A) Termos Gerais

AutorHelder Martins Leitão
Cargo do AutorAdvogado
Páginas43-57

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Messieurs les magistrats, jetez vos perruques! Voici venir des juges aux pieds nus.

La Stratégie Judiciaire

Jacques Vergès

Digamos que daqui para diante vamos conferir ao vocábulo instrução 109 o sentido de normas relativas:

- aos princípios gerais sobre provas e

- ao oferecimento, produção e avaliação de cada uma das espécies ou de cada um dos meios de prova. 110

Alberto dos Reis refere que a palavra instrução tem, ainda, uma significação mais ampla.

A actividade instrutória compreende, rigorosamente, duas modalidades diferentes.

- a actividade de alegação;

- a actividade de verificação ou demonstração daquilo que se alegou.

Quando as partes, em seus articulados, deduzem os fundamentos das suas pretensões, exercem actividade de instrução, porque oferecem os dados de que o tribunal há-de servir-se no julgamento da causa.

A instrução começa aí.

A conveniência de distinguir a fase dos articulados da fase da produção de provas foi a responsável pelo sentido restrito que supra assinalámos ao termo instrução.

E a nossa lei adjectiva, como a define?

Fá-la coincidir com o objecto da prova. E, como tal, diz:

«Artigo 513.º 111

Objecto da prova

A instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova.»

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Para efeitos processuais como se poderá definir a prova?

Ou se quisermos, qual a sua função?

Com a prova, com a sua produção, visa-se convencer o julgador da veracidade de uma determinada afirmação feita por esta ou aquela parte.

Na ascensão até ao momento decisório podem divisionar-se os degraus seguintes: 112

I) - Proposição de prova: acto pelo qual a parte oferece a prova (apresentação de rol de testemunhas, requerimento de depoimento de parte, de exame vistoria ou avaliação, de inspecção judicial, oferecimento de documentos);

II) - Admissão da prova: acto pelo qual o juiz defere a proposição (recebe o rol, admite o documento, despacha favoravelmente o requerimento para depoimento de parte, de exame, vistoria ou avaliação, de inspecção judicial, oferecimento de documentos);

III) - Produção da prova: acto das partes, do juiz ou de terceiros tendentes à formação da prova (interrogatório da parte, depoimento das testemunhas, realização do exame, da vistoria, da avaliação, da inspecção);

IV) - Assunção da prova: acto pelo qual se incorpora no processo o material probatório (junção de documentos, de inquirição de testemunhas ou de arbitramento, de relatório de peritos, de plantas, mapas, etc.).

As normas jurídicas que estabelecem a disciplina concernente às provas constituem o chamado direito probatório, a integrar-se no direito processual.

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Onde se podem observar duas categorias:

regras de direito probatório material

e

regras de direito probatório formal

- princípio do contraditório

- princípio da cooperação

- princípio da oportunidade

- princípio do valor extraprocessual

regulam o ónus da prova, a admissibilidade e o valor de cada um dos meios de prova;

respeitam aos procedimentos probatórios.

Uma das regras fundamentais do direito probatório, quiçá a mais relevante é a de que as provas devem ser produzidas com audiência contraditória da parte a quem hão-de ser opostas. 113

O direito de defesa, de oposição, é uma garantia fundamental da ordem jurídica, de um estado de Direito.

A parte contra a qual for apresentada certa e determinada prova tem o pleno direito, antes de a mesma ser contra si utilizada, de a apreciar, fiscalizar, escalpelizar, desmontá-la, contrariá-la, destruí-la, se for caso disso.

Tudo bem, mas como chega ao conhecimento da parte interessada?

Pois, pela via da notificação e pela admissão a intervir nos actos de preparação e produção da prova por si própria ou por intermédio de mandatário.

É assim:

«Quanto às provas constituendas, a parte será notificada, quando não for revel, para todos os actos de preparação e produção da prova, e será admitida a intervir nesses actos nos termos da lei; relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respectiva admissão como da sua força probatória.» 114

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Relativamente às provas constituendas (as que se formam no contexto do processo), a parte (não sendo revel) é chamada aos actos de preparação e produção da prova e é admitida a intervir nesses actos.

A prova constituenda, de preparação e de produção mais complexa, na qual o princípio se reflecte com maior intensidade, é a prova por arbitramento.

