A utilização de paraísos fiscais

AutorInspector Tributário da DGCI
Cargo do AutorRui Miguel Marques Gonçalves
Páginas19-51

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Não é de hoje a criação e utilização de off-shores. No entanto nem sempre ela se fez ou se faz por motivos fiscais. São muitos os exemplos de criação de off-shores tendo por fim ocultar património a credores, no caso de partilhas de heranças ou no caso especial dos divórcios, ou ainda em casos de doações.

No entanto, na grande maioria das vezes o recurso a paraísos fiscais tem em vista a diminuição da carga tributária, conseguida através de esquemas fraudulentos que se vão aperfeiçoando à medida que o legislador cria entraves à sua utilização.

Essa diminuição da carga tributária só é conseguida porque existem paraísos fiscais que isentam, total ou parcialmente, do pagamento de impostos os rendimentos auferidos por pessoas jurídicas constituídas no seu território, desde que o capital social seja detido por não-residentes e as suas actividades sociais decorram no estrangeiro. É uma forma de captar para as suas economias capitais estrangeiros.

É por este facto que é frequente definir-se um paraíso fiscal como "um país ou um território que atribua a pessoas físicas ou colectivas vantagens fiscais susceptíveis de evitar a tributação no seu país de origem ou de beneficiar de um regime fiscal mais favorável que o desse país, sobretudo em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre as sucessões".8

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Aliado à captação de capitais está o sigilo que os protege. Esta é outra característica dos paraísos fiscais: o sigilo bancário e a ausência de trocas de informação com outros Estados.

O segredo bancário é extremamente precioso nos paraísos fiscais, tendo como maior expressão - em muitos deles - a possibilidade de existência de contas bancárias numeradas e anónimas e a criminalização da divulgação de informação sujeita a sigilo.

Por outro lado a troca de informações, ou a falta dela, é outra característica preciosa para quem utiliza os paraísos fiscais. Se é certo que muitas das vezes essa falta é provocada por uma inadequada ou mesmo inexistente organização administrativa, outras vezes essa falta é derivada da vontade própria de manter o segredo.

É exemplo disso a Suíça, que apesar de ter criminalizado o bran- queamento de capitais em 1990 e ter optado por uma criminalização com âmbito genérico - referida a todo e qualquer «delito grave» - e em consequência disso passar imediatamente a poder prestar cooperação judiciária internacional sobre quaisquer infracções precedentes, não o faz no caso da fraude fiscal exactamente por esta não ser criminalizada. Além disso a Suíça também não submete a fraude fiscal a uma cooperação administrativa, o que dificulta sobremaneira a investigação deste delito.

Outro exemplo do sigilo bancário são as Ilhas Cayman, que por este facto e por ser um dos países das Caraíbas colocado na rota do tráfico da droga se tornou num dos maiores centros bancários mundiais, contando com a presença de cerca de 550 bancos e/ou companhias trust, pese embora apenas 80 tenham correspondência. Mesmo estes, funcionam mais como centros de registos financeiros (book-center) e menos como um centro de transacções.

Significa isto que na maior parte das vezes a existência de um banco num centro financeiro off-shore é apenas virtual. Na prática, a instituição financeira continua a existir noutra qualquer parte do mundo e daí acede aos registos da instituição financeira off-shore para proceder a qualquer transacção, aproveitando-se da jurisdição desse centro financeiro, principalmente ao nível do sigilo bancário.

Por proporcionar um verdadeiro sigilo das movimentações das contas bancárias, através deste tipo de operações, a própria instituição não só cobra taxas de serviços superiores à prática normal, como consegue também deslocalizar esses proveitos obtidos para o paraíso fiscal, diminuindo assim a sua própria tributação.

Por fim, caracterizam ainda os paraísos fiscais a existência de um regime fiscal simples ao nível das obrigações acessórias, uma legislação societária simples e flexível, permitindo a constituição e dissolução de sociedades de forma rápida (em alguns deles a própria dissolução opera-se automaticamente devido à falta de pagamento da taxa anual obrigatória), uma legislação financeira flexível, uma ausência de controlo e restrições cambiais ao que se acrescenta um sistema de comunicações ao nível dos países desenvolvidos e uma estabilidade política e social.

