Terceira fase: Livre Governo dos Açores pelos Açorianos

AutorArnaldo Ourique
Cargo do AutorLicenciado, Pós-Graduado e Mestre em Direito , Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Páginas66-76

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I - Antecedentes

Nesta fase, nos anos vinte, desenrola-se o segundo «movimento autonómico» ou «regionalista». Em São Miguel foram criados grupos de trabalho com o intento de discutir a autonomia administrativa dos Açores, especialmente de Ponta Delgada. Um, era a Comissão de Estudos de um Projecto de Autonomia Administrativa; outro era a Liga de Estudos de Propaganda de Difusão de Princípios de Descentralização Administrativa. Outros, menos emblemáticos, o Partido Popular Vila-Franquense e a Aliança Ribeiragrandense.

A Madeira, em 1922, adere ao movimento, especialmente devido às movimentações feitas em Ponta Delgada.271

A) Projecto de Francisco d'Ataíde M Faria e Maia

O micaelense, senador pelos Açores, FRANCISCO D'ATAÍDE M. FARIA E MAIA apresentou este projecto de lei para os Açores no Senado em 1921, documento que não chegou a ser discutido.272

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Nos Açores existiriam dois poderes, um deliberativo e outro executivo, o primeiro exercido pela junta geral e o executivo pelo conselho distrital.273 A divisão administrativa seria a que viesse a constar do Código Administrativo.

1 - Junta geral

A junta geral seria composta por procuradores, em número de 7, 5 e 3, por cada concelho, respectivamente de 1ª, 2ª e 3ª ordem,274 sendo as sessões abertas ao público para que as deliberações fossem logo executórias.275 Seria competência da junta geral:276

- deliberar definitivamente sobre tudo o que não seja contrário à Constituição;

- regulamentação e organização dos serviços administrativos, de ensino primário, especial e técnico, de obras públicas, fiscais e alfandegárias;

- autorizar o conselho distrital a contrair empréstimos;

- autorizar o conselho distrital a contratar com empresas a construção de obras;

- votar subsídios às câmaras municipais, exclusivamente para a construção de edifícios escolares e viação municipal.

As matérias referentes às três últimas referências estariam adstritas ao seguinte esquema: poderiam ser executórias se no prazo de 10 dias os eleitores não fizessem uso de requerimento para um referendo sobre o assunto nos termos da lei então em vigor para o efeito,277-278.

E seria receita ordinária do distrito279 a não incluída na receita extraordinária que seria280:

- heranças, legados e doações;

- produto dos empréstimos;

- alienação de bens;

- subsídios do Estado.

2 - Conselho distrital

O conselho distrital, composto por cinco membros conselheiros,281 nomeados pela junta geral depois das eleições,282 sendo cada um deles dirigente das cinco direcções dos serviçosPage 68 autónomos.283 Esses serviços eram designados por repartições, e detinham a seguinte estrutura:284 1º, administração geral, polícia, ordem pública, sanidade marítima, terrestre e beneficência; 2º, instrução, museus e bibliotecas; 3º, obras públicas, fomento, indústria e comércio; 4º, finanças, contabilidade, organização de matrizes e cadastro de propriedade; 5º, tutela e estatística.

Os conselheiros do conselho distrital só podiam deliberar isoladamente sobre expediente, sendo necessário deliberação conjunta para todos os outros assuntos.285 As deliberações do conselho distrital eram feitas públicas através de alvarás.286

O conselheiro deteria a seguinte competência:287

- executar e fazer executar as deliberações da junta geral;

- fazer interpretar e alterar os regulamentos da administração distrital de harmonia com as disposições legais;

- administrar os bens e rendimentos;

- dirigir as obras e serviços;

- organizar orçamentos;

- representar os distritos;

- aprovar os orçamentos dos serviços sob a sua tutela;

- contrair empréstimos autorizados;

- organizar os regulamentares disciplinares das repartições;

- aprovar as contas e orçamentos da administração autónoma dos portos artificiais;

- nomeação dos empregados e funcionários, com excepção dos correios e telégrafos, professores de instrução secundária, magistrados administrativos e judiciais e conservadores que continua a cargo do governo.

