Contrato de time sharing: nuances acerca da proteção do consumidor no direito comunitário e no direito brasileiro

AutorCristiano Heineck Schmitt/Fabiana Pietros Peres
CargoMestre e Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS - Brasil), Pós-graduado pela Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul, Membro do Conselho Científico da Escola Superior de Defesa do Consumidor do Rio Grande do Sul, Membro do Conselho de Defesa do Consumidor do Município de Porto Alegre/RS, Professor d
1. Introdução

O tema discorrido é de larga importância, pois o contrato de time sharing, também entendido como contrato de tempo compartido, mostra-se como uma evolução necessária e inafastável do turismo moderno.

Quando bem utilizado, o sistema permite a determinados empreendimentos hoteleiros manterem-se e sobreviverem nos períodos de baixa ocupação, especialmente no momento atual, em que cenário econômico resta impregnado pela “crise internacional”, cujos efeitos ainda não têm previsão de cessação.

Por outro lado, o contrato objeto de nosso estudo apresenta-se como elemento de democratização do turismo, pois viabiliza a indivíduos de classe média acessarem hotéis de luxo e similares, por determinado período ao ano, durante vários anos. Contudo, há a necessidade de encontrar-se enquadramento legal para esta prática negocial, especialmente em se tratando de Brasil, país no qual referida negociação ainda é atípica, não dispondo de lei expressa que o regule.

Assinalamos também o fato de tais contratos apresentarem-se como relação de consumo, o que nos leva a cogitar dos elementos de proteção do consumidor.

Outrossim, tais contratos, muitas vezes, superam as fronteiras de um país, pois o local de celebração pode não coincidir com o do empreendimento, onde serão oferecidos os serviços que formam o sistema.

A forma de captação de clientela passa a ser objeto de indagação também, uma vez que lida com o emocional do adquirente que, geralmente, vê no sistema do time share uma solução para momentos de férias e de lazer. Como não se trata de negócio com regras normatizadas pelo Estado, deve-se observar o aspecto informativo e o seu repasse ao consumidor, no intuito de vetar-se severa frustração de expectativas. Uma vez que contratações irregulares promovam pedidos de rescisão em número acentuado, ter-se-á um revés que contaminará toda uma cadeia de negócios voltados para o setor.

Pensamos que a proteção conferida pelo sistema jurídico a determinado contrato, seja ele típico ou atípico, é uma garantia de preservação da prática deste tipo de negócio.

Por fim, as indagações que nos surgiram sobre o tema demandam, outrossim, uma análise sobre o ordenamento jurídico comunitário, uma vez que neste sistema normativo podemos verificar uma diretiva específica sobre contratos de time share, e que pode contribuir para a regulação do mesmo entre nós.

2. A estrutura do contrato de time sharing: histórico e conceitos
2.1. O início do time sharing

Conforme narra CALFAT1, as origens do sistema de time sharing remontam ao período pós-segunda guerra mundial, sendo adotado como uma solução para o turismo na Europa, beneficiando tanto proprietários de hotéis, como de agências de viagem, e famílias que já não detinham mais recursos para aquisição de uma propriedade de férias.

Assim, reporta o autor, que os grupos familiares reuniam-se para, juntamente adquirir e compartilhar um imóvel de férias. Para os estabelecimentos hoteleiros, isto servia de alternativa para a subsistência do negócio, pois, ao promoverem o compartilhamento de seus aposentos, alternando períodos de utilização em três a quatro meses, conforme o a possibilidade do cliente, garantiam a lotação necessária2.

Nos Estados Unidos, como indica CALFAT, a estrutura do time sharing fora aprimorada, ao ponto de reduzir-se o tempo de ocupação, antes em meses, para semanas, fator que comprovou facilitar a comercialização deste tipo de negócio3. Nesta nação, a partir do ano de 1.976 surge a empresa Interval International, a qual, dinamizando o time sharing, apresenta a este mercado a possibilidade do serviço de intercâmbio. Com esta prerrogativa, viabiliza-se ao adquirente do sistema a troca de seu período de férias anual em determinado hotel, por outro lapso temporal idêntico em outro estabelecimento hoteleiro filiado, e que poderia estar situado em qualquer parte do mundo4. Deve ser acrescentado também, que, em alguns casos, há alternativa do detentor do uso poder negociar seu tempo anual de ocupação, auferindo lucro, traduzindo uma perspectiva de investimento.

