Passageiros de transportes aéreos com direitos reforçados

AutorMário FROTA
CargoDirector do Centro de Estudos de Direito do Consumo

I .PRELIMINARES

Em 1991, o Conselho das Comunidades Europeias adoptou o Regulamento (CEE)

n.° 295/91, que veio a lume a 4 de Fevereiro de 1991.

O Regulamento estabelece as regras comuns a observar em caso de recusa de embarque de passageiros nos transportes aéreos regulares e institui um sistema uniforme de compensação das vítimas de tais práticas.

O Regulamento define in limine que à transportadora aérea cabe estabelecer as regras que adoptará para o embarque de passageiros sempre que se registe um excesso de reservas.

Tais regras, em homenagem à transparência que é mister se cumpra, deverão ser postas à disposição do público nas agências e nos balcões de registo da transportadora.

À transportadora aérea incumbe ainda tomar em devida conta os interesses dos passageiros a encaminhar prioritariamente por razões atendíveis (leia-se: legíti-

mas), tal como as pessoas com mobilidade reduzida e as crianças não acompanhadas.

O Regulamento estatui ainda que, em caso de recusa de embarque, o passageiro tem o direito de escolher entre:

• reembolso sem penalização do preço do bilhete correspondente à parte da viagem não efectuada;

• o reencaminhamento no mais breve lapso para o destino final; ou
• o reencaminhamento em data posterior da conveniência do passageiro.

Para além da modalidade de que se socorra o consumidor, a transportadora aérea compensará pecuniariamente a vítima, como segue:

• para voos até 3500 kms - ¤ 150

• para voos de mais de 3500 kms, tendo em conta o destino final previsto no bilhete - ¤ 300.

As compensações reduzir-se-ão, porém, a 50% se a transportadora proporcionar o reencaminhamento até ao destino final em outro voo, cuja hora de chegada não ultrapas-

se, para além da hora prevista originalmente, duas horas em caso de ligações até 3500 km e quatro horas se o percurso for superior a um tal limite.

Os montantes das compensações podem limitar-se ao preço do bilhete correspondente ao destino final.

As compensações serão satisfeitas em numerário ou, com a anuência do passageiro, em títulos de viagem e/ou outros serviços.

Ponto é que a transportadora não exerça qualquer tipo de coacção sobre passageiros, quantas vezes fragilizados pela penosidade da situação a que se expõem, o que lhes não permite um consentimento livre, esclarecido e ponderado.

Se, por hipótese, em voo em que ocorra um excesso de reservas de lugares, o passageiro aceitar viajar em classe inferior àquela a que o bilhete corresponde, terá obviamente direito ao reembolso da diferença de preço.

As distâncias a que se alude noutro passo são medidas em função do "método da distância do círculo máximo (rota ortodrónica)".

Para além das compensações mínimas, a transportadora facultará graciosamente aos passageiros em tais condições:

• o acesso a comunicações electrónicas e/ou a mensagem via telecopiador para o lugar de destino (uma por passageiro);

• refeições e bebidas, em proporção razoável ao tempo de espera;

• alojamento em unidade hoteleira ou similar em caso de retenção dos passageiros por uma ou mais noites.

Caso a cidade ou a região seja servida por mais de um aeroporto e uma transportadora aérea oferecer a um passageiro _ a quem haja sido recusado o embarque _ um voo para um aeroporto diferente daquele para o qual se efectuara a reserva, as despesas de deslocação entre aeroportos alternativos ou para destino alternativo próximo ficam a expensas da transportadora.

Registe-se, porém, como se afigura, aliás, razoável, que não haverá eventual compensa-

ção por recusa de embarque se o passageiro viajar gratuitamente ou a tarifas reduzidas

não acessíveis directa ou indirectamente ao público.

Assinale-se ainda que as transportadoras aéreas deverão fornecer a cada um dos passageiros a quem haja sido recusado o embarque um formulário de que constem as regras de compensação por embarque vedado ou recusado.

Regras aparentemente tão simples e susceptíveis de dissuadirem as transportadoras de práticas menos transparentes e nefastas para os passageiros são amiúde afrontadas, não constituindo nem estímulo a que enjeitem os excessos de reservas com o que defraudam os consumidores nos seus interesses e direitos e, além do mais, direito que se ignore é direito que se não actua, é como que direito que se não acha inscrito nas tábuas da lei.

E, nesse compasso, avantajam-se as transportadoras aéreas que inobservam regras elementares que só lhes proporcionam benefícios sem riscos de qualquer natureza.

À Comissão Europeia, ante a avaliação a que procedeu, dez anos volvidos sobre a vigên-

cia do regulamento, afigurou-se-lhe de propor regras mais penalizantes para as transportadoras, a fim de obstar a que o sistemático recurso ao excesso de reservas continuasse a fazer o seu curso.