As leis, os regulamentos, as portarias e os decretos estaduais para terem aplicações nos Açores teriam de o referir expressamente; podendo a junta geral tornar tais leis extensíveis aos distritos.288

3 - Governador civil

A representar o governo existiria um delegado ou alto comissário, cujas funções seriam determinadas por lei especial.289 Caber-lhe-ia fiscalizar a exacta observância das leis ePage 69 suspender, fundamentadamente, as deliberações da junta geral e do conselho do distrito a elas contrárias.290 Se o governo não decidir em três meses, cessa a suspensão.291

4 - Critica

Trata-se de uma proposta de autonomia administrativa simples, trás inovações mas contraditórias. Mantém a estrutura existente, substituindo a comissão distrital por um conselho distrital, mas que tinha a mesma natureza de órgão executivo da junta geral.

A deliberação de abonar subsídios às câmaras para efeitos de construção de escolas, poderia ser suspensa pelos eleitores, quando provocassem um referendo sobre o assunto; portanto, um retrocesso no poder dos órgãos distritais.

Deixava, este modelo de autonomia administrativa, os distritos sem qualquer segurança de financiamento, já que do Estado receberiam apenas subsídios, deixando de existir impostos distritais; o que, a muito custo, seria possível dar encaminhamento a qualquer projecto distrital. Os subsídios seriam pedidos; os subsídios seriam pedidos em conjunto para os orçamentos distritais ou por projecto? Enfim, interrogações que têm uma resposta evidentemente negativa: pois não era, entre outros motivos, a autonomia administrativa reivindicada devido à falta de contacto com o poder central? Por outro lado, esta proposta não tem consistência: para as leis se aplicarem nos distritos tinham de o declarar; e as decisões da junta geral e do conselho de distrito dependiam sempre da sua eventual suspensão pelo governador civil por aquelas contradizerem a lei. Ora, como se poderia admitir que um órgão distrital pudesse por si só decidir quais as leis aplicáveis? E se a lei nada dissesse e a junta geral também não, como poderia então o conselho distrital decidir?, baseado em quê?

B) Ideias de Luís Ribeiro

Luís Ribeiro, em Angra do Heroísmo, em 1923 publicou um conjunto de sete textos num jornal local onde traça as suas ideias sobre a autonomia administrativa dos Açores:292

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1 - Câmaras municipais

Nos distritos não existiria a junta geral e os poderes e receitas desta passariam para a câmara municipal em relação a cada concelho. Concentração de serviços num único serviço açoriano e sem necessidade da existência de três serviços correspondestes aos três distritos.

2 - Governador civil

Um governador civil eleito e nomeado pelo senado com todas as atribuições e competência dos governadores civis previstas no Código Administrativo, bem como a do governo no respeitante aos funcionários do Estado.

3 - Critica

Teríamos, portanto, uma autonomia local mais lata. A ideia do jurista era de uma descentralização da autonomia local, conceito unilateral, e não uma autonomia administrativa que entendia como conceito sintético e, inclusivamente, um conceito «perigoso» porque se tratava de um avanço formal sem qualquer utilidade. Tudo assim porque entendia necessária a união das ilhas e dos açorianos, criar «a cooperação açoriana», substituir a ilha pelo arquipélago.

É a primeira que se fala na união das ilhas e por isso talvez a primeira ideia clara de unidade regional. No entanto, o sistema proposto por LUÍS RIBEIRO em nada adiantaria a unidade açoriana, antes pelo contrário: primeiro, deixaria de existir uma autonomia administrativa distrital, que já tinha pelo menos a virtude de unir vários concelhos e várias ilhas; segundo, o poder estaria unido em cada câmara, em cada concelho, o que distanciaria cada vez mais as ilhas umas das outras. Mais, como meras autarquias locais, os Açores deixariam de pertencer a um sistema de unidade nacional.

Trata-se, a nosso ver, de uma proposta demasiadamente preocupada com os programas separatistas de então.293

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C) Projecto de um grupo de açorianos para uma Província Autónoma dos Açores, 1927

Trata-se de um projecto amplo para o todo nacional, com um conjunto de bases para uma província autónoma dos Açores, realizado por um conjunto de açorianos em 1927.294 O arquipélago seria uma província autónoma,295 administrada sob a forma de um governo geral,296 com um governador geral (nacional) e um governador de distrito em cada um dos três distritos.297

A administração dessa província autónoma teria os seguintes órgãos:298

1 - Conselho de província

O conselho de província, composto por vogais que são delegados das...

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