Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 12 de Fevereiro de 2009

Relator: ESTEVES REMÉDIO

Conclusões:

1.ª A taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.° grupo constitui, nos termos da lei [artigos 3.°, alínea b), 7.°, 9.°, 19.° e 22.° do Regulamento de Taxas de Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 4/93, de 8 de Janeiro, e 68.°, n.°s 1 e 2, do Decreto-Lei n.° 172/2006, de 23 de Agosto], uma taxa devida ao Estado (ou, se for o caso, aos municípios) pela disponibilização do Sistema Eléctrico Nacional e actividades conexas através de serviços públicos divisíveis e de forma individualizada;

2.ª A taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.° grupo não está abrangida pelas proibições contidas no artigo 8.° da Lei n.° 23/96, de 26 de Julho (na redacção da Lei n.° 12/2008, de 26 de Fevereiro), designadamente pela da alínea c) do n.° 2;

3.ª A taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.° grupo deve, pois, ser cobrada pelo operador da Rede Nacional de Distribuição de Electricidade aos respectivos comercializadores, que a reflectem na facturação aos respectivos utentes ou consumidores (artigo 68.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 172/2006).

Senhor Ministro da Economia e da Inovação,

Excelência:

I

Dignou-se Vossa Excelência solicitar a emissão de parecer urgente do Conselho Consultivo, «relativamente ao enquadramento da cobrança da taxa de exploração de instalações eléctricas do 3.° grupo, prevista no Decreto-Lei n.° 172/2006, de 23 de Agosto, atenta a recente entrada em vigor da Lei n.° 12/2008, de 26 de Fevereiro, que procedeu à alteração da Lei n.° 23/96, de 26 de Julho» 1.

Em concreto, é solicitado o esclarecimento das seguintes questões:

O comercializador de energia eléctrica pode cobrar aos utentes/consumidores a "taxa de exploração de instalações eléctricas" devida ao Estado, tendo em conta que de acordo com a Jurisprudência fixada por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.07.2003 (in Ac. Dout. do STA, 508, 573) se entende que "o tributo em causa corresponde à disponibilização pelo Estado da sua rede eléctrica, através de serviços públicos divisíveis e de forma individualizada"?

Atento o âmbito de aplicação da Lei n.° 23/96, de 26 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.° 12/2008, de 26 de Fevereiro, é legítimo concluir que o tributo devido pela disponibilização pelo Estado do Sistema

Eléctrico Nacional não se encontra abrangido nesta Lei, dado o Estado não prestar qualquer serviço de fornecimento de energia eléctrica?

Considerando o disposto na alínea c), número 2, do artigo 8.° da Lei n.° 23/96, com redacção introduzida pela Lei n.° 12/2008, e aceitando o princípio que este tributo se destina a compensar o Estado pela disponibilização do Sistema Eléctrico Nacional e actividades conexas (rede eléctrica, planeamento, licenciamento, regulação, etc.) e que sem tal disponibilização seria inviabilizada a prestação de serviços pelo comercializador de energia eléctrica, será legítimo concluir que tal tributo efectivamente onera o prestador de serviços, constituindo uma contrapartida para o Estado resultante do respectivo contrato de concessão podendo, em consequência, ser repercutida no cálculo da tarifa eléctrica a cobrar ao utente/consumidor?

Cumpre emitir parecer.

II

A evolução verificada no sector eléctrico nas últimas décadas foi naturalmente marcada pelo posicionamento do Estado2.

A este propósito, num breve panorama, ainda durante a segunda metade do século XIX, o Estado liberal viu-se confrontado com novas exigências no âmbito das grandes actividades económicas emergentes, como a produção e distribuição de electricidade, assumindo, na Europa3, a titularidade das novas tarefas, que viriam a ser classificadas como tarefas de serviço público, e lançando mão da figura da concessão. Assistiu-se, pois, a uma relativa publicização das novas actividades económicas.

Mas foi com o advento do século XX e sobretudo após a 2.ª Guerra Mundial que o Estado viria a assumir uma intervenção directa nas actividades económicas e sociais.

A partir do fim da primeira metade do século XX dá-se uma profunda transformação do Estado, juntando-se aos fins tradicionais, fins sociais e económicos. Nesta nova forma de Estado, o designado Estado Social não é apenas titular das tarefas, mas passou também a prestador directo dos serviços. No que nos interessa, coube-lhe assegurar o desenvolvimento das grandes fontes de energia (electricidade, carvão).

Esta orientação afirma-se4 viria a ser concretizada, nos diversos países europeus, através de programas de nacionalização dos sectores básicos da economia, dando lugar à criação do sector empresarial público. O acto de nacionalização operava a transferência para o sector público de actividades e de empresas privadas

.

Generalizou-se a prática de atribuir ao Estado a responsabilidade de gerir os serviços públicos, quer através da administração directa, quer através de entidades públicas criadas para o efeito, sobretudo, das empresas públicas.

