Publicidade na união europeia

AutorJ.Pegado Liz
CargoAdvogado

J. Pegado Liz1

I Introdução

1. Ninguém contesta o direito à publicidade nas ordens jurídicas dos estados democráticos e, em especial, na União Europeia.

Com a sua regulação, o que se pretende é que, para além da legitima promoção dos bens ou serviços, ela constitua elemento de aprofundamento da concorrência leal e de informação séria dos consumidores a que se destinam os bens e serviços2.

É neste triângulo que se têm desenvolvido as intervenções regulamentares a nível nacional e comunitário; são, identicamente, estes três aspectos que estão na base das iniciativas várias de autoregulação que têm vindo a ser promovidas pelos interessados, produtores, publicitários e consumidores3.

2. Na presente intervenção, interpreta-se a solicitação feita como tratando-se, não de um estudo comparado sobre o direito ou as práticas publicitárias nos diferentes estados-membros da EU, mas antes como a referência a alguns aspectos principais da regulação comunitária da publicidade.

II Porquê uma regulação comunitária da publicidade

1. As principais directivas comunitárias sobre publicidade respondem à questão da necessidade de tratamento, a nível comunitário, de alguns aspectos da publicidade, no respeito dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.

Trata-se, com efeito, do reconhecimento de que "a publicidade ultrapassa as fronteiras dos estados-membros e que, em consequência, tem uma incidência directa no estabelecimento e no funcionamento do mercado comum" e de que existem "grandes disparidades entre as legislações actualmente em vigor nos estados-membros", tal como se pode ler no preâmbulo da Directiva 84/540/CEE de 10 de Setembro de 1984.

2. Em particular, os aspectos da publicidade enganosa, da publicidade comparativa, da publicidade relativa a produtos alimentares e da publicidade através da radiodifusão, são os domínios em que o legislador comunitário cedo sentiu a necessidade de introduzir alguma harmonização legislativa, com os objectivos determinantes de assegurar a eliminação ou diminuição de distorções na concorrência, de um lado, e de garantir uma adequada protecção dos consumidores, na altura de decidirem a aquisição de bens ou a utilização de serviços, de outro lado.

3. Finalmente, o legislador comunitário constatou ainda que, pelo menos nestes aspectos, as diferenças existentes nas legislações nacionais não só conduziam a uma protecção insuficiente ou, pelo menos, diversa, dos interesses em causa, mas constituíam ainda um entrave à realização de campanhas publicitárias transfronteiras, e, assim, dificultavam a livre circulação de produtos e de prestação de serviços.

III Os domínios regulados a nível comunitário

1. A União Europeia nunca pretendeu definir um código comunitário da publicidade.

Limitou-se, ao contrário, a definir, supletivamente, alguns aspectos que deveriam ser objecto de aproximação nas legislações dos estados-membro, por considerar tratar-se de domínios essenciais onde a ausência ou as diferenças nas legislações nacionais eram de molde a pôr em risco os valores antes mencionados, ou onde a própria auto-regulação se revelava insuficiente para garantir um tratamento uniforme e satisfatório das situações.

No resto, a EU deixou ao critério e ao cuidado dos estados-membro a faculdade de regular, como melhor entendessem, a actividade publicitária.

Todas as directivas mais antigas publicadas nesta matéria são, assim, directivas de harmonização mínima, deixando aos estados-membros a possibilidade de "manterem ou adoptarem disposições que visem assegurar uma protecção mais extensa dos consumidores, das pessoas que exercem uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, bem como do público em geral" (art.° 7.° da Directiva 84/450/CE e artigo 2.° n.° 9 da Directiva 98/55/CE e artigo 19.° da Directiva 89/552/CE).

2. Neste entendimento, os domínios objecto de harmonização comunitária foram, especificamente, os seguintes:

  1. a publicidade enganosa e as suas consequências desleais;

  2. as condições segundo as quais a publicidade comparativa deve ser considerada lícita;

  3. os meios judiciais e não judiciais, adequados e eficazes, para lutar, preventiva e repressivamente, contra a publicidade enganosa e fazer respeitar as disposições relativas à publicidade comparativa;

  4. A etiquetagem e a publicidade relativa a produtos alimentares;

  5. A publicidade a remédios para uso humano e a serviços médicos;

  6. A publicidade através da televisão e, aí, em particular, as televendas, a publicidade ao tabaco, a medicamentos, e a bebidas alcoólicas, e a protecção de menores.

