Consumidor e telefonia: breves apontamentos sobre a cláusula de fidelização e o prazo de instalação

AutorFrederico Eduardo Zenedin Glitz
CargoAdvogado - Professor das Faculdades do Brasil (UNIBRASIL)

Consumidor e telefonia: breves apontamentos sobre a cláusula de fidelização e o prazo de instalação1

Frederico Eduardo Zenedin Glitz2

"Eis um problema! E cada sábio nele aplica as suas lentes abismais. Mas quem com isso ganha é o problema, que fica sempre com um x a mais..."

(Mario Quintana)

I Notas introdutórias

Durante a década de 1990 o Brasil experimentou diversas transformações sociais e econômicas. Uma das mais destacadas foi a estabilização econômica e a ampliação, talvez também em razão disso, do mercado de consumo.

A novidade econômica introduziu uma nova série de complexidades jurídicas que passaram a exigir atendimento. Ocorre, entretanto, que, também em termos jurídicos, o ambiente era distinto. Foi durante este mesmo período que se iniciou a consolidação da tutela das relações de consumo no Brasil.

Em certa medida, ainda que não nos demos conta, o consumidor brasileiro tem sua existência regida por uma intricada teia de relacionamentos contratuais. O atendimento de cada necessidade humana, vital ou supérflua, simples ou complexa, imediata ou contínua, condiciona-nos ao custoso jogo de poder do bailado negocial. Um bom exemplo deste cenário são os serviços de telefonia, sua ampliação e proliferação e os questionamentos que passaram a introduzir no direito do consumo e que exigem cuidado e detida análise.

O presente estudo foca, então, seu exame em duas cláusulas típicas deste tipo de contrato, buscando compreender suas respectivas naturezas jurídicas, condições de existência e conseqüências em caso de descumprimento. Serviremo-nos, portanto, deste recorte para tentar compreender este pequeno pedaço daquela trama maior. Nosso primeiro passo, portanto, será entender a complexidade negocial.

II Relações de consumo: a compreensão da fronteira negocial

Contemporaneamente, com certa liberdade, podemos afirmar que a complexidade é marca "normal" dos contratos. A lógica simplista da modernidade se contrapôs a realidade econômica. Para exemplificar este tipo de afirmação não é necessário árduo esforço, basta lembrarmos o incremento do comércio internacional (intensificado pela Internet, por exemplo), o desenvolvimento da economia nacional e a adoção de marcos regulatórios específicos.

O fato de o legislador ter assumido papel mais ativo na delimitação das liberdades individuais parece demonstrar ter tomado consciência de que certos ideais tradicionais (igualdade formal, neutralidade axiológica, codificação, autonomia da vontade, etc.) não mais encontravam respaldo na realidade econômica. Os princípios liberais que orientavam o direito contratual também sofreram, em última análise, a influência das radicais alterações sociais e econômicas.

De igual modo, a crescente massificação das relações contratuais acabou afastando a possibilidade de prévia negociação e, como conseqüência, a própria concepção tradicional de liberdade. Para que se efetivasse o reequilibro contratual e fosse mantida a concorrência, passou a ser cada vez mais necessária a intervenção estatal. Em nosso caso sob análise, podemos citar o papel desenvolvido pelos órgãos de proteção das relações de consumo e a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações).

Esta constatação é ainda mais interessante se sopesarmos os números envolvidos na prestação deste serviço. Segundo dados da própria ANATEL, o número de unidades móveis no Brasil era de 13.897.6143 em agosto de 2009 e o número de assinantes de serviços de telefonia fixa equivalia a 41.051.372 em fevereiro de 20094.

Esta rápida difusão do serviço, comprovada pela estatística da agência reguladora, acabou, nem sempre, sendo acompanhada do incremento da qualidade do serviço. Dados contidos no relatório elaborado pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor sobre as demandas registradas pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SINDEC)5 acusam 607.746 (seiscentos e sete mil setecentos e quarenta e seis) reclamações em face do setor de Telecomunicações. Deste total, destacam-se os serviços de telefonia celular (10,63%) e fixa (10,60%), em segundo e terceiro lugar respectivamente no quadro dos mais demandados. Saliente-se que a pesquisa alberga dados colhidos de 1.°/05/2005 a 30/04/2009, em 23 (vinte e três) estados da federação (excluído o Paraná) por meio dos respectivos PROCONs.

