Regime das obras em prédio arrendado

AutorMargarida Grave
CargoUniversidade Lusófona e Escola Superior de Actividades Imobiliárias
Introdução
1. preliminares

O tema escolhido para reflexão reveste um interesse prático muito grande. Basta referir que o problema se equaciona inevitavelmente em relação a todos os imóveis degradados do parque imobiliário edificado que não se encontrem devolutos.

Desde logo, porque se situa no cerne da problemática da reabilitação do mercado imobiliário pelos senhorios de contratos antigos, ou seja, de contratos de arrendamento celebrados anteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 321-B/90, de 15 de Outubro. Por outro lado, porque a matéria é equívoca, admitindo interpretações de várias ordens até pelo melindre das implicações sociais que comporta.

A situação é conhecida e preocupante. Uma grande parte dos edifícios que integram os centros urbanos encontra-se degradada pela ausência de obras de conservação.

O congelamento das rendas fez com que as receitas dos proprietários dos imóveis se fossem tornando irrisórias. Presentemente, confrontados com as rendas ridículas, os senhorios afirmam não ter meios para fazer face às despesas de conservação dos prédios, não obstante a prevista correcção de renda, consagrada na Lei n.° 6/2006, de 27 de Fevereiro.

Por seu turno, os arrendatários não estão dispostos a assumir as obras na medida em que se trata de uma obrigação dos senhorios. Neste quadro a degradação dos prédios vai-se acentuando.

Por todos é sabido que, em matéria de arrendamento, existem fortes reservas por parte do Julgador normalmente menos propenso a reconhecer e a decretar o despejo.

Frizado esta preliminar, a ter em conta como factor condicionante na aplicação casuística da lei, passemos a apreciar o regime das obras em prédio arrendado.

I Parte

1. lei n.° 6/2006, de 27 de fevereiro - Na sequência da última reforma legislativa acerca da matéria, materializada na Lei n.° 6/2006, de 27 de Fevereiro, foi aprovado um Novo Regime do Arrendamento Urbano, o qual no referente a obras teve como fonte os artigos 11.° e 12.° do RAU, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 257/95, de 30 de Setembro e actualizada pelo Decreto-Lei n.° 329-B/2000, de 22 de Dezembro, que reproduziram, parcialmente, o artigo 16.° da Lei n.° 46/85, de 20 de Setembro e o artigo 13.° do RAU, que correspondeu, em parte, aos artigos 17.° e 18.° da Lei n.° 46/85, de 20 de Setembro.

Com a última alteração, o legislador optou por deixar à autonomia das partes estabelecer quem é responsável pela execução das obras, senhorio ou arrendatário, indicando um critério supletivo que se aplicará se as partes nada dispuserem de modo diferente, segundo o qual compete ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato. Ou seja, em princípio, as obras devem ser realizadas pelo proprietário, cabendo ao Estado assegurar que assim seja.

Entende-se por obras de conservação ordinária aquelas que estão relacionadas com o envelhecimento exterior e interior do prédio e com o seu uso normal; são aquelas que a lei refere como de reparação e limpeza geral, as destinadas a assegurar o gozo do prédio, de acordo com o fim a que se destinou e foi acordado com o arrendatário e, bem assim, as impostas pela Administração Pública de modo a conferir aos imóveis as características existentes ao tempo da concessão da licença de utilização.

Entende-se por obras de conservação extraordinária as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que, não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano.

A solução consagrada no artigo 1074.°, n.° 1, obrigação do senhorio suportar as obras de conservação, ordinárias e extraordinárias salvo estipulação em contrário, é a solução mais conforme com a obrigação básica referida no artigo 1031.°, alínea b) do Código Civil, tendo o legislador ressalvado o que há de justo e permanentemente válido que é a obrigação do arrendatário, findo o arrendamento, ter reparado à data da entrega as deteriorações do prédio causadas por um uso imprudente dele ou por causa que lhe seja imputável, bem como a obrigação de o senhorio realizar as obras cuja necessidade haja resultado de acção ou omissão dessa natureza imputável ao arrendatário, seus familiares e hóspedes.

Antes da última reforma legislativa, as obras de conservação extraordinárias só se tornavam obrigatórias, nos termos do artigo 13.°, n.° 1 do RAU, em dois casos:

- Quando a sua execução fosse ordenada ao senhorio pela Câmara Municipal competente, nos termos das leis administrativas em vigor;

- Quando houvesse acordo escrito das partes, com indicação das obras a serem realizadas.

Conclui-se que presentemente o senhorio tem obrigação de fazer no objecto locado as obras necessárias para o conservar em termos de assegurar o seu gozo ao arrendatário (obras de conservação ordinárias e/ou extraordinárias), salvo as provocadas pela utilização do arrendatário, as quais serão da responsabilidade deste.

Refira-se que, havendo acordo para a realização de obras, as partes podem convencionar um aumento de renda compensatório.

Contudo, salientemos que, na prática, não existe equivalência de atribuições patrimoniais se o arrendatário exige ao senhorio obras quando:

- Não existe qualquer equivalência entre o custo das obras pretendidas pelo arrendatário e a exigência de renda que paga;

- O arrendatário não tomou a providência que poderia, pessoalmente, ter tomado para evitar durante anos o agravamento das deficiências e do custo de obras.

Não se estabelece expressamente na lei qualquer exigência de proporcionalidade entre a obrigação do senhorio em realizar as prestações de facere destinadas a assegurar ao arrendatário o gozo da coisa e a renda paga por este mas, supomos que, essa proporcionalidade não poderá deixar de se considerar pressuposta. O arrendamento é um negócio oneroso que se...

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