A pessoa idosa e a sociedade de mercado

AutorMário FROTA
CargoDirector do Centro de Estudos de Direito do Consumo
I Generalidades
1. A Carta de Direitos

A Constituição e a lei outorgam ao consumidor direitos que se repartem por duas categorias:

Direitos individuais

- o direito à saúde e à segurança física;

- o direito à qualidade, eficácia e segurança de produtos e serviços;

- o direito à salvaguarda da privacidade contra métodos invasivos da intimidade;

- o direito à informação em particular;

- o direito à protecção dos interesses económicos;

- o direito à reparação dos prejuízos causados por produtos e serviços defeituosos;

Direitos grupais

- o direito ao consumo, vale dizer, aos bens de consumo, com particular relevância para os produtos e serviços essenciais;

- o direito à educação e à formação;

- o direito à informação em geral;

- o direito de associação com a corte de direitos que às associações se reconhecem;

- o direito de representação (direito de participação e de audição)

- o direito de acção para tutela dos direitos individuais homogéneos, colectivos e difusos;

- o direito de reparação dos prejuízos a níveis tais;

Os direitos têm o conteúdo que a Lei do Consumidor e as leis extravagantes definem.

2. Consumidor e hipossuficiência

As fragilidades do consumidor, em geral, situam-se a três níveis:

- a fragilidade económica;

- a fragilidade psicológica;

- a fragilidade tecnológica (com reflexos no domínio dos produtos e serviços objecto dos negócios celebrados pelos consumidores).

As fragilidades ou vulnerabilidades do consumidor idoso acentuam-se quer pelo estatuto remuneratório de tantos deles (em que a expressão das pensões sociais de reforma é de autêntica miséria) quer pelas condições de resistência psicológica que se lhes reconhecem.

O que permite, aliás, que as condições de exposição se potenciem e os consumidores sejam mais facilmente alvo de logros e de embustes que os tornam presa fácil de agentes económicos menos escrupulosos e cuja actividade assenta em uma base de desonestidade manifesta.

Ora, um consumidor desvalido ou vulnerável, como é o caso, está obviamente mais exposto.

3. O reequilíbrio das posições

E porque mais exposto, mais vulnerável, curial será que, para além dos índices de protecção de que desfrutam os consumidores em geral, se olhe com particular desvelo para quem menos resistências tem ou mais frágil se apresenta.

E aí, para além das virtualidades do ordenamento, que comina com sanções a exploração dos que se acham em uma tal situação de facto, há que contar com um reforço das medidas por parte dos familiares e das instituições que a seu cargo têm a tutela de tais posições.

No que tange à lei, referência expressa ao artigo 28 da Lei das Vendas Agressivas (DL 143/2001, de 26 de Abril), como segue:

"1- É proibida a utilização da prática comercial em que a falta de resposta de um consumidor a uma oferta ou proposta que lhe tenha sido dirigida é presunção da sua aceitação, com o fim de promover a venda a retalho de bens ou a prestação de serviços.

2- É igualmente proibida toda a prática comercial que se traduza no aproveitamento de uma situação de especial debilidade do consumidor, inerente à pessoa deste ou pelo agente voluntariamente provocada, com vista a fazê-lo assumir, sob qualquer forma, vínculos contratuais.

3- Para os efeitos previstos no número anterior, verifica-se uma situação de especial debilidade do consumidor quando as circunstâncias de facto mostrem que este, no momento da celebração do contrato, não se encontrava em condições de apreciar devidamente o alcance e significado das obrigações assumidas ou de descortinar ou reagir aos meios utilizados para o convencer a assumi-las.

4- O consumidor não fica vinculado ao cumprimento de qualquer obrigação decorrente das práticas referidas nos n.°s 1 e 2, mesmo que nas ofertas ou propostas se tenha expressamente indicado que o decurso de um certo prazo sem qualquer reacção implica a sua aceitação."

O Código Civil também se ocupa do ponto no artigo 282, sob a epígrafe "negócios usurários", prescrevendo:

"1- É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.

..."

Mas o Código Penal também oferece a sua tutela reforçada a situações do jaez destas, a saber:

"1- Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial, para si ou para outra pessoa, explorando situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência ou fraqueza de carácter do devedor, ou relação de dependência deste, fizer com que ele se obrigue a conceder ou prometa, sob qualquer forma, a seu favor ou a favor de outra pessoa, vantagem pecuniária que for, segundo as circunstâncias do caso, manifestamente desproporcionada com a contraprestação é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

2- A tentativa é punível.