Em relação às provas pré-constituídas, faculta-se à parte contrária àquela que as oferece a possibilidade de impugnar, tanto a sua admissibilidade, como a sua força probatória. 115

Para esse efeito se manda, por exemplo, notificar a apresentação do documento à parte contrária, sempre que este seja oferecido com o último articulado ou depois dele. 116

Vejamos, agora, o texto integral do seguinte dispositivo do C.P.C.:

«Artigo 518.º

Apresentação de coisas móveis ou imóveis

1 - Quando a parte pretenda utilizar, como meio de prova, uma coisa móvel que possa, sem inconveniente, ser posta à disposição do tribunal, entregá-la-á na secretaria dentro do prazo fixado para a apresentação de documentos; a parte contrária pode examinar a coisa na secretaria e colher a fotografia dela.

2 - Se a parte pretender utilizar imóveis, ou móveis que não possam ser depositados na secretaria, fará notificar a parte contrária para exercer as faculdades a que se refere o número anterior, devendo a notificação ser requerida dentro do prazo em que pode ser oferecido o rol de testemunhas. 117

3 - A prova por apresentação das coisas não afecta a possibili- dade de prova pericial ou por inspecção em relação a elas».

O princípio da audiência contraditória funciona aqui do seguinte modo: a parte contrária fica tendo conhecimento do oferecimento da prova por meio do duplicado do articulado ou da leitura da alegação; fica também informada do partido que o seu adversário quer tirar da coisa oferecida, isto é, fica sabendo quais os factos que se propõe provar mediante a exibição da coisa; a lei dá-lhe o direito de ir à secretaria examinar a coisa e colher a fotografia dela; o exercício deste direito habilita-a a verificar até que Page 47 ponto a coisa pode ajudar a provar os factos indicados pelo seu antagonista e fornece-lhe, por isso, os elementos necessários para fiscalizar e, porventura, rebater a prova que da coisa se pretende extrair.

Se a parte contrária tem de ser notificada, há necessariamente um despacho

. E, então, o juiz ou indefere o requerimento, se entende que não é de admitir a prova, ou o defere, mandando fazer a notificação. 118

Quando acima enunciamos as regras de direito probatório formal apontamos, como primacial, o princípio do contraditório, mas logo de imediato mencionamos o princípio da cooperação.

Exposto aquele é tempo de nos debruçarmos sobre estoutro.

«Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.»

Eis o princípio da cooperação, tal como o enuncia o n.º 1, do art. 519.º do C.P.C..

E não se trata de um mero enunciado, sem expressão prática.

Não, é mesmo para cumprir, caso contrário há sanções para os recalcitrantes.

Distintas consoante os infractores.

Se partes, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa, podendo mesmo vir a considerar provados os factos que pretendiam averiguar. 119

Se terceiros, serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis.

O dever de cooperação, tal como se encontra vazado na maioria dos códigos, é expressão de derrube do conceito individualista em prol do conceito publicista e moderno do processo.

No processo de tipo dispositivo era inexistente o dever de cooperação.

A estrutura processual assentava sobre o princípio da liberdade de movimentos das partes.

Estava-se no domínio do individualismo, em toda a sua pujança.

O que valia - diz Alberto dos Reis 120 - era que o princípio do contraditório corrigia os defeitos da liberdade absoluta de movimentos.

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As afirmações de um dos litigantes encontravam pela frente as afirmações opostas do outro; deste choque, desta luta, resultava para o juiz o conhecimento da verdade.

No processo moderno - continua o mesmo Mestre 121 - o conceito individualista cedeu o passo ao conceito publicista; daí a penetração, no direito processual, das influências do sistema inquisitório.

Neste novo clima - remata ainda aquele Professor 122 - a actividade das partes pode ser disciplinada sobre a base de duas orientações diferentes:

  1. Sujeição a uma rede apertada de obrigações;

  2. Funcionamento de ónus.

Na primeira orientação, as partes, em vez de se encararem como sujeitos de direitos, que estão no processo para fazer valer o seu próprio interesse, são tratadas como instrumentos de interesse público, obrigadas, se for necessário, a cavar a sua própria ruína.

Na segunda orientação, procura conciliar-se o dever de cooperação com o direito de defesa da parte mediante a imposição de ónus que constituem outros tantos estímulos a que a parte assuma no processo a atitude que convém à descoberta da verdade e ao triunfo da justiça.

De ressalvar, todavia, as limitações impostas pela própria lei, ao exercício do dever de cooperação para a descoberta da verdade.

Isto é: casos há em que a recusa de colaboração é legítima.

Ponto que a obediência implique:

Violação da integridade física ou moral das pessoas;

Intromissão na vida privada ou familiar, no...

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