Publicidade infanto-juvenil: restrição ou proibição?

AutorMargarida Almada Bettencourt
CargoLicenciada em Direito (Ciências Jurídico - Políticas) pela Universidade de Lisboa
1. O aspecto fulcral da directiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Maio de 2005

Relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno (adiante abreviadamente designada por directiva) é a proibição das mesmas práticas, entendendo-se por tal, as que afectam directamente interesses económicos dos consumidores e, consequentemente, prejudicam os interesses económicos de concorrentes legítimos.

1.2. Centrada na prática comercial desleal, a directiva procura traçar uma noção bastante ampla e suficientemente flexível de prática comercial desleal. Mais, estabelece uma densificação do conceito, não só por meio da conceptualização de dois tipos de prática comercial desleal (as práticas enganosas e as práticas agressivas), mas também por via da enunciação de um conjunto de práticas consideradas desleais em qualquer circunstância.

2. O texto da directiva não deveria obrigar a um pronunciado esforço interpretativo no que tange à protecção dos consumidores particularmente vulneráveis

2.1. Com efeito, a directiva concede um especial relevo à protecção dos consumidores particularmente vulneráveis a determinada prática comercial ou ao bem ou serviço inerentes a essa prática, como sejam as crianças ou os idosos, o que é resultado, em boa parte, da intervenção do Parlamento Europeu, apesar de os considerandos (18) e (19) serem bastante vagos. Não obstante, o texto é de difícil compreensão.

2.2. Segundo o n.° 3 do seu artigo 5.°, "As práticas comerciais que são susceptíveis de distorcer substancialmente o comportamento económico de um único grupo, claramente identificável, de consumidores particularmente vulneráveis à prática ou ao bem ou serviço subjacente, em razão de sua doença mental ou física, idade ou credulidade, de uma forma que se considera que o profissional poderia razoavelmente ter previsto, devem ser avaliadas do ponto de vista do membro médio desse grupo. Esta disposição não prejudica a prática publicitária comum e legítima que consiste em fazer afirmações exageradas ou afirmações que não são destinadas a ser interpretadas literalmente."

2.3. Por sua vez, a alínea b) do n.° 2 do mesmo preceito, estipula que se tenha em conta "...o membro médio de um grupo quando a prática comercial for destinada a um determinado grupo de consumidores."

2.4. Ocorre perguntar: em que é que a estatuição da norma contida no n.° 3 do artigo 5.° da directiva ("devem ser avaliadas do ponto de vista do membro médio desse grupo") é diferente do disposto na citada alínea b) do respectivo n.° 2, de acordo com o qual, de tem que atender ao "membro médio do grupo", caso a prática comercial se dirija a um grupo de consumidores?

Perguntado de outra forma, qual é o sentido útil do disposto no n.° 3 do artigo 5.°?

2.5. Ao que parece, deveria ter ficado expresso que o objectivo do legislador é o de que, nos casos descritos, se devem estabelecer requisitos mais exigentes para os profissionais. Por outras palavras, nestes casos, é mais fácil existir uma prática comercial desleal, logo interdita. Em coerência, a disposição do n.° 3 reporta-se a casos especiais de práticas desleais: a sua aplicação é independente dos requisitos do n.° 2. Deveria assim ser evidente que, diferentemente do critério geral, no caso que nos interessa, não se exige que o profissional actue desconformemente à diligência profissional. Parece ser apenas suficiente que o mesmo profissional possa razoavelmente ter previsto que a prática comercial era susceptível de distorcer substancialmente o comportamento do grupo económico em causa.

2.6. Do exposto, permitimo-nos concluir que se exige ao profissional um grau de diligência acrescida quando estejam em causa práticas comerciais especialmente dirigidas a grupos de consumidores vulneráveis, entre os quais se situam as crianças e os adolescentes.

3. As restrições impostas assumem um impacte relevante no actual código da publicidade português e obrigam a uma transposição cuidadosa da nova directiva sobre televisão sem fronteiras

3.1. A directiva 2005/29/CE assume-se como uma directiva quadro que organiza o espectro legislativo na área que pretende regular. É o que resulta dos artigos 14.°, 15.° e 16.°, os quais introduzem alterações às directivas 84/450/CE, 97/7/CE, 2002/65/CE e ao Regulamento (CE) n.° 2006/2004, sendo as de maior relevância as que dizem respeito à primeira das directivas enunciadas, relativa à publicidade enganosa, por virtude de alargar, em muito, o respectivo âmbito.

3.2. No que concerne à protecção das crianças e dos adolescentes em matéria de actividade publicitária, vem a directiva interferir no escopo do Código da Publicidade, concretamente, através do ponto 28 do anexo I, no qual se dispõe que "Incluir num anúncio publicitário uma exortação directa às crianças no sentido de estas comprarem ou convencerem os pais ou outros adultos a comprar-lhe os produtos anunciados (...)", o que corresponde à redacção das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 14.° do mesmo Código, artigo este, aliás, hoje completamente desajustado da realidade comunicacional que envolva menores de idade.

3.3. Não nos parece defensável que se "desentranhe" pura e simplesmente do Código o quadro normativo da publicidade dirigida a menores ou que os utilize na mensagem comunicacional. Logo, ao contrário de alguma Doutrina que pugna por uma regulamentação única em sede de Código do Consumidor, consideramos ser desejável uma separação clara entre destinatário da publicidade e consumidor, em ordem a permitir a transposição das normas da directiva que se reportam ao primeiro (como é o caso da norma que ficou citada) num Código da Publicidade totalmente revisto. Isto, tendo em devida conta que os menores "consumidores", o são, por via da publicidade que, intencionalmente ou não, os atinge por alguma forma.

3.4. No âmbito de tão desejável revisão, a transposição da nova directiva TSF teria que ser levada a cabo com um cuidado extremo, já que, certas "inovações" em matéria, por exemplo, de "product placement" poderão, no limite, traduzir-se em práticas comerciais agressivas, com os contornos que estas assumem no seio da directiva 2005/29/CE.

3.5. Tais práticas, ao que tudo indica, já hoje se compaginam com estratégias de comunicação acolhidas nos programas adoptados ao nível do ensino superior, que não só o português. Daí, em ordem a evitar-se o surgimento de um costume contra legem em não poucas áreas jus-publicitárias, dever-se-ia, talvez, fazer estender o conceito de práticas comerciais agressivas a determinadas estratégias comummente apelidadas "de marketing", e em relação às quais é mudo quer o actual Código da Publicidade, quer o Ante-projecto de Código do Consumidor que se avizinha. E, agravantemente, no que tange ao meio televisivo, não existem indícios que nos permitam considerar que a alteração da directiva TSF possa vir a alterar o actual estado de coisas.

4. Pelo que se propõe, ao jeito de conclusão, um quadro normativo "mínimo" que conceptualize como

4.1. Anunciante, a pessoa singular ou colectiva no interesse de quem se realiza a publicidade por si contratada ou por quem o represente, com o objectivo de promoção directa dos seus bens, produtos ou serviços, bem como a que lhe venha a ser imposta por lei;

4.2. Patrocinador, a pessoa singular ou colectiva no interesse de quem se...

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