivamente a nenhum dos membros.

Estes interesses possuem uma dimensão individual e supra individual e referem-se a bens indivisíveis em que não há fruição exclusiva por nenhum titular, a fruição é comum, a satisfação do interesse difuso implica sempre a satisfação de toda a colectividade, da mesma forma que a sua lesão a todos afecta.

De acordo com a Constituição os interesses difusos são aqueles que se referem à saúde pública, aos direitos dos consumidores2, à qualidade de vida, à preservação do ambiente e ao património cultural (art. 52.° n.° 3 al. a) da Constituição)3, não estando afastada a qualificação como difusos de outros interesses supra-individuais4.

O Ministério Público ao actuar na protecção de um direito de carácter difuso não actua em representação, mas em nome próprio, por a lei lhe impor que assuma um interesse de carácter social que, por natureza, se não mostra determinado do ponto de vista subjectivo56.

Trata-se de uma intervenção oficiosa, no exercício de uma competência específica, para agir no interesse da colectividade,7 sendo que, nestes casos, o Ministério Público exerce um verdadeiro poder de intervenção nas relações jurídico-privadas, que o ordenamento jurídico, em certas circunstâncias reserva ao Estado Colectividade.

Porém, porque entendo não existirem competências adquiridas para sempre e uma vez que o primeiro passo para as perder é não as exercer, é bom recordar que a atribuição de legitimidade ao Ministério Público para a defesa dos interesses difusos não é pacífica.

Na Doutrina, apontam-se como inconvenientes a falta de especialização, a proximidade ao poder político, ausência de flexibilidade e rapidez e o desinteresse em actuar fora das suas áreas tradicionais8. Mesmo o legislador, na discussão dos projectos de Lei que estiveram na origem da primeira Lei de defesa do consumidor (Lei 29/81 de 22/8) afirmou não ser essa "a solução ideal"9.

Como características deste tipo de intervenção principal é de salientar:

  1. O seu carácter oficioso, não é condicionada por qualquer entidade pública relacionada com a prossecução do interesse em causa.

  2. O carácter taxativo, reportada a um tipo específico de actuação previsto na norma atribuidora de competência.

  3. O Ministério Público actua como verdadeiro substituto processual dos titulares das relações jurídicas materiais e não como representante destes, solicitando uma providência jurisdicional com reflexo na esfera dos particulares, com vista à realização directa do interesse público.

A legitimidade do Ministério Público na tutela dos interesses dos consumidores, na área cível, encontra-se prevista;

  1. Em termos genéricos:

    - No art. 3.° n.° 1 al. e) e 5.° n.° 1 al. e) da Lei 47/86 de 15/10 (Estatuto do MP);

    - No art. 26.°-A do Código de Processo Civil;

    - Na Lei 83/95 de 31/8 (Lei de acção popular), embora a sua legitimidade se restrinja aos casos dos art. 13.° e art. 16.°.

  2. Especificamente:

    - Para intentar a acção inibitória de cláusulas contratuais gerais prevista no art. 25.° do DL 446/85 de 25/10 (art. 26.° n.° 1 al. c) do DL 446/85 de 25/10);

    - Para intentar a acção inibitória prevista no art. 10.° da Lei 24/96 de 31/7 (art. 13.° n.° 1 al. c) e art. 20.°);

    - Para intentar a acção de reparação de danos (art. 12.° da Lei 24/96 de 31/7);

    - Para impugnar acordos de conduta (art. 43.° do DL 7/2004 de 7/1 que transpõe a Directiva 2000/31/CE relativa ao comércio electrónico);

    - Para intentar acções inibitórias em matéria de protecção dos interesses dos consumidores a nível comunitário (art. 5.° n.° 5 da Lei 25/2004, de 8/7, que transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva 98/27/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Maio).

    - O Ministério Público é autoridade com competências específicas para aplicar a legislação de defesa dos interesses dos consumidores relativamente a cláusulas contratuais abusivas, à venda de bens de consumo e às garantias a ela relativas e às práticas comerciais desleais, no âmbito do art. 4.° do Regulamento (CE) n.° 2006/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27/10 (Despacho conjunto n.° 357/2006 de 6/4/06, DR II Série, n.° 83, de 28/4/06). Por despacho do Sr. Conselheiro Procurador-Geral da República de 29/12/06 tal competência foi deferida à Procuradoria das Varas e Juízos Cíveis do Palácio da Justiça de Lisboa.

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