O processo que precisamos, a justiça que merecemos!

AutorLuiz Otavio de O Amaral
CargoAdvogado, Professor Universitário na Universidade Católica de Brasília - UCB

Mas como diz o provérbio jurídico:"não basta ter direitos; é preciso poder exercê-los". E para tanto concebeu-se o processo, este meio civilizado para a realização e efetivação dos direitos. O processo é assim a garantia de efetividade dos direitos. Sem isso eles não passam de promessas vazias da lei.

A história do Direito processual pode nos levar às civilizações pré-romanas, incluída a helênica, que mesmo não tendo legado subsídios inteiriços à ciência processual, são fonte de fragmentos que atestam rudimentos desta ciência (Babilônia, Pérsia, Índia, Egito, povos hebreus e Grécia). Sob o prisma do desenvolvimento do processo, o direito romano se apresenta elementarmente por três fases distintas: a das ações da lei (legis actiones), a das fórmulas escritas (período formulário) e a do juízo unificado (cognitio extra ordinem).

Podemos situar na segunda metade do século XX o momento em que o processo civil sofreu suas mais profundas mudanças, estimulado pelo pensamento daqueles que preconizaram a idéia da efetividade do processo, ou seja, de um instrumento com destinações bem definidas, cujos objetivos precisam ser alcançados para que se cumpra seu fim de utilidade e para que seja socialmente legítimo. Isto se deve a alguns tantos estudiosos como Cappelletti e Vitorio Denti, a partir de movimentos na Itália, Europa e continente americano, que difundiram o já tão propalado "acesso à justiça". Chiovenda já havia afirmado com propriedade e extrema precisão que "na medida do que for praticamente possível o processo deve proporcionar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter", ou seja, o processo deve outorgar a quem tem razão, toda a tutela jurisdicional a que tem direito, sendo esta a forma mais moderna de se interpretar suas palavras.

Hoje há o compromisso social de propiciar a todos o acesso aos meios jurisdicionais, num processo rápido onde se obtenha resultado justo.

No Brasil há um movimento ligado a tais idéias e com objetivo de reformulação da legislação, que já está em andamento, e a mini-reforma do final de 1994, que entrou em vigor no início de 1995, é parte dele e tem entre seus objetivos: a) diminuir os embaraços técnico--processuais da lei, com o fito de abrir espaços para o exercício da jurisdição e b) proporcionar meios mais ágeis e eficientes para a obtenção do acesso à justiça.

Tudo passa pelo crivo de uma reflexão crítica como também pela busca de um novo modelo de processo, que esteja em sintonia com a vida moderna, com as pretensões que evoluem rapidamente com a sociedade, criando novas necessidades que precisam ser enfrentadas de maneira apropriada, justamente porque há uma gama variada de acréscimos e mudanças no campo do direito material, e se o processo não se aparelha para atendê-los, mesmo sendo constantemente reformado, continua sem cumprir seus objetivos e sem alcançar sua finalidade.

Nossa legislação em vigor (CPC de 1973), não foi elaborada segundo princípios já sedimentados na Europa engajada na revolução cultural, vale dizer não é progressista, e desde que sopraram os novos ventos para o direito processual civil brasileiro, ficou constatado que era preciso correr atrás do prejuízo.

Estamos redesenhando e buscando fórmulas próprias para aplacar nossa tradição de cunho individualista (legitimidade que era necessariamente individual; efeitos diretos da sentença limitados às partes e limitação subjetiva da coisa julgada), que remonta ao direito romano, porque o processo hoje não pode sobreviver sem instrumentos adequados à tutela coletiva.

Sob influência da boa doutrina foram vindo devagar as bases de nossa reforma jurídico-positiva com vistas à tutela jurisdicional coletiva no direito brasileiro, sendo marcos signifi-cativos dela a Lei da Ação Civil Pública (1985), o Código do Consumidor (1990) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). O CDC trouxe conceituações importantes neste plano da tutela coletiva: a) do que seja direito difuso, coletivo stricto sensu e individuais homogêneos (art. 81), b) reafirmou a legitimidade do Ministério Público e de outras entidades dotadas de legitimacy of representation (art. 82); c) ditou regras sobre a coisa julgada erga omnes e ultra partes (art. 103).

A nova Lei de Arbitragem veio - que contribuir para a efetiva inserção do Brasil no panorama do comércio internacional - trouxe, também, um repensar acerca do desempenho do Poder Judiciário, naquela linha de garantia dos direitos, da busca da cidadania viva e participativa, além de desafogar os fóruns de demandas que podem atingir solução por meio da técnica extrajudicial, proporcionando aos magistrados e serventuários condições para movimentar o aparato jurisdicional de forma mais célere, podendo dedicar maior atenção às causas de real complexidade, levando as partes à composição do litígio com rapidez, pois a justiça tardia é freqüentemente justiça pela metade.

Com efeito, o princípio constitucional de amplo acesso à Justiça tem sido constantemente obstruído pela morosidade na entrega da prestação jurisdicional, acarretada pela avalanche de causas que se acumulam nas mãos do Poder Judiciário; causas estas que, em grande parte, poderiam encontrar solução em meios não convencionais de atividade jurisdicional.

Aqui, impossível não reproduzir a pertinente análise de Eduardo Faria, apontando para a divisão do aparelho de Estado brasileiro em "anéis burocráticos", cada um deles : " (a) agindo em função dos interesses e particularismos de sua clientela específica, visando a manutenção e a expansão de suas prerrogativas e reforçando com isso seus traços neocorporativistas; (b) distorcendo os programas sociais, mediante o sistemático desvio dos recursos e subsídios de projetos destinados originariamente aos segmentos mais carentes da população para os próprios setores estatais, para vários grupos empresariais e para as próprias classes médias; (c) produzindo uma distribuição desigual e perversa dos direitos e deveres consagrados pelas leis, uma vez que os grupos mais articulados conquistaram não só acesso a foros decisórios privilegiados mas, igualmente, mais prerrogativas do que obrigações, sob a forma de incentivos fiscais, créditos facilitados, juros subsidiados, reservas de mercado etc.; (d) tornando o jogo político-institucional dependente da `jurisprudência' interna de cada um desses `anéis', pois os programas sociais foram convertidos em recursos de poder, razão pela qual a importância de cada `anel' passou a decorrer de seu orçamento interno e/ou de seu poder regulamentar; (e) descaracterizando ideologicamente os partidos e obscurecendo a transparência do jogo político e das ações públicas, na medida em que a retórica parlamentar e sua ambigüidade programática jamais explicitaram critérios e prioridades em termos de gastos públicos."

Em resumo : estamos submetidos a um poder de Estado: somos súditos (em maior ou menor grau) daqueles que o controlam (política ou economicamente); num segundo nível, somos reféns potenciais de incontáveis "agentes públicos". Neste quadro, a cidadania deveria ser uma verdadeira possibilidade de limitação deste poder, diluindo-o entre toda a sociedade : o indivíduo deixaria a condição de mero sujeito de direitos e deveres e tornar-se-ía cidadão, ou seja, tornar-se-ía uma célula consciente de participação social.

O exercício da cidadania no Brasil possui três grandes obstáculos: 1°) o sistema jurídico brasileiro não possui uma ampla definição de possibilidades para uma efetiva participação popular consciente; 2°) a postura excessivamente conservadora de parcelas do Judiciário, apegando-se a interpretações que limitam absurdamente o alcance dos dispositivos legais que permitiriam uma efetiva democratização do poder; por fim, 3°) uma profunda ignorância do Direito: a esmagadora maioria dos brasileiros não possui conhecimentos mínimos sobre quais são os seus direitos e como defendê-los. Desta forma, o poder continua preservado, como preservados continuam os benefícios desfrutados por aqueles que podem determinar (ou influenciar), de fato, os desígnios de Estado.

Os exemplos deste conservadorismo prejudicial, dessa "timidez judiciária" são muitos. Responsabilidade civil sem efeito do punitive damages (prevenção geral pelo valor da indenização para opulentos agentes que lucram com o dano alheio). A plenitude da desigual-dade justa segundo as conveniências das razões intimas do principio da isonomia (um grande banco não é igual ao assalariado-consumidor). Ainda se permite que uso pervertido do Direito e da lei, em juízo, pelos mais bafejados pela sorte econômica. Ainda encontramos muitos profissionais do Direito mais apegados aos desvios e desvãos na interpretação individual ou socialmente injusta, esquecendo que o Direito que se dirige ao valor justiça não é digno desse nome. O Mandado de Injunção (art.5°, LXXI, da Constituição Federal), por exemplo, foi previsto para que a ausência de normas regulamentadoras não impedisse a aplicação de normas constitucionais: o Judiciário poderia suprir a lacuna para o requerente, permitindo a efetivação do dispositivo constitucional. Entretanto, como lê-se no Mandado de Injunção 288-6/DF, "a jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de atribuir ao mandado de injunção a finalidade específica de ensejar o...

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