A Protecção dos consumidores Vulneráveis nas práticas comerciais desleais: Análise da Directiva 2005/29/CE e do Decreto-Lei 57/2008.

AutorHélio T. Rigor Rodrigues
CargoDoutorando da Universidade de Vigo

… desde a cabeça até ao bico dos sapatos, são mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordem de uso, abuso, reincidência, costume, habito, permanência, indispensabilidade, e fazem de mim homem-anuncio itinerante, escravo da matéria anunciada.

Carlos Drummond de Andrade

"Eu Etiqueta" 1994

Introdução

Neste breve estudo que pretendemos realizar, teremos especialmente em atenção a Directiva 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno, recentemente transposta em Portugal pelo Decreto-Lei n.° 57/2008 de 26 de Março.

Era, por isso importante, antes de iniciarmos o estudo sobre a protecção concedida aos consumidores particularmente vulneráveis pelos citados instrumentos legislativos, identificar em que situações são aplicados e definir a quem se destinam e quem visam proteger. Sabendo-se da importância que os profissionais dispensam a certos grupos de consumidores particularmente vulneráveis, de que destacamos as crianças, e da forma tantas vezes desonesta como promovem os seus produtos junto destas, era urgente uma regulação séria e intensa nesta matéria. Nessa medida, o que se pretende com este humilde estudo é saber se a protecção dispensada aos grupos de consumidores particularmente vulneráveis está devidamente assegurada pelos diplomas legais em apreço.

Objectivos da Directiva 2005/29/CE e sua Base Jurídica

Podemos, com segurança, afirmar que o objectivo nuclear da Directiva 2005/29/CE1 do Parlamento e do Conselho de 11 de Maio de 2005 relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, consiste em conceder uma efectiva protecção aos interesses económicos dos consumidores. A este objectivo que caracterizamos como principal podemos associar pelo menos outros dois de enorme relevância, que são: Conseguir uma harmonização plena em matéria de práticas comerciais das empresas com os consumidores e contribuir para o progresso do mercado interno.

No artigo 1.° da Directiva pode ler-se que "A presente directiva tem por objectivo contribuir para o funcionamento correcto do mercado interno e alcançar elevado nível de defesa dos consumidores através da aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas às práticas desleais que lesam os interesses económicos dos consumidores" .

Como refere González Vaqué2, com o objectivo unificador plasmado na Directiva pretende-se "(…) eliminar las marcadas diferencias existentes entre las legislaciones de los Estados miembros relativas a las prácticas comerciales desleales que pueden generar distorsiones apreciables de la competencia y obstaculizar el buenfuncionamiento del Mercado interior. Según el legislador comunitario, «estas disparidades provocan incertidumbre en cuanto a cuáles son las normas nacionales aplicables a las prácticas comerciales desleales que perjudican a los intereses económicos de los consumidores y crean numerosas barreras que afectan a las empresas y a los consumidores». Además, «estos obstáculos incrementan el coste que supone para las empresas el ejercicio de las libertades del mercado interior, en particular cuando desean realizar actividades de comercialización transfronteriza, campañas de publicidad y promociones de ventas».

De uma leitura atenta do citado artigo 1.° da Directiva, conjugado com as palavras de Vaqué, é possível concluir que a Directiva encontra fundamento nos artigos 95.° e 153.° do Tratado da União Europeia (TUE)3. Ou seja, visou-se realizar o mercado interno através da supressão dos obstáculos à livre circulação das mercadorias e garantir um elevado nível de defesa dos consumidores.

No livro verde sobre a defesa do consumidor4 diz-se a este respeito que "O artigo 153.° do Tratado CE consagra um determinado número de direitos dos consumidores - o direito à informação, à educação e à organização para a defesa dos seus interesses.

As directivas relativas à defesa do consumidor na União Europeia, normalmente baseadas em disposições respeitantes ao mercado interno do artigo 95.° (ex-artigo 100.°-A) do Tratado CE, precisaram alguns destes direitos. Outras directivas, apesar de não terem como objectivo principal a defesa do consumidor, também apresentam repercussões directas quanto a esta matéria.".