3- O procedimento criminal depende de queixa.

4- O agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias se:

a) Fizer da usura modo de vida;

b) Dissimular a vantagem pecuniária ilegítima exigindo letra ou simulando contrato; ou

c) Provocar conscientemente, por meio da usura, a ruína patrimonial da vítima.

5- As penas referidas nos números anteriores são especialmente atenuadas ou o facto deixa de ser punível se o agente, até ao início da audiência de julgamento em 1ª instância:

a) Renunciar à entrega da vantagem pecuniária pretendida;

b) Entregar o excesso pecuniário recebido, acrescido da taxa legal desde o dia do recebimento; ou

c) Modificar o negócio, de acordo com a outra parte, em harmonia com as regras da boa fé."

II Acesso à formação e informação
1. A formação em especial

As instituições de acolhimento e os municípios, para além do Estado, têm um poder-dever reforçado neste particular:

"1- Incumbe ao Estado a promoção de uma política educativa para os consumidores, através da inserção nos programas e nas actividades escolares, bem como nas acções de educação permanente, de matérias relacionadas com o consumo e os direitos dos consumidores, usando, designadamente, os meios tecnológicos próprios numa sociedade de informação.

2- Incumbe ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais desenvolver acções e adoptar medidas tendentes à formação e à educação do consumidor designadamente através de:

a) Concretização, no sistema educativo, em particular no ensino básico e secundário, de programas e actividades de educação para o consumo;

b) Apoio às iniciativas que neste domínio sejam promovidas pelas associações de consumidores;

c) Promoção de acções de educação permanente de formação e sensibilização para os consumidores em geral;

d) Promoção de uma política nacional de formação de formadores e de técnicos especializados na área do consumo.

3- Os programas de carácter educativo difundidos no serviço público de rádio e de televisão devem integrar espaços destinados à educação e à formação do consumidor.

4- Na formação do consumidor devem igualmente ser utilizados meios telemáticos, designadamente através de redes nacionais e mundiais de informação, estimulando-se o recurso a tais meios pelo sector público e privado."

No entanto, há que adaptar, em jeito de formação permanente, aos idosos as formas de (re)aprendizagem dos métodos de resistência à agressividade co-natural de um mercado com as características do que nos circunda, em que se submerge.

Mau grado as posições de princípio afirmadas, a formação das pessoas idosas com apetência para o consumo é autêntica letra morta.

O que é de deplorar a todos os títulos.

De assinalar, porém, o meritório papel que a Liga Portuguesa contra o Cancro desenvolve no particular da educação alimentar voltada para os idosos, que é também componente inalienável da formação para a sociedade de consumo, como se tem por curial.

Mas os idosos são, em geral, votados ao descaso.

Talvez isso explique a ausência de acções específicas dirigidas aos consumidores idosos quer por parte do Instituto do Consumidor quer do Instituto de Solidariedade Social, que têm particulares responsabilidades a este nível.

2. A informação em geral

A informação em geral tem assento legal no artigo 7.° na Lei do Consumidor.

Aí se prescreve:

"1- Incumbe ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais desenvolver acções e adoptar medidas tendentes à informação em geral do consumidor, designadamente através de:

a) Apoio às acções de informação promovidas pelas associações de consumidores;

b) Criação de serviços municipais de informação;

c) Constituição de conselhos municipais de consumo, com a representação, designadamente, de associações de interesses económicos e de interesses dos consumidores;

d) Criação de bases de dados e arquivos digitais acessíveis, de âmbito nacional, no domínio do direito do consumo, destinados a difundir informação geral e específica;

e) Criação de bases de dados e arquivos digitais acessíveis em matéria de direitos do consumidor, de acesso incondicionado.

2- O serviço público de rádio e de televisão deve reservar espaços, em termos que a lei definirá, para a promoção dos interesses e direitos do consumidor.

3- A informação ao consumidor é prestada em língua portuguesa.

4- A publicidade deve ser lícita, inequivocamente identificada e respeitar a verdade e os direitos dos consumidores.

5- As informações concretas e objectivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem,...

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