A natureza jurídica da mediação de seguros

AutorLuís Poças
Páginas189-195

Page 189

VIII 1 - Sequência de abordagem

Como nota Carlos Lacerda Barata a propósito do anterior regime jurídico da media- ção de seguros, «o mediador de seguros é uma figura abrangente, com contornos difusos e de difícil caracterização jurídica, em termos globais»507. Na verdade, como vimos, a noção de mediação de seguros transcende a aproximação das partes tendo em vista a celebração do contrato de seguro, evidenciando-se a amplitude da prestação do mediador de seguros, que pode consistir em actos materiais ou jurídicos, pode envolver ou não representação, pode ser ou não por conta do segurador, etc.

O novo regime jurídico da mediação de seguros veio complexificar a abordagem, não só mediante o reforço da ligação do mediador do segurador (sobretudo no caso do mediador ligado e, em menor medida, no do agente de seguros) mas igualmente da heterogeneidade dos regimes jurídicos de cada submodalidade de contrato de mediação de seguros. Cumpre, assim, partindo dos traços típicos atrás definidos, e das aproximações comparativas às figuras contratuais afins, indagar da natureza jurídica do contrato de mediação de seguros.

A questão tem suscitado muito pouco interesse por parte da doutrina e da jurisprudência portuguesas. Enquanto aquela tem, em regra, ignorado as especificidades da media- ção de seguros, centrando a sua atenção, sobretudo, nos tipos contratuais que analisámos como figuras afins da mediação de seguros, esta orienta-se mais pela perspectiva pragmática da solução do caso concreto, para o que coloca o enfoque, fundamentalmente, no regime legal508.

O facto de o regime jurídico da mediação de seguros, com as soluções inovadoras que comportou, ser bastante recente, reflecte-se igualmente na quase ausência de reacções e de debate dogmático sobre a matéria. Em qualquer caso, as escassas perspectivas doutrinárias em presença contrastam entre si pela diversidade de pontos de vista e de ângulos de abordagem. Neste contexto, podemos, desde logo, distinguir as perspectivas unitárias das perspectivas plurais. Page 190

VIII 2 - Teses da natureza unitária

As teses unitárias assentam na perspectiva de que o tipo legal contratual da mediação de seguros, independentemente das actividades concretamente envolvidas ou da categoria de mediador em causa, encerra uma natureza unitária. No fundo, partem dos traços típicos da mediação de seguros para ancorar dogmaticamente este contrato, como um todo homogéneo, no âmbito de algum tipo contratual que apresente afinidades relevantes no quadro da distribuição comercial. Para efeito desta classificação, não é importante se a mediação de seguros é reconduzida a um tipo puro ou a uma fattispecie complexa; relevante é que essa recondução se faça independentemente das actividades que, em concreto, o mediador se obrigou a prestar ou independentemente da categoria de mediador em causa. O que relevará para esta classificação é que, para a doutrina em questão, qualquer que seja a configuração concreta do contrato de mediação ele sempre se reconduzirá à mesma natureza jurídica.

As teses unitárias encontram acolhimento frequente entre a jurisprudência. Teremos oportunidade de analisar em maior detalhe alguns exemplos desta abordagem509, os quais se orientam, em alguns casos, para a recondução da mediação de seguros à natureza de contrato de mediação (em geral), noutros para o reconhecimento de uma natureza de contrato de agência.

Em perspectiva convergente com a jurisprudência referida, alguma doutrina segue a mesma orientação. Assim, Pedro Romano Martinez, ainda que no quadro do anterior regime da mediação de seguros (Decreto-Lei n.º 388/91), parece reconduzir a natureza jurídica deste contrato - quer no caso dos agentes de seguros, quer no dos corretores de seguros - à do contrato de agência, defendendo a aplicação directa à mediação de seguros, a título subsidiário, do regime da agência510.

Por seu turno, Sheila Camoesas considera que a mediação de seguros constitui um contrato atípico e misto em sentido estrito, conjugando «características do contrato de mandato com representação e características do contrato de agência»511, remetendo para o princípio da autonomia da vontade consagrado no n.º 2 do artigo 405.º do Código Civil. Page 191 Embora a autora não desenvolva esta posição512, a irrelevância, para a mesma, do tipo de actividade concretamente desenvolvida ou da categoria de mediador em causa, coloca esta abordagem entre as perspectivas da natureza unitária.

Ora, como vimos ao longo da nossa análise, o contrato de mediação de seguros pode comportar uma grande heterogeneidade de tarefas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT