Prova por documentos

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas77-100

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É a mais usual para além da prova testemunhal.

Trata-se de uma prova pré-constituída, que definimos, quando nos debruçamos sobre o princípio da audiência contraditória, como sendo, a já formada antes do início do processo e, portanto, antes de surgir a necessidade da sua utilizaçã. 133

Dada a sua proximidade, em termos de frequência, com a prova testemunhal, muito se tem discutido sobre a eficácia, certeza e segurança de uma e de outra.

Concretamente:

qual a mais segura? mais certa? mais eficaz?

Maioritariamente, tem-se decidido pela documental, ainda que não nos possamos olvidar das falsificações, das adulterações, das viciações a que se encontram sujeitos os documentos.

Mas ... e as testemunhas?

Encontram-se abertas a muitos mais vícios e artimanhas: desde a primária mentira até ao favorecimento, ao clientelismo a um grupo ou ideia, ao corporativismo.

E a legislação, como se tem comportado?

Tem sufragado a importância da prova documental e com tamanho acento que, por exemplo, respeitantemente, aos documentos autênticos lhe confere estatuto de insubstitucionalidade por outros meios de prova, aliás, mesmo por outro documento que não seja de força probatória superior.

Veja-se o disposto no n.º 1, do art. 364.º do C.C.:

"Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior."

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Aliás, encontrando-se o documento, em princípio, já elaborado antes do início da tramitação dos autos, a sua apresentação e posterior análise, pode merecer várias e diversas interpretações, é certo, mas fica a coberto de falsificações, rasuras e quejandos de que poderia ser alvo para o tornarem apto à prova pretendida.

Quedemo-nos por este intróito e interroguemo-nos sobre

O que é um documento?

A peça que reproduz algo já ocorrido, narrador inalterável de um facto passado, frio, imune a factores exógenos, como endógenos, alheio a humores, estados físicos ou psíquicos, 134 como que uma vox mortua

.

Todavia com um grandíloquo, senão: não há estímulo capaz de lhe arrancar esclarecimento algum.

Chiovenda define assim: toda a representação material destinada a reproduzir e idónea para reproduzir, determinada manifestação do pensamento: uma espécie de voz gravada para sempre. 135

Desde logo, conclui-se que o conceito daquele ilustre civilista, se queda pelo chamado documento escrito.

Todavia, num sentido amplo de documento e esse deve ser o substracto da prova documental admitida pela lei adjectiva, ficam de fora uma série de outras formas que reproduzindo factos ou actos, podem ser gravados e, consequentemente, apresentados como prova.

É a fotografia, o fonograma, o vídeo; mas, é também e ainda, a inscrição numa pedra, como a simbologia de certo objecto ou mesmo um tabuleiro tipográfico.

Por isso, Betti define o documento como uma coisa formada sobre um facto e destinada a fixar de modo permanente ou a sua percepção ou a sua impressão física para o representar no futuro. 136

E Carnelutti refere como documento, qualquer meio de prova, qualquer meio objectivo de prova com exclusão do testemunho, qualquer objecto que traduza uma vontade ou pensamento, escrito contendo qualquer facto ou objecto. 137

Nesta corrida à definição de documento também se integraram juristas portugueses, desde Vaz Serra até Galvão Teles, Alberto dos Reis, Castro Mendes e Antunes Varela.

Verdade é que, nenhum definiu documento, porventura, lembrados da máxima de que definir é mutilar. Ficaram-se pela crítica das várias definições dadas pelos estrangeiros e, quando muito, debruçaram-se sobre a classificação dos documentos, nesta versão, exemplificando e determinando.

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Antunes Varela 138 diz que o termo documento é usado num duplo sentido, quer na linguagem corrente, quer na terminologia técnica do direito probatório.

Num sentido amplo, mais ligado ao direito substantivo do que ao direito processual, considera-se documento (art. 362.º do C.C.), todo o objecto elaborado pelo homem, com o fim de reproduzir ou representar um facto, uma coisa ou uma pessoa.

Num sentido restrito, mais vulgar na linguagem dos leigos e mais cingido ao regime processual da prova, o documento é apenas o escrito que exprime uma declaração de ciência (como a correspondência epistolar, o resultado de um exame laboratorial, o documento de quitação) ou uma declaração de vontade (como a escritura de venda, o testamento cerrado ou público, o escrito de promessa de compra e venda, etc.).

