Razão de ordem

AutorArnaldo Ourique
Cargo do AutorLicenciado, Pós-Graduado e Mestre em Direito , Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Páginas6-11

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Dos meus retalhos dispersos fiz esta pobre almofada... - pedaços, tornados versos, da minha alma retalhada

São bocadinhos de chita, chita modesta, enramada...

Mesmo a fazer-se bonita, A minha pobre almofada nunca deixa de ser chita... (poema da poetisa terceirense conhecida por Maria do Céu, MARIA FRANCISCA BETTENCOURT)

1. Razão de ordem

Como estudo da Autonomia Administrativa dos Açores antes de 1976 é um ponto de partida para a análise da documentação jurídica relativa ao período que estudamos neste trabalho.4

Não se trata de um estudo no âmbito da Ciência da Administração nem da Ciência Política, mas apenas nos parâmetros da Ciência do Direito. Ainda assim com algum cuidado. O Prof. MARCELO CAETANO ensinava que «os problemas de direito oferecem sempre, três aspectos distintos: o histórico, o político e o técnico-jurídico.5 O presente estudo não comporta a vertente política. Estamos perante um estudo eminentemente descritivo.6 Outra coisa não se mirou nem era possível.7 Queríamos perceber a evolução da lei ao longo de um século, queríamos entender a lei que regulamentou as autonomias dos Açores e da Madeira.

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Se dentro das linhas traçadas para o nosso trabalho não é levado em conta o estudo jurídico-constitucional, e menos ainda o da Constituição de 1838 e a Carta Constitucional porque em nada nos adianta quanto à autonomia administrativa, o mesmo não se verifica com os códigos administrativos:8 perceberemos paulatinamente a sua dimensão no âmbito das autonomias das regiões insulares, especialmente a dos Açores. Com efeito, quando se criou o sistema de autonomia administrativa com o famoso Decreto de 2 de Março de 1895 para instauração nos distritos que o desejassem, aquela autonomia administrativa no sentido de serem os povos locais a se auto governarem de modo também a evitar o governo centralizado e desconhecedor das vicissitudes locais, nada mais se fazia do que adoptar uma experiência que o Código Administrativo de 1886 criou para todo o país, um código administrativo para a administração local, com uma junta geral, uma comissão distrital e, para o que nos interessa, um governador civil. Por isso, é importante rever o panorama jurídico global; só assim é possível obter uma imagem jurídica fiel do que efectivamente se criou para os Açores e mais tarde para a Madeira.

Na parte introdutória, nos capítulos 3 e 4 justificaremos a adopção dos períodos históricos e as respectivas fases pelos quais seguimos, dando de seguida algumas notas sobre as Constituições Políticas que sustentaram a fase histórica sujeita ao presente estudo. Em cada um dos capítulos subsequentes, 6 ao 10, analisaremos os diplomas legais. Em cada um dos capítulos, veremos quais os antecedentes e faremos as considerações finais necessárias. No fim, em conclusões, faremos um esquema global de todas as fases históricas e tentaremos responder a algumas questões por extrapolação dogmática.

O título do relatório justifica ainda que se diga o que não faz parte do presente estudo. O termo autonomia é polissémico.9-10 Não faz parte do nosso estudo analisar o conceito.11-12 De todo oPage 8 modo, autonomia é sempre descentralização: descentralização constitucional, quando os entes infra estaduais têm poder para fazer o seu próprio estatuto; descentralização política, quando os órgãos infra estaduais têm poderes legislativos; descentralização administrativa, quando as regiões têm meros poderes administrativos, meros poderes regulamentares e de actos de aplicação.13 O nosso estudo, já se vê, inserindo-se na História jurídico-legal das regiões autónomas de Portugal, o caso dos Açores, deixa de parte as concepções que não sejam da órbita da descentralização administrativa, autonomia administrativa.

Mas é preciso delimitar o tempo: é que descentralização administrativa sempre existiu e existe nos Açores, desde o seu povoamento, com as donatarias e capitanias. O termo "autonomia" começou a usar-se nos Açores no Século XIX,14 mas é possível recuar no tempo e encontrar um «elevadíssimo grau de descentralização» nos sistemas da Capitania do Donatário.15 Mas não iremos recuar tanto, pelo menos neste relatório. Se abraçamos os anos entre o fim do Século XIX e o fim do Século XX, logo ficam de fora as várias formas de autonomia anteriores a 1895 e posterior a 1976.16

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Autonomia administrativa e descentralização administrativa são coincidentes, mas não o são com a autonomia política e a regionalização administrativa: esta, em traços muito largos, nas palavras de BLANCO DE MORAIS, é um modelo «ordenado a conceber e estruturar as regiões como meio especialmente adequado para que seja conferida exequibilidade à legislação do Estado»;17-18 enquanto que a autonomia política, usando as palavras de ZANOBINI é «a faculdade que têm alguns entes públicos de se organizarem juridicamente e criarem um direito próprio...».19 Mantemo-nos, portanto, no âmbito restrito da autonomia administrativa - que foi efectivamente a realidade vivida.

Não se trata de um estudo...

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