Essas informações são ainda mais preocupantes quando ilustradas pelo perfil do consumidor curitibano traçado, segundo pesquisa realizada em 2001 pelo PROCON/PR, em que aproximadamente 59% (cinqüenta e nove por cento) dos entrevistados afirmaram conhecer "um pouco" da legislação consumerista e, aproximadamente, 32% (trinta e dois por cento) a desconhecerem completamente6.

Esta aparente apatia, em certa medida, reflete as conseqüências de uma técnica de formação dos contratos que não privilegia o livre estabelecer de condições obrigacionais. O atual estágio da economia demanda a adoção dessa técnica negocial de modo a proporcionar respostas rápidas às necessidades econômicas, ao mesmo tempo em que se apresentassem de modo menos formal e ritualístico de contratar. A produção, a distribuição e o consumo em massa7 de bens e serviços acabam por impor a "despersonalização" dos contratos.

Em princípio esta técnica negocial atenderia a necessidade de economia, segurança e praticidade tão prementes à atividade empresarial. Passa-se, então, a predispor antecipadamente um esquema contratual ideal, oferecido à simples adesão dos consumidores, estabelecendo as cláusulas contratuais aplicáveis às futuras relações contratuais. São os chamados contratos por adesão8.

Em suma, o contrato de adesão tem por características: a pré-elaboração unilateral; oferta uniforme e geral, para número indeterminado de futuras relações contratuais; normalmente se dá através de instrumento impresso, no qual falta apenas o preenchimento dos dados referentes à identificação do contratante, do objeto e do preço; e, finalmente, modo de aceitação dado pela adesão à vontade manifestada pelo parceiro contratual economicamente mais forte.

Fica claro que tal tipo de contratação limita a liberdade do contratante de discutir as cláusulas contratuais, acabando o consumidor por ter de aceitá-las em bloco (lembrando-se que estas foram estabelecidas unilateral e uniformemente pelo outro contratante).

Entretanto, o contrato de adesão não é contrato autônomo. Constitui-se apenas um método de contratação, que obtém vantagens como: facilidade, rapidez, racionalização da transferência de bens, adaptação a novas situações, etc.. Por outro lado, a sua prévia elaboração pode facilitar a inclusão de cláusulas abusivas que assegurem vantagens unilaterais e excessivas para quem as elaborou9. Eis o motivo pelo qual a atual legislação tenta preservar o aderente de maior oneração instituindo regra de interpretação limitadora (art. 423 do código Civil e art. 47 do Código de Defesa do Consumidor).

Evidencia-se, hoje, que na realidade a disparidade econômica pode causar desigualdade entre os contratantes, principalmente quando seu conteúdo é estabelecido de forma abusiva. Desse modo, tratou-se de encontrar meios para que, principalmente, a disparidade econômica não sobrepusesse interesses individuais sobre os coletivos.

"O Direito de proteção aos consumidores transformou tudo isso. Ab initio, instala uma ordem protetiva que derroga o princípio geral da igualdade dos cidadãos. A ordem supletiva torna-se imperativa; surgem as `nulidades virtuais', pretendendo a manutenção do propósito prático perseguido pelos contratantes. Os sistemas de módulos abertos para a qualificação de cláusulas contratuais abusivas, a `listagem de cláusulas negras e cinzentas', o controle administrativo prévio, o repúdio de algumas cláusulas, mantendo o negócio e dando-lhe novo contorno, são pouco freqüentes no Direito Comum." 10

Trata-se, portanto, da superação da ficção do equilíbrio das partes presumido na vontade livre. Percebeu-se, na verdade, que a autonomia da vontade, escondida por detrás de uma aparente neutralidade axiológica, poderia ser instrumento de desequilíbrio. A busca de fundamentação da vinculação contratual acabaria encontrando uma nova base: o equilíbrio contratual.

"Ora, igualar a adesão ao consentimento manifestado após prévia discussão implicaria, ao nosso ver, uma valoração extremada da manifestação da vontade do aderente; implicaria talvez até se considerar que consentiu com algo que desconhecia (e, talvez, se conhecesse, não aderiria), pois axiomático é o fato de que na grande maioria das vezes o aderente desconhece grande parte do conteúdo normativo ao qual está aderindo. Ele adere através da boa-fé." 11

Assim, o pressuposto contratual da não intervenção estatal sofreu grande alteração, influindo na importância do contrato como instrumento jurídico de busca da justiça do caso concreto.

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