Com o crescimento de investimentos no setor, face à lucratividade gerada, CALFAT aduz que os hotéis afiliados em cadeia passam a ser resorts “estruturados para lazer em todos os níveis e localizações em destinos potencialmente turísticos; além disso, as novas regras vieram a determinar adequações de projetos, como apartamentos grandes com estrutura de cozinha, procedimentos específicos quanto a reservas de intercâmbios, etc”5.

Pode-se observar que o time sharing denota ser o segmento do turismo que mais cresce no mundo, pois ao usuário se oferece hospedagens em resorts e spas de categoria luxo, a preços acessíveis6. Soma-se a isto o a chegada de marcas de reputação internacional, com possibilidade de variação de entre estabelecimentos hoteleiros, afastando a necessidade de vínculo de férias sempre em um mesmo local7.

Ainda, em se tratando de operações de time sharing, em nível mundial, cabe destacar, como exposto por CALFAT, que existem duas grandes operadoras de intercâmbio: a própria Interval International e a RCI, pertencente ao grupo HFS – Hospitality Franchise Sistems, as quais, somente no Brasil, possuem cerca de 120 resorts afiliados.8 Em se tratando de América Latina e Brasil, o sistema de tempo compartilhado passa a se desenvolver no final dos anos 90.

No Brasil, embora ainda seja tratado como um contrato atípico, cabe destacar que o Ministério da Indústria e Comércio, através da Embratur – Instituto Brasileiro de Turismo, na sua Deliberação Normativa nº 378 de 12/08/97, apresentou uma regulamentação para o contrato de tempo compartilhado em meios de hospedagem e turismo, prevendo os direitos e obrigações dos agentes intervenientes do sistema9.

2.2. Definição do instituto

Como ensina MARQUES,

O time-sharing pode ser definido como um contrato múltiplo e complexo, visando o uso habitacional de um imóvel, de um complexo de imóveis, assim como dos serviços conexos a esta fruição, tudo por tempo certo a cada período do ano10.

TEPEDINO, por sua vez , buscando definir o sistema, utiliza-se da expressão multipropriedade:

Com o termo multipropriedade designa-se , genericamente, a relação jurídica de aproveitamento econômico de uma coisa móvel ou imóvel, repartida em unidades fixas de tempo, de modo que diversos titulares possam, cada qual a seu turno, utilizar-se da coisa com exclusividade e de maneira perpétua11.

De acordo com a Deliberação Normativa nº 378 de 12/08/97 da EMBRATUR (Instituto Brasileiro de Turismo), adotou-se o seguinte conceito para time sharing:

Contratos de tempo compartilhado são instrumentos, públicos ou privados, pelos quais o empreendedor, por si ou por meio do comercializador, cede, por períodos, o direito de ocupação de unidades habitacionais equipadas e mobiliadas em meios de hospedagem de turismo de seu domínio ou posse, permitindo o uso de seus espaços, bens e serviços comuns, e assumindo, por si ou por terceiro, a sua operação.

Para denotarmos a presença de um contrato como este em estudo, podemos visualizar expressões como as seguintes: time sharing (ou time share), multipropriedade imobiliária, uso de tempo compartilhado, direito real de habitação periódica (segundo o artigo 2º da Diretiva 94/47 da União Européia, Multipropriètè ou jouissance à temps partagé (França), Multipropriedad (Espanha), Multiprorpietà (Itália), entre outros12.

Conforme já havíamos anunciando, no sistema de time sharing encontramos a possibilidade de aquisição do direito a umas férias anuais, num determinado empreendimento turístico, pelo qual o consumidor será detentor do direito de uso a tempo parcial de um ou vários locais de férias, que podem ser apartamentos, moradias, bangalôs, etc., partilhando sua utilização com outras pessoas.

2.3. Natureza do pacto

Tem-se no time sharing um contrato complexo, de múltiplas características e possibilidades, englobando uma rede de fornecedores, e que visa o uso de um imóvel em área turística, por determinado tempo ao ano.

MARCELINO destaca tratar-se de relação em que se distintos proprietários de um imóvel têm sobre o mesmo direito de fruição somente por um tempo determinado.13

MARQUES salienta que desta contratação nem sempre serão originados direitos reais em relação ao imóvel, daí não se poder falar também em contrato de aquisição imobiliária. Via de regra, somente se está diante de uma relação obrigacional, em que o consumidor tem direito a usar limitadamente de um espaço residencial e das comodidades oferecidas pelo empreendimento14.

Merece destaque também o fato de o contrato de time sharing ser contrato atípico. Quanto a estes, temos contratos que não encontram estrutura delimitada junto aos modelos legais, não sendo disciplinados ou regulados expressamente pelo Código Civil brasileiro, pelo Código Comercial brasileiro ou por...

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