"Em 2001, a Comissão adoptou uma proposta destinada a reforçar a protecção dos passageiros mediante, nomeadamente, a introdução de medidas para reduzir a frequência das recusas de embarque. A pro-

posta obrigava as transportadoras, na eventualidade de tal recusa, a primeiramente apelarem a voluntários para cederem as suas reservas em

troca de benefícios acordados. As companhias aéreas apenas poderiam subsequentemente recusar o embarque se não se apresentassem um número suficiente de voluntários e teriam, em tal caso, de indemnizar e assistir os passageiros, como prevê igualmente o presente regulamento. A fim de criar um forte incentivo ao apelo a voluntários e um forte desincentivo à recusa de embarque de passageiros contra a vontade destes, a proposta previa níveis de indemnização superiores aos previstos no presente regulamento.

Além disso, o regulamento proposto alargava os direitos atrás referidos:

- ao cancelamento de voos, da responsabilidade da companhia aérea, como objectivo, nomeadamente, de reduzir o número de pessoas afectadas por cancelamentos de última hora;

- aos voos não-regulares; como estes são frequentemente utilizados em viagens organizadas, o regulamento estabelecia obrigações não só para as companhias aéreas como para os operadores turísticos;

- aos voos de regresso de países terceiros para a Comunidade, se operados por transportadoras comunitárias.
A proposta estabelecia igualmente direitos básicos para os passageiros afectados por atrasos consideráveis
."


II. HISTÓRICO

O iter legiferante, se o pretendermos considerar como tal, definir-se-á singelamente em um sem número de marcos, a saber:

Em 21 de Dezembro de 2001, a Comissão transmitiu ao Parlamento Europeu e ao Conselho a sua proposta de regulamento (COM(2001) 784 final _ 2001/0305 (COD)).

Na sua sessão plenária de 17-18 de Julho de 2002, o Comité Económico e Social Euro-

peu emitiu parecer favorável.

O Comité das Regiões não emitiu parecer.

Em 24 de Outubro de 2002, o Parlamento Europeu aprovou a proposta em primeira leitura, com um conjunto de alterações.

Em 4 de Dezembro de 2002, a Comissão adoptou uma proposta alterada que incorpo-

rava um certo número de alterações do Parlamento Europeu (COM (2002) 717 final).

Em 18 de Março de 2003, o Conselho adoptou uma posição comum por maioria qualificada.

Em 25 de Março de 2003, a Comissão adoptou um parecer sobre a posição comum

(SEC (2003) 361 final).
Em 3 de Julho de 2003, o Parlamento Europeu aprovou, em segunda leitura, uma resolução que altera a posição comum.

Em 11 de Agosto de 2003, a Comissão emite parecer sobre as alterações do Parlamento Europeu à posição comum do Conselho no que tange à proposta de Regulamento.

Em 11 de Fevereiro de 2004 é aprovado o Regulamento (CE) n.° 261/2004, que revoga o Regulamento (CEE) n.° 295/91.

Em 17 de Fevereiro de 2004 é o Regulamento (CE) n.° 261/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.° L 46, data supra.

III. A POSIÇÃO DA COMISSÃO

A vice-presidente da Comissão Europeia, Loyola de Palácio, congratulou-se pela adopção definitiva pelo Parlamento e pelo Conselho Europeu da Proposta de Regulamento que visa a protecção dos direitos dos passageiros de transportes aéreos que são vítimas de uma recusa de embarque, de um cancelamento de vôo ou de um atraso considerável.

"A acção em favor dos direitos dos passageiros é uma das iniciativas maiores da Comissão por forma a situar os cidadãos no seio das políticas europeias" _ declarou a Comissária europeia.

"Os passageiros que optam pelo transporte aéreo são frequentemente vítimas de práticas que impõem que beneficiem de equanimidade e de uma indemnização adequada: ademais, disporão todos de novos direitos largamente reforçados", acrescentou a ilustre comissária dos Transportes e da Energia.

O Regulamento deverá entrar em vigor nas próximas semanas e os novos direitos aplicar-se-ão a partir de 2005.
Loyola de Palácio rematou: "como no passado, a Comissão Europeia zelará por que os

passageiros sejam esclarecidos dos seus novos direitos e que a indispensável infor-

mação esteja disponível nos aeroportos".

IV. DESENVOLVIMENTO

Cerca de 250 000 passageiros aéreos são, ano após ano, desagradavelmente surpre-

endidos quando se apresentam para as operações de registo aos balcões dos aeroportos europeus.

Conquanto hajam adquirido um bilhete e reservado o seu lugar, confrontam-se com a inexpugnável verdade de um voo sobrelotado, não se lhes garantindo a reserva e assegurando, quando muito, a sua deslocação em voo ou voos seguintes. As recusas de embarque constituem uma fonte permanente de perturbações consideráveis e uma interminável perda de tempo para os passageiros.

De análogo modo, os cancelamentos de voos sem pré-aviso se têm por desagradáveis e injustificáveis e bem assim os atrasos que mortificam os passageiros durante horas a fio nos aeroportos.

O novo Regulamento substituirá o texto ora existente que data de 1991 e que se tem revelado insuficiente.

Na realidade, o Regulamento ainda em vigor (R(CE) 295/91, de 4 de Fevereiro) não se afigura haver conseguido dissuadir efectivamente as companhias aéreas das recusas de embarques, não se aplicando aos cancelamentos por razões eminentemente...

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