A Directiva 2005/29/CE que ora nos ocupa parece-nos estar inserida no grupo daquelas que, como se diz no citado livro verde, tem como principal objectivo a defesa dos consumidores. Isto porque se abandonou a metodologia clássica em matéria de concorrência desleal, que apenas tratava das relações das empresas entre si (B2B ou Business to Business) passando com esta Directiva a ter-se em elevada consideração as relações B2C (Business to Consumer), numa lógica de salvaguarda dos interesses económicos dos consumidores relativamente às práticas comerciais dos profissionais.

As motivações da Directiva, tal como nos são apresentadas nos considerandos 2 e 35, nasceram da necessidade de pôr termo às diferenças existentes entre as legislações dos vários Estados-Membros em matéria de práticas comerciais das empresas com os consumidores, podendo tais práticas, quando revistam carácter desleal, criar obstáculos ao bom funcionamento do mercado interno.

Esta incerteza provocada pelas diferentes legislações nacionais conduzia também a uma elevada falta de confiança dos consumidores no mercado, traduzida no desconhecimento que estes apresentavam em relação aos direitos que, de um estado membro para outro lhe eram assegurados.

O funcionamento do mercado interno estava afectado, não apenas por estes problemas sentidos pelos consumidores, como também por outros que afectavam as empresas, preferindo estas centrar-se no seu mercado interno, porque, como refere Panayota Boussis6, "las normativas nacionales relativas a las prácticas comerciales eran diferentes en cada uno de los Estados miembros, la definición de lo que se consideraba desleal variaba de un país a otro y provocaba confusión en las empresas, que no sabían qué legislación debían cumplir. Por lo tanto, se estimó que resultaba necesario disponer de reglas comunes en la materia si se quería devolver la confianza a las empresas además de a los consumidores".

Na proposta de Directiva7 consta também a este respeito que uma cláusula de mercado interior "é necessária para garantir que os profissionais tenham a segurança jurídica que precisam no seu trato com os consumidores de outros países sem lhes impor carga excessiva". O artigo 4.° da Directiva na sua versão final não seguiu a redacção constante da referida proposta, que nesta matéria se poderia considerar mais ousada.

Para que o nível de harmonização em matéria de práticas comerciais entre empresas e consumidores fosse o ideal, a Comissão no seu livro verde sobre a defesa do consumidor propunha dois métodos fundamentais. Tais métodos foram colocados à apreciação dos Estados-Membros e em suma consistiam: Numa abordagem específica baseada na aprovação de uma série de novas directivas de cariz essencialmente sectorial; ou numa abordagem mista realizada por uma directiva-quadro global, completada por directivas especiais sempre que necessário.

Decidiu-se pela adopção de uma directiva-quadro seguindo assim a o modelo de abordagem mista, que apresenta dificuldades acrescidas de elaboração, não só pela exigência técnica ao nível dos conceitos, como pela diversidade de matérias que pretende regular. Isto porque, para que se concretize a intenção da Directiva conceder uma efectiva protecção aos interesses económicos dos consumidores não poderia limitar-se a um simples princípio geral regulador das práticas comerciais entre empresa e consumidor. Devendo antes, como se diz no citado livro verde "abordar as principais diferenças entre as disposições nacionais relativas a práticas comerciais que afectaram o funcionamento do mercado interno, estabelecendo regras claras aplicáveis em toda a União graças a uma harmonização."

Chama-se a atenção nesta matéria para o efectivo alcance globalizado e absorvente da protecção económica dos consumidores operada por esta Directiva. A ponto de ter optado o legislador comunitário, (e bem, por uma questão de coerência legislativa) eliminar toda a alusão à protecção dos consumidores em domínios onde anteriormente teriam certamente lugar. Como será exemplo a nova Directiva 2006/114/CE de 12 de Dezembro sobre publicidade enganosa e publicidade comparativa8, que não seguiu neste domínio as disposições das anteriores Directivas sobre estas mesmas formas de publicidade, nomeadamente a Directiva 97/55/CE que veio modificar a Directiva 84/450/CEE, onde se podia ler no seu artigo primeiro que o objectivo prosseguido era "proteger os consumidores e as pessoas que exercem uma actividade comercial ou industrial, artesanal ou profissional". Este exemplo, não sendo o...

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