Procedimento Cautelar Comum

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas23-73

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Âmbito

Com a reforma processual de 1995, 19 as providências cautelares não especificadas, largamente enraizadas na nossa tradição como um meio residual de protecção de direitos ameaçados, foram eliminadas e substituídas por um «procedimento cautelar comum», do qual consta a regulamentação dos aspectos comuns a toda a justiça cautelar. 20

Instituiu-se, segundo o relatório do Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, uma verdadeira acção cautelar geral para a tutela provisória de quaisquer situações não especialmente previstas e disciplinadas, comportando o decretamento das providências conservatórias ou antecipatórias adequadas a remover o periculum in mora, concretamente, verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado – que tanto pode ser um direito já, efectivamente, existente, como uma situação jurídica emergente de sentença constitutiva, porventura, ainda não proferida.

A - Donde: Objectivos

* urgência do procedimento e

* efectividade do acatamento da providência ordenada

  1. os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente, ultrapassando qualquer outro serviço judicial; 21 22

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  2. os procedimentos cautelares devem ser decididos em 1.ª instância 2 meses requerido citado 15 dias requerido n/ citado; 23

  3. a dilação 24 nunca pode exceder 10 dias;

  4. nos procedimentos cautelares não há lugar a citação edital, devendo o juiz dispensar a audiência do requerido quando se certificar que a citação pessoal deste não é viável 25 ou quando ponha em risco sério o fim ou a eficácia da providência; 26

  5. nos procedimentos cautelares a audiência final só pode ser adiada, por uma única vez, no caso de falta de mandatário de alguma das partes, devendo realizar-se num dos cinco dias subsequentes; 27

    – incorre na pena de crime de desobediência qualificada 28 todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada, sem prejuízo das medidas adequadas à sua execução coerciva. 29

    B - «Artigo 381.º 30

    Âmbito das providências cautelares não especificadas

    1 – Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.

    2 – O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.

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    3 – Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas na secção seguinte. 31

    4 – Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.»

    C - Requisitos

    * provável existência do direito ameaçado

    * provável emergência do direito ameaçando

    * fundado receio de lesão grave - difícil reparação

    * inexistência de providência adequada

    * adequação ao afastamento do periculum in mora

    * prejuízo da providência

    - o decretamento de um procedimento cautelar implica que com grande probabilidade exista o direito tido por ameaçado – objecto de acção declarativa –, ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção constitutiva já propos- ta ou a propôr;

    - visa-se impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, 32 a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela, tornando-se numa decisão, puramente, platónica;

    - é a veiculação do vazado no n.º 2, do art. 2.º do C.P.C., segundo o qual, «a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção».

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    - o decretamento de um procedimento cautelar implica que haja um fundado receio (não uma simples previsão) de que outrem antes de proferida decisão ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito;

    = para que, num tipo processual tão melindroso, de consequências tão danosas, se tenha na devida atenção a irreparabilidade que do decretamento pode resultar, o n.º 1, do art. 381.º do C.P.C., exige e qualifica o receio de «fundado», assim, advertindo para a imperiosa necessidade de o mesmo ser, insofismavelmente, provado. 33

    - está vedado, naturalmente, o emprego de providência cautelar não especificada, toda ela com carácter subsidiário, 34 quando o procedimento que se requerer caiba adentro de qualquer um dos procedimentos cautelares especificados, 35 a saber:

    restituição provisória de posse, suspensão de deliberações sociais,

    alimentos provisórios, arbitramento de reparação provisória,

    arresto, embargo de obra nova e arrolamento; 36

    - numa palavra: só se pode empregar o procedimento inominativo quando não haja, para o caso, providência específica; primeiro, há que verificar se o caso proposto é abrangido por algum dos procedimentos cautelares nominados; só quando não seja possível fazê-lo entrar nas providências cautelares especificadas é que podemos apelar às providências cautelares não especificadas.

    - a providência cautelar requerida há-de ser adequada a remover o periculum in mora, concretamente, ocorrido e a assegurar a efectividade do direito ameaçado;

    - a função das providências cautelares 37 é, precisamente, afastar o periculum in mora, defender o presumido titular do direito contra os danos e prejuízos que lhe pode causar a formação lenta, demorada, da decisão final.