O interessante é que nos arts. 527.º e 535.º do C.P.C., a lei adjectiva parece comungar da noção ampla de documento; não obstante, quando nos debruçamos sobre a respectiva força probatória, dúvida não nos fica que o C.P.C. se matrimonia apenas com a noção de documento em sentido restrito.

E, então, as reproduções cinematográficas, os registos fonográficos, as plantas, as fotografias, os desenhos, os objectos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade, cairão nas normas da prova por apresentação de coisas móveis.

Os documentos podem e devem ser arregimentados na possível e seguinte classificação:

Classificação - Oficiais dos Autênticos documentos: Doutrinal, Legal

- Constitutivos, dispositivos ou negociais

- Narrativos ou informativos

- Autenticados: -Oficiais - Extra-oficiais

Particulares -Autenticados- C/ reconhecimento notarial- Simples

Para a classificação doutrinal, adoptou-se o critério da natureza da declaração documentada ou do conteúdo do documento. 139

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Para a classificação legal teve-se em conta a qualidade do autor do documento. Breve definição de cada um:

constitutivos, dispositivos ou negociais

se contêm uma declaração de vontade destinada a introduzir qualquer alteração na esfera jurídica das pessoas.

Será o caso da sentença, da escritura de compra e venda ou da respectiva e antecedente promessa, dos títulos de crédito (letras, livranças e cheques), do testamento, etc..

narrativos ou informativos

se contêm uma simples declaração de ciência, limitando-se a narrar um facto, por via de regra exterior ao documento ou a descrever uma coisa ou situação.

Podemos apontar como exemplos: os atestados, as facturas, os conhecimentos, os recibos, etc..

Antunes Varela, 140 refere que há casos, como o escrito de perfilhação, em que o documento contém uma declaração que é, simultaneamente, de ciência e de vontade.

Seja qual for, porém, a sua natureza, importa não confundir a declaração (o acto de narrar ou de descrever; a emissão da declaração-de-valor) com o documento, que é o objecto ou o invólucro material em que o acto fica corporizado.

O documento é sempre o continente, o objecto material (por via de regra, mas não, necessariamente, o papel), no qual a declaração se corporiza.

A declaração é o conteúdo, o acto de natureza espiritual que se depreende do documento.

Posto isto, passemos à classificação legal, a qual, como supra se mencionou, parte da fonte donde procedem, isto é, da qualidade da pessoa do seu autor.

Ora, os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares. Aqueles, são os exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuída, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública. 141

Os demais, serão documentos particulares.

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Falta-nos dizer que situados entre estas duas categorias, seja entre os documentos autênticos e os particulares, se podem apontar os autenticados, que são documentos particulares na sua origem e confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais.

O reconhecimento especial do documento autenticado advém de um termo notarial de autenticação no qual, além do mais, figura a declaração das partes, perante o notário, de que leram o documento, estão cientes do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade.

Este reconhecimento, como que autenticando o documento, sobrelevando-lhe a sua natureza particular, equipara-o, no que diz respeito à sua força probatória, aos documentos autênticos.

O art. 377.º do C.C. pontifica que "Os documentos particulares autenticados nos termos da lei notarial têm a força probatória dos documentos autênticos, mas não os substituem quando a lei exija documento desta natureza para a validade do acto" .

E, já o mencionamos: quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior. 142

Apercebeu-se, por certo, o leitor que da classificação dos documentos, saltamos já para a força probatória dos mesmos.

Aliás, é por via da sua força probatória que nos detivemos na respectiva classificação, dado que uma se encontra subjacente à outra.

A força probatória dum documento é o valor que a lei lhe atribui como meio de prova ou a fé que lhe confere.

Contudo, em cada documento há duas forças a ter em consideração: uma, a que provém do seu próprio conteúdo (intrínseca); a outra, que promana do próprio documento em si (extrínseca). Aquela, é como que a força probatória material; estoutra, a força probatória formal.

E é sobre este duplo aspecto que iremos, já de seguida, analisar a força probatória dos documentos legais, autênticos e particulares.

A força probatória diz respeito a dois elementos:

proveniência do documento-data

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Sendo assim, quando se nos apresenta um documento autêntico, para avaliar da sua força probatória formal, há que determinar

  1. proveniência -pessoa de quem emana

  2. data- tempo e lugar da...

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