Um Relatório publicado pela OCDE denominado de "Concorrência Fiscal Prejudicial - um tema global emergente", preparado pela Comissão de Assuntos Fiscais da OCDE e aprovado pelo Conselho da OCDE em 1998 - com as abstenções do Luxemburgo e da Suíça - contemplou as características referidas como forma de identificar um país ou território como paraíso fiscal.

Seguidamente foi criado um Fórum sobre Práticas Fiscais Prejudiciais, com o duplo objectivo de avaliar os regimes fiscais preferenciais Page 22 potencialmente prejudiciais dos próprios membros e identificar paraísos fiscais prejudicialmente concorrentes com vista a eliminar as respectivas vantagens fiscais. Os trabalhos do Fórum viriam a culminar numa lista negra dos paraísos fiscais, publicada em Junho de 2000.

Este facto marcou o ordenamento jurídico internacional, pois a partir desta data a grande maioria dos países membros passou a contemplar nas suas legislações internas listas de paraísos fiscais, fazendo deste um método de descriminação denominado por "métodos das listas". Portugal é exemplo disso, estando em vigor uma lista de paraísos fiscais aprovada pela Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro, a que o legislador entendeu chamar de "lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis".

A definição de paraíso fiscal pode ser encontrada - na nossa legislação - no n.º 2 do art.º 59º e no n.º 3 do art.º 60º do CIRC, os quais consideram que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando:

- o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças (Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro);

- a entidade não fôr tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC; ou

- se relativamente às importâncias pagas ou devidas, o montante de imposto pago fôr igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.

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Formas de utilização de paraísos fiscais

Uma das formas de que os legisladores normalmente se socorrem para reprimir a utilização de paraísos fiscais é através da consagração da inversão do ónus da prova nas transacções comerciais com entidades estabelecidas naqueles territórios.

A introdução da solução da inversão do ónus da prova no art.º 57º-A do CIRC, aditado pelo Decreto-Lei n.º 37/95, de 14 de Fevereiro, - actual- mente art.º 59º do CIRC - foi adoptada por inspiração do art.º 238º-A do Code Géneral des Impôts Francês.

O seu n.º 1 descreve que "não são dedutíveis para efeitos de deter- minação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado".

Pese embora se aceitem as razões da sua instituição e se sublinhe que a sua aplicação depende da abertura de procedimento próprio por parte da Administração Fiscal, nos termos do art.º 63º do CPPT, por se tratar de uma norma antiabuso, não se pode deixar de referir que a mesma aplica termos extremamente indefinidos. Afinal, na actividade comercial e industrial, onde por vezes se fazem negócios únicos e se pagam preços superiores apenas para não interromper a actividade, a que carácter anormal ou montante exagerado se está este artigo a referir?

Depreende-se, então, que se trata de uma norma antiabuso que tem por finalidade evitar as transacções comerciais com os paraísos fiscais, prática que se revela nociva para a livre concorrência.

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Convém ainda referir que esta, como qualquer outra medida antiabuso deste tipo, não põe em causa as transacções. O legislador apenas pretende evitá-las por considerar que a entidade fornecedora dos bens ou serviços tem a seu favor um factor concorrencial - menores impostos - que se pressupõe ser neutro, e por isso considera tratar-se de uma prática concorrencial nociva.

A acrescentar a este facto o legislador ainda sujeitou as importâncias pagas a tributação autónoma, ao aditar o n.º 8 do art.º 81º do CIRC através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e que estabelece que "são sujeitas ao regime dos n.os 1 ou 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respectivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado".

Menezes Leitão entende ser "correcta esta medida antiabuso, tendo a OCDE considerado expressamente que uma medida deste tipo não atenta contra o princípio da não discriminação, estabelecido no art.º 24º da sua Convenção Modelo".9

Outra medida usada pelo legislador é a denominada CFC - "Controlled Foreign Corporations" (Sociedades Estrangeiras Controladas), e que foi introduzida na nossa legislação no art.º 57º-B do CIRC, aditado pelo Decreto-Lei n.º 37/95, de 14 de Fevereiro, actualmente...

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