De fora da harmonização comunitária, até hoje, apesar de várias iniciativas nesse sentido, tem ficado a utilização de crianças em publicidade e a publicidade ao tabaco4.

3. Foram estes aspectos que, melhor ou pior5, tem sido objecto de transposição nos direitos nacionais sendo certo que os diversos relatórios periódicos relativos à aplicação das normas de transposição tem revelado diferenças substanciais ao nível da sua efectividade e da protecção dos consumidores, nos diferentes estados-membro.

IV Os desenvolvimentos recentes

1. Três iniciativas recentes a nível comunitário merecem referência especial:

  1. A Directiva 2005/29/CE, relativa às práticas comerciais desleais;

  2. A proposta de Directiva visando a alteração da Directiva TV sem fronteiras (COM (2005) 646 final);

  3. A proposta de Regulamento relativo às alegações nutricionais (COM (2003) 424 final).

Uma breve nota relativa a cada uma delas e aos seus efeitos no quadro legal comunitário nesta matéria.

2. A Directiva 2005/29/CE de 11 de Maio de 2005, ao regular o que apelida de "práticas comerciais desleais", veio, no que em especial se refere a matéria de publicidade, introduzir uma cisão entre o regime B2B e o regime B2C, que eram tratados conjuntamente, e sem distinção, nas anteriores Directivas sobre publicidade enganosa e comparativa e nos direitos internos dos estados-membro.

2.1. Com efeito, reconhecendo embora que "as práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal (...) prejudicam directamente os interesses económicos dos consumidores e consequentemente prejudicam indirectamente os interesses económicos de concorrentes legítimos", a Directiva entendeu, no entanto, concentrar-se apenas nos primeiros.

Assim, a Directiva "não abrange nem afecta as legislações nacionais relativas a práticas comerciais desleais que apenas prejudiquem os interesses económicos dos concorrentes ou que digam respeito a uma transacção entre profissionais; (...) a presente directiva também não abrange nem afecta as disposições da Directiva sobre publicidade susceptível de enganar as empresas mas não os consumidores e sobre publicidade comparativa" (considerando 6).

A Directiva deixa para decisão futura a eventual a ponderação cuidadosa da "necessidade de acções comunitárias no âmbito da concorrência desleal para além do âmbito da presente directiva e se necessário fazer uma proposta legislativa para cobrir esses outros aspectos da concorrência desleal" relativos a práticas comerciais "que, embora não prejudiquem os consumidores, (possam) prejudicar os concorrentes e clientes das empresas" (considerando 8).

2.2. Consequentemente, a Directiva altera, no sentido mencionado, as Directivas 84/540/CE e 97/7/CE, restringindo a sua aplicação aos "profissionais" e retirando delas as referências aos consumidores.

Ou seja, após a publicação da Directiva 2005/29/CE passaram a existir dois regimes distintos para a publicidade, um relativo às relações B2B e outro relativa às relações B2C.

2.3. A Directiva não dá uma justificação expressa para esta alteração. Mas é possível intuí-la de todo o espírito que alegadamente presidiu à elaboração deste novo dispositivo legal comunitário.

Com efeito, foi propósito, consumado na Directiva e comum a várias iniciativas recentes da Comissão, utilizar a técnica da harmonização máxima na protecção dos consumidores, em vez da harmonização mínima, constante das anteriores directivas.

Essa intenção foi declarada logo no Preâmbulo, onde se lê que, no intuito de assegurar "o bom funcionamento do mercado interno e para satisfazer a necessidade de segurança jurídica", a Directiva determina um conjunto de "regras uniformes ao nível comunitário que estabeleçam um nível elevado da protecção dos consumidores e de classificação de determinados conceitos legais", como forma de garantir a eliminação de "obstáculos à livre circulação de serviços e de produtos para lá das fronteiras".

2.4. O resultado a que, inequivocamente, se chega, é a dois regimes jurídicos distintos para práticas comerciais idênticas relativas à publicidade enganosa e comparativa, consoante os seus destinatários sejam os consumidores ou os profissionais.

É bem de ver a extrema dificuldade que esta distinção irá pôr na transposição da directiva nos direitos nacionais que, correctamente, haviam concebido unitáriamente o seu regime legal para a publicidade6.

Com efeito, não se trata apenas de justapor um novo regime, alegadamente apenas para os consumidores, mas de tornar coerentes todo um conjunto de disposições legais que foram pensadas para um único regime, e de proceder à sua compatibilização.

Acresce, aliás, que a distinção é, em...

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