E a intervenção do Estado na economia não parou de crescer até à década de 80, originando um sector público económico (que, com o sector público social, integrava um imenso sector público), correspondendo-lhe os serviços públicos económicos (produção e distribuição de água, de energia eléctrica ou de gás, transporte colectivo terrestre, marítimo ou fluvial e aéreo, telecomunicações, correios, saneamento básico). Era o designado Estado de serviço público.

Porém, nas décadas seguintes, deram-se profundas alterações com a liberalização dos grandes serviços públicos. Tal deveu-se, por um lado, às crises do Estado Social, destacando-se os gastos com o sector público, e, por outro, às exigências decorrentes da integração na Comunidade Europeia, face ao princípio da livre concorrência e de todos os seus corolários5.

Assiste-se a uma verdadeira privatização de actividades públicas, deslocando-se certas tarefas do Estado para o sector privado. Esta privatização, no caso português, foi assumida na revisão Constitucional de 1997, que desconstitucionalizou a obrigatoriedade da existência de sectores básicos fechados à iniciativa privada, deixando para o legislador ordinário o papel de regular o acesso da iniciativa privada a determinadas actividades económicas6.

Perante esta transformação do Estado e uma vez que as necessidades básicas anteriormente satisfeitas pelos serviços públicos se mantêm, surge agora a exigência de uma regulação pública. Passamos a ter um novo modelo de Estado, o Estado regulador, ou até, cada vez mais, uma Europa reguladora7.

A presença do Estado, a quem cabe a responsabilidade de regulação, há-de traduzir-se na definição da disciplina que rege a actuação dos agentes de mercado, a supervisão e fiscalização do seu cumprimento e a garantia da realização de certos fins sociais, cabendo-lhe, entre outras coisas, assegurar o acesso de todos os cidadãos a certos serviços essenciais Serviço universal.

III

Atentemos no quadro legal mais relevante do sector eléctrico8.

  1. O Decreto n.° 12 559, de 20 de Outubro de 1926 Lei dos Aproveitamentos Hidráulicos , que aprovou as bases aplicáveis à produção, transporte e distribuição da energia eléctrica, continha a definição de Rede Eléctrica Nacional ("conjunto de linhas de transporte de energia no País que seja objecto de comércio em espécie") e dispunha que as linhas que a integravam eram, para efeitos de construção e exploração, de utilidade pública e de interesse nacional, e que seriam objecto de concessão.

    Mais tarde, a Lei n.° 2002, de 26 de Dezembro de 1944, aprovou as Bases da Electrificação do País, que só vieram a ser desenvolvidas pelo Decreto-Lei n.° 43 335, de 19 de Novembro de 1960. Aquela Lei regulou, autonomamente, a "rede eléctrica nacional" (que passou a abranger o conjunto de instalações de serviço público destinadas à produção, transporte e distribuição de energia eléctrica) e o "transporte e grande distribuição". Em qualquer das áreas ficou patente o importante papel que passou a caber ao Estado, que participaria ou apoiaria os produtores, prestaria auxílios à instalação das centrais ou procederia mesmo à instalação das centrais de interesse público, auxiliaria no estabelecimento das linhas de transporte e grande distribuição; a interligação das linhas deveria subordinar-se ao planeamento estatal.

  2. A estrutura organizativa do sector eléctrico nacional que assentava quanto ao regime de exercício das actividades de produção, distribuição e transporte de energia eléctrica na outorga de concessões a cidadãos nacionais ou a empresas com maioria de capital nacional e sediadas em Portugal foi modificada com a nacionalização, com eficácia a partir de 15 de Abril de 1975, das principais empresas que exploravam aquelas actividades, operada pelo Decreto-Lei n.° 205-G/75, de 16 de Abril, e pela concomitante previsão da criação de uma empresa pública, a Electricidade de Portugal, à qual seria atribuído «em regime de exclusivo e por tempo indeterminado o exercício de serviço público de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica em todo o território nacional».

    A Electricidade de Portugal Empresa Pública (EDP) foi criada pelo Decreto-Lei n.° 502//76, de 30 de Junho, emergindo como «única entidade ecomómico-jurídica»9 resultante da reestruturação das empresas nacionalizadas.

    Pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, a EDP tinha por objecto principal «o estabelecimento e a exploração do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia eléctrica no território do continente, para promover e satisfazer as exigências de desenvolvimento social e económico de toda a população» (artigo 2.°, n.° 1).

    O monopólio do Estado no sector reforçou-se através da proibição de acesso da iniciativa privada às actividades de produção transporte e distribuição de energia eléctrica para consumo público assumida pela Lei de Delimitação de Sectores (Lei n.° 46/77, de 8 de Julho).

    3.1. Porém, na década de 80, anunciou-se o fim do...

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