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    - uma providência cautelar tem como escopo evitar um dano irreparável; porém, o seu próprio decretamento ocasiona sempre, um maior ou menor prejuízo;

    - ora, este não deve (não pode) sobrelevar o dano que com o decreto da providência cautelar se pretende evitar. 38

    Os procedimentos cautelares, atenta a sua função de garantia de outra acção, são sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado.

    (CALENDÁRIO DE PENHORA PDF) 39 40

    Afinal, a vontade exacta e profunda do estipulado na lei, é esta:

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    Não deverá esquecer o subscrevente da petição da acção principal, de referir a existência da providência, mesmo devendo requerer a apensação desta àquela. 41

    Outrossim, se interposta a providência cautelar com acção já pendente, então, no respectivo requerimento deverá o firmante pedir a apensação aquela e, aliás, logo endereçá-la ao tribunal onde está correndo trâmites a acção principal.

    Pode não haver o periculum in mora que justifique a concessão da providência cautelar e existir, todavia, o direito invocado pelo autor, bem como, a violação contra a qual este pretende reagir.

    Daí que:

    - o indeferimento da providência requerida não impeça o requerente de propor a respectiva acção

    - e que nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal.

    Uma inovação 42 a atentar é o constante no n.º 5, do art. 383.º C.P.C.:

    «Nos casos em que, nos termos de convenções internacionais em que seja parte o Estado Português, o procedimento cautelar seja dependência de uma causa que já foi ou haja de ser intentada em tribunal estrangeiro, o requerente deverá fazer prova nos autos do procedimento cautelar da pendência da causa principal, através de certidão passada pelo respectivo tribunal».

    A redacção não é feliz: como a última parte do normativo, é ao que parece, conclusão do vazado em todo o restante dispositivo, não se vê como o requerente obterá certidão passada pelo tribunal de causa que «haja de ser intentada em tribunal estrangeiro».

    Um prescrutar quanto ao teor do n.º 4, do supra transcrito art. 381.º do C.P.C.. Aí se estipula a não admissibilidade de repetição de providência cautelar na dependência da mesma causa, quando e se aquela tiver sido indeferida ou caducado.

    Deverá entender-se cum grano salis.

    Uma leitura em diagonal poderá inculcar a ideia de nunca ser possível mais de uma providência no decorrer da mesma acção.

    Ou por requerida foi deferida ou por ter sido indeferida. Mas a providência cautelar quer em sua motivação, quer em seu objectivo tem um certo descomprometimento com a acção de que é ou vai ser acessória.

    Ora, no sector de autonomia que lhe cabe, não se vê como não se possa deduzir mais que uma providência cautelar adentro da mesma causa, ponto que como prevenção de risco(s) de lesão diferente do invocado na tutela improcedente ou caducada.

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2. &Ordm; Exemplo tirado de caso real

Traçado o perfil do procedimento cautelar comum, aconselharia a didáctica a análise do respectivo processamento.

Pois é, sem quebrar tão óbvio alinhamento, vamos agora e aqui, entre um e outro, introduzir uma simulação.

A matéria sobre a qual já nos debruçamos, facilitará, segundo cremos, a compreensão da peça a seguir apresentada, sendo que e, por seu turno, esta constituirá repositório para o que se dirá sob o tema processamento.

Marcada assim a equidistância entre os pólos "âmbito" e "processamento", eis, então, o seguinte petitório:

TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTALEGRE

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito

Arboricultura, Lda, pessoa colectiva nº 503166452, com sede no Lugar da Carvalheira, 7430-221 Flor da Rosa, Crato - Portalegre,

vem requerer

PROCEDIMENTO CAUTELAR NÃO ESPECIFICADO

contra

Regacampus, Lda, com sede no mesmo lugar

e

Câmara Municipal de Portalegre com domicílio na Praça Manuel Guedes, nesta Comarca

pelos factos e com os fundamentos seguintes:

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A - DA LEGITIMIDADE

A aqui requerente é dona, legítima e exclusiva proprietária do imóvel constituído por terreno destinado a construção urbana, com a área de...

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